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Volta às bases, com que base?

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Volta às bases, com que base?
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Por BENEDITO TADEU CÉSAR* Participo de 57 grupos de discussão no WhatsApp. Alguns poucos foram criados por mim e na imensa maioria dos outros fui incluído e permaneço, ainda que raramente me manifeste em quase todos eles. Num dos grupos em que fui incluído e de cujos diálogos nunca havia participado, iniciou-se ontem uma discussão que, diga-se de passagem, é recorrente nos grupos de esquerda, sobre a necessidade de se “ir às bases”. Há a constatação, cada vez mais frequente, de que os partidos de esquerda e centro-esquerda se afastaram dos movimentos populares e sociais e de que é preciso voltar a ter contato com o povo. Penso que esta constatação está correta, mas ela não abrange toda a complexidade da situação. Sem intenção de resolver a questão, que precisa e merece muita reflexão e debate, me atrevi a postar um comentário no grupo e o reproduzo abaixo. Como há muitos outros aspectos a serem abordados, será preciso retornar ao tema em novos textos e já convido outros escribas interessados a entrarem em cena. Enviem artigos para a RED, que tenho certeza serão publicados. Aqui vai a postagem original, com a correção de alguns erros de digitação. Se vocês me permitirem uma observação a partir das mensagens trocadas acima, sobre o método da "volta às bases", eu acrescentaria ao que o Frederico e o Sérgio escreveram que, na minha avaliação, há uma questão preliminar a ser enfrentada que é o fato de que as esquerdas perderam seus referenciais. A realidade socioeconômica mudou e nós ainda não entendemos plenamente as transformações em curso. Não existe mais o operariado e a classe média dos anos de 1980/1990/2000, que compuseram a base social do PT. As transformações no mundo da produção e do sistema financeiro e a incorporação de alta tecnologia, a internet e as redes sociais, o recuo da igreja católica progressista, com sua teologia da libertação, e o avanço das igrejas neopentecostais, com sua teologia da prosperidade (e que alguns já chamam de teologia do domínio), e também o avanço dos setores mais conservadores na igreja católica, e ainda o crescimento do trabalho informal, com a uberização e o empreendedorismo, criaram um mundo novo que nós não entendemos plenamente. De fato, eu penso que nós ainda não entendemos quase nada. Cito apenas um exemplo, que me parece bem ilustrativo. Nós continuamos nos referindo aos trabalhadores sem carteira assinada com "precarizados" e rimos quando um motorista de Uber se autodenomina como "empreendedor". Para mim, isso evidencia nossa incapacidade de entender os sentimentos "das bases". Por que afirmo isso? Vou responder com uma pergunta. Algum de nós gostaria de ser chamado de "precarizado"? Isto não feriria nossa sensibilidade? Algum de nós gostaria de perceber um ar de riso disfarçado na face do seu interlocutor ou mesmo um tom (também disfarçado) de desprezo ou, noutro extremo, de indignação, na voz de seu interlocutor, quando ele se referisse à nossa condição profissional, se nós nos considerássemos "empreendedores"? Mais de 50% dos trabalhadores brasileiros não têm carteira assinada e sequer têm a perspectiva e/ou a pretensão de vir a tê-la. Nossas bandeiras estão defasadas, quando defendemos a CLT ou combatemos o regime de trabalho de 6X1, ou estão longe da realidade cotidiana e imediata das pessoas, quando defendemos o direito ao aborto porque "as mulheres devem ter o direito de escolher e ter autonomia sobre seus próprios corpos". Essas são bandeiras extremamente importantes, mas estão mal colocadas, e estão mal colocadas porque não entendemos os sentimentos da população. Quem não tem carteira assinada e não tem perspectiva de vir a tê-la tem que "se virar" da forma que der. Vou fazer mais algumas perguntas: os pequenos agricultores ou agricultores familiares não são "empreendedores" e nós não os admiramos e defendemos? Então, por que não adotamos a mesma postura frente aos demais pequenos produtores e prestadores de serviços? Por que não defendemos o aborto como uma política de