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Opinião

Lula em Paris: o que mudou com a vitória de 2002

Lula em Paris: o que mudou com a vitória de 2002

Artigo por RED
19/10/2023 16:00 • Atualizado em 20/10/2023 22:33
Lula em Paris: o que mudou com a vitória de 2002

Este texto referente à primeira visita a Paris do presidente Lula, depois de eleito em 2002, mostra o quanto em política o mundo dá voltas. Depois de sua primeira eleição, políticos que evitavam o fundador do PT sem mandato disputaram momentos com o novo fenômeno ascendente no gigante sul-americano. Algo a ver com o momento?

De LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris

Como jornalista radicada em Paris, tive o privilégio (e também o prazer) de cobrir, em janeiro de 2003, a primeira visita oficial do presidente Lula, recém-empossado, a Paris.

Em texto escrito para um jornal brasileiro, detalhei o programa oficial do novo presidente e contei a diferença de tratamento ao líder do PT quando de sua viagem a Paris, em 1991. Ele fora derrotado por Collor em 1989 e foi solenemente esnobado pelos políticos socialistas importantes de então.

Em 2003, como presidente empossado, muitos dos que evitaram o antigo metalúrgico disputavam a oportunidade de conhecer o fenômeno ascendente da esquerda brasileira.

O presidente Lula ficou em Paris apenas 10 horas, com um programa ultra condensado e fez um discurso memorável depois de recepcionado por Jacques Chirac, no Palácio do Eliseu.

Confira o texto de 2003:

Paris vai receber o presidente Lula em grande estilo

A primeira viagem de Lula a Paris como presidente promete ser uma maratona.

E vai servir para apagar amargas recordações de visitas em que o líder do PT queria encontrar políticos do Partido Socialista e não conseguia ser recebido por eles.

Num coquetel na casa do embaixador, eles vão disputar cinco minutos de atenção do maior líder da esquerda da América Latina, tratado pela imprensa francesa como a esperança de novos caminhos na política mundial.

Numa visita qualificada pelo embaixador Marcos de Azambuja como “de trabalho”, ele chega dia 28 de janeiro, às 11 horas da manhã, num Legacy da Embraer, e decola de volta ao Brasil às 21 horas do mesmo dia, num avião de carreira da TAM.

Em menos de 12 horas, Lula vai ter um encontro com o presidente Chirac, com o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, com o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë e, num coquetel no fim da tarde, com políticos da esquerda francesa, intelectuais, jornalistas e artistas, um grupo de 50 privilegiados, a maioria já conhecidos do presidente, que o encontrarão na recepção na residência do embaixador Marcos de Azambuja.

Desse grupo restrito constam o prefeito de Paris, o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin, o ex-ministro Jack Lang, o ex-primeiro-ministro Michel Rocard, o escritor Régis Debray, o ex-ministro Dominique Strauss-Kahn, o ex-premier-ministro Laurent Fabius, o atual primeiro-secretário do PS, François Hollande e o sociólogo Alain Touraine, além de Ronaldinho Gaúcho, a atriz Emmanuelle Béart e o ex-presidente da Associação Attac, Bernard Cassen.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, descansando em Paris por alguns meses, não foi convidado para o coquetel. O ex-ministro de João Goulart, Celso Furtado, vai estar presente.

Depois de desembarcar, chegando de uma visita a Davos e Berlim, o presidente Lula só vai ter tempo de passar na residência do embaixador e dirigir-se imediatamente a Matignon, onde será recebido pelo primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin às 11h45 para um encontro de 40 minutos.

Logo depois, às 12h45, o presidente brasileiro encontra-se com Jacques Chirac, com quem almoça em seguida, no Palácio do Eliseu, num grupo de cerca de 16 ministros e assessores brasileiros e franceses. Os ministros que acompanham Lula a Paris não terão tempo para encontros paralelos. O único a encontrar seu colega francês será o ministro do Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan.  Além dele, acompanham Lula a Paris os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, da Fazenda Antonio Palocci e do Trabalho, Jaques Wagner.

Entre as 15h e as 17h30, hora do encontro na residência do embaixador com Bertrand Delanoë, prefeito de Paris  – o político socialista de maior popularidade entre os franceses – Lula terá pouco mais de duas horas para tomar um banho e descansar. Depois do encontro de meia hora, Lula participa do encontro com a nata da esquerda francesa, principalmente membros do Partido Socialista, antes de decolar às 21h de volta ao Brasil, depois de mostrar na Europa que o presidente brasileiro se desloca nos pequenos percursos em avião brasileiro.

Ontem, com direito a grande foto de Lula ao lado de Lionel Jospin, uma reportagem de página inteira do Le Monde se interrogava em manchete: “A esquerda pode tirar lições do modelo brasileiro?” A foto era do dia 11 de abril do ano passado (2002), visita anterior de Lula a Paris, antes de sua eleição, quando ele se encontrou com o então primeiro-ministro e candidato a presidente Lionel Jospin e participou com ele de um comício em Bordeaux. Nesta visita de abril de 2002, cobri o encontro de Lula com políticos socialistas, quando ele foi recebido na sede do PS, na Rue de Solférino.

Lula foi eleito. Jospin não passou ao segundo turno, escanteado por Jean-Marie Le Pen causando um enorme choque na vida política do país e ensejando a maior frente republicana para derrotar o fascismo jamais vista no país. Chirac foi eleito com 82% dos votos.

Lula, como presidente, reverá o candidato derrotado Lionel Jospin

Na mesma matéria do Le Monde, o socialista Jean-Christophe Cambadélis conta que, no outono de 1991, Lula, então presidente do PT, tentou encontrar dirigentes socialistas e nem Rocard, então primeiro-ministro, nem Pierre Mauroy, primeiro secretário do PS se interessaram em recebê-lo.  Cambandélis e Henri Emmanuelli, então tesoureiro do partido, foram jantar com Lula e Luis Favre, conhecido como “Felipe” entre os trotskistas.

O governo francês, que enviou à posse de Lula um opaco deputado representante da Guiana francesa na Assembleia, justificou através do ministro das relações exteriores, Dominique de Villepin o aparente pouco caso com a cerimônia. Segundo uma carta de Villepin publicada no jornal Le Monde, ele próprio tinha a intenção de ir à posse do presidente brasileiro, mas foi impedido por uma viagem de última hora à Costa do Marfim, para tentar encontrar uma solução para uma guerra civil que tanto preocupa o governo francês.

“As relações do Brasil com a França são um rio histórico imenso e não são afetadas de maneira nenhuma pelo fato de o Brasil ter um governo de esquerda e a esquerda ter perdido na França”, justificou o embaixador Marcos de Azambuja, que vai ser o novo diretor da Casa França-Brasil.


*Jornalista internacional. Co-autora, com Clarisse Meireles, de Um homem torturado – nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou A tortura como arma de guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado. Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.

Imagem em Pixabay.

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