Opinião
A avaliação do governo e o desengajamento da esquerda
A avaliação do governo e o desengajamento da esquerda
De ALDO FORNAZIERI*
Três pesquisas divulgadas na semana passada – Quaest, Atlas/Intel e IPEC – mostraram quedas significativas na avaliação positiva do governo e do presidente Lula e o avanço da avaliação negativa. Os números são preocupantes e mostram que o governo não está bem. A Quaest e a Atlas/Intel apontaram algumas causas para a queda da avaliação positiva: as declarações de Lula sobre Israel, inflação de alimentos, percepção de que a economia não vai bem, percepção do aumento de insegurança e de corrupção e, por fim, pobreza e desemprego.
A pesquisa do IPEC mostra que Lula e o governo perdem pontos em seu próprio eleitorado, como moradores do Nordeste, entre mulheres, entre eleitores de baixa renda e entre negros e pardos.
O cenário adverso revelado pelas pesquisas é ainda mais preocupante por coincidir com um momento de retomada de ofensiva política e ideológica da extrema-direita bolsonarista. O ato de apoio a Bolsonaro na Avenida Paulista marcou essa retomada. O ato partiu de um pressuposto defensivo – risco de prisão de Bolsonaro e da cúpula civil-militar que articulou o golpe – mas a sua magnitude resultou numa estratégia ofensiva. O bolsonarismo brandiu bandeiras de mobilização: anistia, pacificação e ataque ao governo, às esquerdas e também ao STF, tarefa que coube ao pastor Silas Malafaia estimular.
O ato na Paulista evidenciou outro elemento da estratégia de extrema-direita, que deverá incidir com mais intensidade na conjuntura política: a estruturação de uma retórica político-teológica visando potencializar a eficácia persuasiva. Os discursos de Michele Bolsonaro e de Silas Malafaia e a presença significativa de bandeiras de Israel são componentes dessa estratégia. É sabido que a matriz ideológico-teológica que influencia os evangélicos radicais trumpistas e os evangélicos bolsonaristas é estruturada pelos grupos religiosos de extrema-direita de Israel. Não por acaso, a avalição negativa do governo e de Lula teve forte crescimento entre os evangélicos.
Na sequência, o bolsonarismo teve importante vitória na Câmara dos Deputados: dois radicais assumiram Comissões estratégicas. Nikolas Ferreira assumiu a Comissão de Educação e Caroline de Toni assumiu a Comissão de Constituição e Justiça. Para além dos problemas que os dois podem causar em pautas de interesse do governo, a escolha de ambos sinaliza a intensificação do combate que o bolsonarismo dará ao governo e à esquerda. Acrescente-se que este episódio é apenas mais um a confirmar o fracasso da articulação política do governo.
Outro elemento importante da ofensiva política bolsonarista se desenvolve no governo do Estado de São Paulo. O governador Tarcísio abandona cada vez mais os pruridos para assumir posições extremistas de direita. Duas secretarias de governo são pontas de lança desse processo de fascistização do governo estadual: a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública. Depois de várias investidas extremistas, agora a Secretaria de Educação busca ampliar a implantação das escolas cívico-militares, com evidentes intenções ideológicas.
A Secretaria de Segurança, por seu turno, depois de promover massacres no litoral, com evidências de execuções e de violações de Direitos Humanos, investiu contra a cúpula da Polícia Militar. Com uma penada, o governador subsituiu 34 coronéis de seus comandos.
A Polícia Militar se São Paulo, nos últimos 20 anos, vinha desenvolvendo um processo de modernização e de profissionalização, com mudanças inovadoras nas escolas de formação, com a introdução de uma carga horária maior de disciplinas técnicas, sociais e de direitos humanos nas grades curriculares e com maior atenção no tema do relacionamento com a sociedade. A adoção das câmeras nos uniformes policiais foi uma decisão da cúpula da PM, resultante desse processo. Agora Tarcísio e o secretário Derrite apostam numa polícia politizada e violenta.
Em contrapartida à ofensiva bolsonarista, observa-se a apatia e a desmobilização das esquerdas. Tome-se o caso da declaração de Lula comparando as ações de Israel em Gaza ao que Hitler fez com os judeus. As críticas de Lula à violência e ao genocídio que o Estado de Israel está patrocinando são corretas e necessárias. Dado o descomedimento da violência israelense, somente a declaração desmedida e incomum de Lula, um ato de grande coragem, poderia se contrapor ao massacre perpetrado contra milhares de crianças e mulheres.
A coragem de Lula, no entanto, não teve a necessária sustentação no debate público e nas redes por parte da militância de esquerda. De acordo com pesquisa da Quaest, a declaração de Lula teve 68% de menções negativas nas redes. Em boa medida é nas redes que o bolsonarismo vem causando estragos ao governo e a Lula. E isto se deve, de forma significativa, à conduta desengajada com que as esquerdas vêm enfrentando a polarização bolsonarista. A impressão que fica é a de que as esquerdas evitam a confronto e a polarização contra uma força que cresce apostando no confronto e na polarização. O desengajamento e a apatia é uma conduta que conduz a derrotas.
O governo e Lula, sem dúvida, cometem erros. Mas é preciso perceber que a questão central do combate político deve ser liderada pelos partidos – PT, PSOL, PCdoB, entre outros. Parece que os partidos operam sem estratégias, sem liderança e sem retóricas persuasivas. Os discursos das esquerdas têm um caráter mais receituário, enquanto a extrema-direita centra suas narrativas em valores conservadores, em disputa de hegemonia moral e cultural, em conteúdos que mobilizam vontades e afetos.
As esquerdas se mostram incapazes de construir um discurso orientado por um projeto de futuro transformador. Limitam-se a propor um reformismo fraco à ordem existente, marcada pela desigualdade crescente e pela depredação das condições de vida no planeta. Entre a tragédia do presente e as incertezas do futuro, as esquerdas capitularam à tarefa de construir uma esperança mobilizadora. Numa Era de polarizações e de extremismos, parecem temer o confronto. O crescente avanço da extrema-direita em várias partes do mundo também resulta dessa apatia desmobilizadora, dessa ausência de uma narrativa transformadora.
O governo, por seu turno, precisaria puxar um freio de arrumação em vários ministérios, particularmente na articulação política e na comunicação. Precisaria sacudir esse ar de cansaço e de envelhecimento precoce. Faltam projetos inovadores e transformadores e narrativas mobilizadoras, capazes de provocar engajamentos e ativismo. Governo e partidos de esquerda deveriam apontar para um projeto de futuro, um projeto de país, de sentido universalizante. Um projeto de fosse capaz de unificar as várias lutas fragmentadas que são travadas pelos movimentos sociais.
*Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e autor de Liderança e Poder (Editora Contracorrente, 2022).
Imagem em Pixabay.
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