saúde pública em vez de o fazer como sendo "um direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo"? Para finalizar. Em 1980, quando Brizola voltou ao Brasil, vindo do exílio, ele acreditou que iria recriar o PTB e iria obter o apoio de suas antigas bases sociais e, assim, recriaria o trabalhismo. O TSE lhe deu uma rasteira, entregando a sigla para Ivete Vargas, o que o fez criar o PDT, e o PT se apossou de "suas bases", o que fez com que Brizola o classificasse como um partido "filhote da ditadura". Por incrível que possa parecer, Brizola estava razoavelmente certo quanto à classificação jocosa que empregava contra o PT e totalmente equivocado na avaliação das "bases sociais" do trabalhismo. A estrutura social (as classes sociais) tinha mudado durante a ditadura. Tinha surgido uma nova classe trabalhadora, formada por operários qualificados e muito melhor pagos, uma classe média urbana escolarizada e diversificada e um funcionalismo público muito diferente dos "barnabés" dos anos varguistas. Essas transformações criaram as bases sociais para o surgimento do PT e Brizola não tinha entendido e talvez tenha morrido sem entender (muitos brizolistas não entenderam até hoje). Nos anos 90, escrevei uma tese e posteriormente um livro para entender quem, de fato, o PT representava e nem o PT naquele momento entendia direito quem era (não vamos nos esquecer que, naquele momento, o PT falava em proletariado, para se referir às suas bases). Na minha visão, estamos atravessando uma situação estruturalmente semelhante e estamos sem entender, de fato, o que se passa. Concluo: ir às bases é muito importante, mas me parece que temos um trabalho tão urgente e necessário quanto este que é o de entender o que são e como pensam as bases atuais. Desculpem o textão. Abraços. Comentários pós-escritos Para que não pairem dúvidas quanto à questão do aborto e da autonomia feminina, reforço que temos uma questão a ser readequada e que isso inclui todas as pautas ditas identitárias, das mulheres, dos negros, dos LGBTQI+ e tantas mais que se enquadram no conceito. Todas elas são extremamente importantes, mas entendo que elas estão sendo abordadas de uma maneira equivocada e que isso passa por nossa dificuldade de entender as transformações em curso na sociedade atual. Em primeiro lugar, quero reforçar que, tal como as transformações produzidas pelos governos ditatoriais militares (acrescidas pelas transformações em curso no mundo desde os anos de 1960) geraram as condições para a superação da ditadura e para o protagonismo dos movimentos sociais e populares e dos partidos progressistas nos anos finais do século XX, com o PT coroando esse processo, as transformações produzidas pelos governos do PT (acrescidas pelas transformações em curso no mundo  desde a crise de 1973 e a derrocada do império soviético em 1990) nos primeiros anos do século XXI geraram as transformações que vivemos hoje. A ditadura militar foi ruim e naufragou em boa hora. Os governos petistas foram bons e precisamos lutar para mantê-los e para não ceder espaço aos defensores de novas ditaduras, de ideologias, de práticas e de governos neofascistas. Com relação às questões identitárias, atrevo-me a dizer que precisamos calibrar o discurso, sem renunciar ao conteúdo. As transformações em curso no país criaram áreas de resistência muito fortes. Tanto no plano econômico e político (haja vista a Operação Lava-Jato, a cassação da presidenta Dilma Rousseff e a campanha dos grandes meios de comunicação de criminalização e desprestígio dos políticos, principalmente da esquerda, e da própria atividade política), como no plano da moralidade e dos costumes. A guerra cultural se instalou. Não é por acaso que o “filósofo” do caos, Olavo de Carvalho, e seus discípulos odeiam Gramsci. Eles o leram e o entenderam. Nessa disputa, eles encontram campo fértil para assentar seus princípios ideológicos e seus preconceitos. Vou tomar apenas dois exemplos, para não me estender em demasia. A questão feminina e a da comunidade transsexual. Suas bandeiras abalam os fundamentos da família tradicional, que é a base de sustentação das relações sociais e o apoio material e afetivo das pessoas em geral, e que está em profunda crise, provocada pelas transformações em curso no mundo. As pessoas que estão “sem chão”, devido às profundas transformações em curso, têm na família, mesmo com todas as suas contradições e problemas, uma garantia de apoio e segurança, tanto afetivo quanto econômico. Defender o aborto apenas como uma forma de afirmação do direito de escolha feminino, sem dar a devida prioridade à questão de saúde pública (da própria mulher), assim como defender o uso de banheiros unissex nas escolas e nos espaços públicos, sem impor qualquer ressalva, são posturas vistas pela população que se encontra exposta à violência dos traficantes, da polícia e, muitas vezes, dos próprios familiares, como um combate à família, um ataque a membros de uma instituição que lhe é cara. Isso dá munição aos conservadores, principalmente aos padres e pastores reacionários, que são exatamente os que hoje mantêm maior contato e são os maiores orientadores dos valores morais das populações mais vulneráveis. Uma mãe, que tem sua filha ou filho exposta/o à violência e ao risco de ser estuprada/o, inclusive por familiares, não quer que, na escola ou nos ambientes públicos, esse risco seja exponenciado pelo uso comum de pessoas que se auto reconhecem com trans e, por isso, podem utilizar o mesmo banheiro de sua/seu filha/filho. Este é um dos motivos pelos quais o movimento Escola sem partido se fortalece ainda hoje. As famílias de classe média (mesmo da classe média baixa) e das classes altas podem escolher em que escolas matricular seus filhos e filhas. Podem escolher se os colocam em escolas progressistas ou conservadoras, uma escolha que não é oferecida às famílias mais pobres, cujos filhos têm, forçosamente, que estudar em escola pública. Por que esta escola tem que ser “progressista” e por que nessas escolas os banheiros devem ser unissex? Se não há risco, então é preciso primeiro convencer os temerosos de que ele não existe[1]. Estas são questões que teremos que enfrentar, se queremos, de fato, saber como “voltar às bases”, pois não basta estar no lugar certo, é preciso também dizer corretamente o que precisa ser dito ali. Eu não sei como responder às questões aqui colocadas e às muitas outras que acompanham o tema da “volta às bases”, como por exemplo as relativas à oligarquização também dos partidos de esquerda, à correlação de forças no parlamento e ao emparedamento do governo Lula, e é por isso que conclamo os interessados para o debate. Envie seu texto para redaçaoportalred@gmail.com. *Benedito Tadeu César é cientista político e professor universitário, Coordenador Geral da Associação de Amigos do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da Rede Estação Democracia RED [1] Essas questões foram levantadas brilhantemente na mesa A agenda de costumes e religiosa, no Seminário Eleições 2024: continuidades e mudanças, organizado pela profa. Silvana Kause, do PPG de Ciência Política da UFRGS, e realizado no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul durante os dias 27 a 29 de novembro de 2024. Foto da capa: redes sociais Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Lira convoca reunião de emergência com líderes da Câmara após decisão de Dino sobre emendas

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Lira convoca reunião de emergência com líderes da Câmara após decisão de Dino sobre emendas
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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), convocou os líderes da Casa para uma reunião virtual nesta quinta-feira (26). STF intensifica fiscalização sobre emendas parlamentares com nova decisão de ministro. Na segunda-feira (23), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão do pagamento das emendas de comissão e solicitou à Polícia Federal (PF) a abertura de um inquérito para investigar possíveis irregularidades na liberação e destinação desses recursos. Enquanto isso, o governo federal segue empenhado em cumprir o prazo até 31 de dezembro para empenhar as emendas e fechar o orçamento de 2024. O ministro Alexandre Padilha, articulador político do Planalto, continua conduzindo as negociações em Brasília. A decisão do ministro Flávio Dino marca mais um capítulo nas tensões entre o STF e o Congresso sobre as emendas parlamentares. Em agosto, Dino já havia suspendido todos os pagamentos até que fossem definidos critérios mais rigorosos de transparência e rastreabilidade. Após ajustes, os pagamentos foram liberados no início de dezembro, condicionados ao cumprimento de novos requisitos. As mudanças impostas pelo STF têm gerado desconforto entre parlamentares, levando à paralisação de pautas importantes para o governo, como o pacote de corte de gastos e a regulamentação da reforma tributária. Decisão detalhada Na nova decisão, Dino determinou que a Câmara publique, em até cinco dias, as atas das reuniões das comissões onde as emendas foram aprovadas. Esses documentos devem ser enviados à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, sob a chefia de Alexandre Padilha. O pagamento das emendas somente será permitido após a chegada dessas atas ao Planalto, desde que atendam aos critérios de transparência e rastreabilidade estabelecidos pela Corte. Além disso, o ministro definiu que as emendas previstas para 2025 só poderão ser autorizadas se todos os requisitos forem cumpridos, reforçando o controle sobre a destinação dos recursos públicos.     Com informações do G1. Foto de capa: Arthur Lira preside sessão na Câmara — Bruno Spada/Câmara dos Deputados Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Cultura

Evento #VoltaDemétrio reunirá a comunidade cultural no bar Ocidente

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Evento #VoltaDemétrio reunirá a comunidade cultural no bar Ocidente
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O Ato-show ocorrerá dia 6 de janeiro como manifesto pela volta do Cantos do Sul da Terra a TVE e a rádio FM Cultura, O programa é um dos mais elogiados pelo público das emissoras públicas. A atração criada, produzida e apresentada pelo músico Demétrio Xavier, foi encerrada por decisão de Caio Tomazeli, secretário de Comunicação do governo Eduardo Leite. O titular da pasta optou por não renovar a cedência do servidor. A notícia do fim do programa levou artistas como Vitor Ramil, Renato Borghetti,Yamandú Costa, Nei Lisboa, Leandro Maia entre outros a gravarem vídeos pedindo ao governo do Estado que reveja a decisão em função da relevância do Cantos para a cultura gaúcha. A insatisfação com a medida se alastrou pelo meio artístico-cultural e levou a criação do Movimento em Defesa da TVE e FM Cultura que convoca a manifestação para expôr que o término do Cantos do Sul da Terra representa mais uma ação em direção ao desmantelamento dos veículos. Com apresentações de diversos artistas, o encontro terá também a leitura de um manifesto apontando a importância da radiodifusão pública com abrangência necessária para garantir uma esfera pública democrática, múltipla e inclusiva. O ato-show pretende lembrar o trabalho histórico da comunicação pública e ser novamente um marco de diálogo da sociedade civil com os governantes para chegar a um objetivo comum: entregar para a sociedade uma programação de qualidade, um jornalismo de combate às notícias falsas e que trabalhe pela manutenção de nossa democracia. #voltaDemétrio #ficaCantosdoSuldaTerra #ficaTVEeFMCultura. Serviço: O quê: Ato-show #voltaDemétrio Quando: 6 de janeiro - 19h Onde: Bar Ocidente Instagram @mdtvefmcultura e-mail para contato: mdtvefmcultura@gmail.com     Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Ciência e Tecnologia

O Brasil, a América Latina e o Seleto Grupo Mundial de Países e Regiões que Dominam e Detêm Expertise na Manufatura de Chips

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O Brasil, a América Latina e o Seleto Grupo Mundial de Países e Regiões que Dominam e Detêm Expertise na Manufatura de Chips
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Por ADÃO VILLAVERDE* Dados levantados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em dezembro de 2024, dão conta que segmentos de alta tecnologia crescem acima da indústria de transformação tradicional do país. Evidenciando que de janeiro a setembro de 2024, algumas atividades neste campo, chegaram quase ao dobro da tradicional neste período. Estes resultados necessariamente nos fazem refletir acerca de um tema, que é a batalha pela tecnologia que move o mundo nos dias de hoje, que são o domínio e a expertise da manufatura de semicondutores. Atualmente, os nominados chips, estão presentes em todos os lugares. Todos os processos inovativos emergente apresentam uma nítida dependência destes dispositivos, sendo eles atualmente o quarto produto mais comercializado no mundo. Primeiro vem o petróleo bruto, depois o refinado e por fim os automóveis. Mas para se ter uma ideia do alcance dele, é ao mesmo tempo conformador e estruturante destes três primeiros que hoje o superam comercialmente. Ainda que exemplos possam ser reducionistas, um automóvel pode trazer hoje em sua tecnologia embarcada na casa de uns 3 mil chips. Evidente que sua cadeia de suprimentos e valor não é trivial, envolve várias etapas de design e industrialização, que se inicia com a necessária e fundamental formação de pessoas, passando pelo desenvolvimento e projetos, indo para a produção dos dispositivos semicondutores, chegando ao seu encapsulamento, e finalmente, completando seu ciclo fundamental como produto final, alcançando o consumidor. Do ponto de vista do mercado de aplicações, em torno de um terço dele envolve as áreas de i) redes e comunicações, o outro terço a área de ii) processamento de dados e o último terço, abrange as iii) áreas industriais de um modo geral, bens de consumos eletrônicos, setor automotivo e o que nominaríamos de e-gov. Seu mercado global deve fechar em 2024 na casa de US$ 624 bi, projetando para o fim da década, valores na ordem de US$ 1,5 tri. Vive-se um momento de rearranjo na sua cadeia produtiva mundial, portanto uma alteração na conjuntura do setor, onde os investimentos passaram a ser mais consistentes, bastante resilientes e de caráter estratégico. Buscando uma manufatura global desconcentrada do Pacífico do Leste (onde está quase 80% dela), que foi catalisada pela Covid e a guerra Ucrânia-Rússia, de modo que hoje examina áreas com mais segurança política e jurídico-legal, para se reinstalar ou instalar-se. Esta região, era constituída de países mais atrasados e inexpressivos economicamente que o Brasil, mas que no pós guerra e na quarta parte final do século passado, realizaram suas estratégias de missão de Nação. Dando um salto enorme, se transformando em referenciais tecnológicos e inovativos mundiais, ganhando o nome de Tigres Asiáticos, por suas agilidades, aceleração e pelos seus rápidos crescimentos e desenvolvimentos no campo da alta tecnologia. É neste contexto, que aparece ou amplificou-se o que se nomina de The Chip War (Chris Miller, 2023), onde os USA no seu programa Chips and Science Act , projeta investimentos na casa de US$ 280 bi, até o fim da década; e a China no seu Semiconductors Future, está prevendo US$ 1,4 tri, portanto 5 vezes mais que os investimentos americanos. Ou seja, o tema semiCon é i) business, pelos números acima, um mega-negócio, tem um valor ii) soberano do ponto de vista científico-técnico, tem um iii) caráter geopolítico de Nação e será portador de uma perspectiva de enormes demandas nos processos de iv) descarboinização e da transição energética No Brasil, não partimos do zero, já temos um Ecossistema de SemiCon, com 08 empresas de design house (projetos), umas 10 de back end (encapsulamento) e 02 com capacidade de front end (fabricação), além de importantes instrumentos de políticas governamentais de apoio, como o Programa de Desenvolvimento ao Desenvolvimento Tecnológico - Padis -, o recentemente aprovado Brasil SemiCon e a Lei de Informática - LI -. Que foram decisivos para sua retomada, sobretudo nas etapas de design house e backt end, que são as áreas de projetos e encapsulamentos, mas que foram responsáveis também pela implantação do setor, junto com o Programa Nacional de Microeletrônica - PNM -, em solo brasileiro, no final da década de 90 do século passado e na primeira década deste. Possuímos também requisitos e elementos chaves para a manufatura de chips, nominado front end, com fábricas, salas limpas, água ultrapura, filtros de ar, equipamentos e RH, que são os casos da CEITEC, que está sendo retomada. E a Unitec, que pelo que se sabe, não entrou em funcionamento e sequer ainda tinha sido comissionada, ou seja, não havia recebido os requisitos normativos para suas atividades de operação. E mais, e muito importante, temos um mercado mundial bastante amplo, para chips nominados maduros no sistema CMOS, uma tecnologia de semicondutor que usa transistores; e também, um cenário promissor se descortinando às novas rotas de dispositivos de potência, sobretudo a partir dos temas decorrentes da descarbonização e transição energética. Que nossa fábrica de solução completa, a CEITEC, irá implantar/adaptar em solo riograndense, com o recente anúncio de R$ 220 milhões pelo MCTI/FINEP/FNDCT. É neste cenário que vale levantar duas reflexões fundamentais, de um lado os gargalos que tem o setor localmente e que devem ser superados; de outro algumas recomendações fundamentais, sobretudo na forma de propostas. Agora com o Programa Brasil SemiCon, devemos também atualizar os instrumentos que temos de política para o setor: Programa Nacional de Microeletrônica -PNM-; o PADIS, que já avançou muito; a Política de Desenvolvimento Produtiva - PDP -; o Processo produtivo Básico – PPB -; Programas CI Brasil - CI BR -; a LI; a Lei do Bem, dentre outras. E colocar em prática o impulsionamento dos desafios de intensividade em P&D que setor tem, voltar a formar e repatriar RH, usar as encomendas governamentais e poder de compra para impulsionar o setor, ter uma estratégia global do país para a área e apoiar e ajudar para que empresas do setor tenham seus Business Plan’s concertados com demandas nacionais de mercado, mas também na busca intensa do enorme mercado mundial existente para os dispositivos de semicondutores. Por fim, algumas considerações e recomendações, na forma de propostas. Sem domínio na manufatura de chips, não tem transferência digital soberana, ela será subordinada, e economias nesta lógica podem fenecer. Existe mercado para Chips Maduros no sistema CMOS ou para dispositivos de potência, numa nova rota tecnológica, com o descortinar alvissareiro das fundamentais políticas de descarbonização e transição energética. Entretanto os investimentos devem ser feitos em base a evidências e critérios. E para isto seria fundamental se fazer uma Estudo Rigoroso de Mercado dos produtos que país importa, intensivos em SemiCon, constituído das seguintes etapas: i) Localizar zonas ou nodos tecnológicos dos importados; ii) ver quais poderíamos fabricarmos ou montarmos localmente; iii)) no caso de front end: ou por upgrade no Sistema CMOS ou pela via dispositivos de potência em Nova Rota Tecnológica de SiC, por exemplo; e por fim, iv) só daí, poderíamos fazer previsões factíveis de break-even (receita igual a despesas), conforme curva de maturação do sistema CMOS ou de dispositivos de potência. Sem aquilo que ao fim e ao cabo muitos fazem, que são tomar decisões nos “achismos”, sem nenhuma base de evidências. E por fim mesmo, tudo isto é para que o Brasil mergulhe definitivamente, no seleto grupo mundial de países e Nações, que dominem e detêm expertise na manufatura de chips. E junto com a América Latina se incorpore definitivamente na cadeia global fornecedora destes dispositivos, que para muito hoje, é nominado como o “petróleo” limpo do milênio. * Adão Villaverde é Engenheiro, Professor de Gestão do Conhecimento e da Inovação Escola - Politécnica PUCRS e Assessor de SemiCon - TECNOPUC Foto da capa: Chip brasileiro - Crédito: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Economia

Lula, o Banco Central e o financismo

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Lula, o Banco Central e o financismo
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Por PAULO KLIASS* O final de 2024 tem apresentado alguns sinais que parecem ter provocado alguma preocupação para o Presidente Lula. O primeiro deles, sem dúvida alguma, refere-se ao susto que ele, seus familiares e amigos mais próximos, bem como toda a sociedade brasileira, tomamos com o anúncio da necessidade de uma cirurgia emergencial no crânio. Felizmente tudo se passou muito bem e ele já está retomando, aos poucos, as atividades políticas normalmente. Um segundo bloco de problemas para o governo encontra-se na combinação das votações no Congresso Nacional do pacote de maldades preparado por Haddad. O conjunto foi encaminhado em nome do governo e comprometia de forma bastante dura os interesses da base política e eleitoral de Lula: os miseráveis e os mais pobres da nossa pirâmide da desigualdade. A obsessão que o Ministro da Fazenda mantém desde o início do terceiro mandato com a falácia da austeridade fiscal tem levado o governo a criar armadilhas sucessivas para si mesmo. Assim foi a elaboração e a votação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) ainda em 2023, contrariando as promessas feitas por Lula durante a campanha eleitoral de apenas revogar o famigerado Teto de Gastos de Temer. Em seguida veio a meta, tão equivocada quanto irrealizável, de zerar o déficit fiscal primário em 2024 e 2025. Os economistas progressistas alertávamos que isso significaria, como se confirmou na sequência, um arrocho expressivo nas despesas orçamentárias nas rubricas sociais e nos investimentos. Um verdadeiro tiro no pé do próprio governo. Logo depois, veio a recusa incompreensível do Ministro da Fazenda em rever a meta de inflação, o que poderia contribuir para tornar a política monetária mais atenuada. Haddad não apenas se manteve contra tal flexibilização necessária, como ainda rebaixou a meta de crescimento dos preços de 3,25% para 3% e a estendeu para mais de um ano. Uma loucura!   Austeridade aos poucos e com violência Por outro lado, ao longo do período, diversos dirigentes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento começaram a plantar notícias alarmistas de que seriam necessárias medidas de redução estrutural dos gastos. E apresentavam propostas de eliminar os pisos constitucionais de saúde e educação, além de sugerir a desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário-mínimo. Ou seja, proposições tão extremadas que nem mesmo os governos da direita haviam ousado encaminhar anteriormente. Pois chegou um instante que Haddad e Tebet se sentiram à vontade para avançar duas casas no tabuleiro. E passaram assumir publicamente a defesa de tais medidas. Os agentes do financismo se empolgaram com o cenário, afinal dois dos principais ocupantes de pastas na Esplanada haviam saído em defesa dos interesses mais genuínos da banca privada. Ocorre que Lula percebeu o risco político de tal atitude. E, ao que tudo indica, colocou um freio no movimento de desindexar e desvincular, tal como propunham freneticamente Henrique Meirelles e Paulo Guedes durante os governos Temer e Bolsonaro. No fim das contas, o pacote das maldades não contemplava as medidas de ajuste estruturais nas despesas. Assim o pessoal da Faria Lima iniciou uma escalada especulativa no câmbio. Apostando na incapacidade de reação do governo em um final de ano complicado, resolveram que o dólar deveria ultrapassar o patamar simbólico dos R$ 6,00. Era um movimento com três objetivos: i) realizar muitos ganhos com a articulação nos mercados financeiros em que se opera com dólar; ii) desgastar politicamente o governo Lula com essa suposta instabilidade; e, iii) pressionar Executivo e Legislativo a manterem as propostas de cortes estruturais nas despesas. Ao fim e ao cabo, o pacote acabou sendo aprovado de forma um pouco mais desidratada, graças à impopularidade de boa parte das medidas. Mas o governo acabou tendo que assumir a paternidade de proposições que vão contra a sua própria base política e eleitoral. Além disso, o xadrez no Parlamento ficou ainda mais complicado, uma vez que as forças de direita e extrema direita aproveitaram o momento para, de forma ultra demagógica, saírem em defesa dos muito pobres e dos miseráveis. De toda forma, as ações do Banco Central (BC) para conter a escalda especulativa forma muito tímidas. O governo torrou mais de 20 bilhões de dólares para tentar atenuar os efeitos desse movimento dos conglomerados financeiros, mas desde 28 de novembro que a cotação do dólar se mantém acima do patamar de R$ 6,00.   Os chacais do financismo querem carne e sangue A principal razão para tanto é a avaliação e a aposta por parte do povo das finanças de que o governo não levaria essa estratégia de se contrapor à ação especulativa até o final. Afinal, as declarações do futuro Presidente do BC era de que tudo funcionava “normalmente” no mercado de câmbio (sic). Galípolo é uma pessoa de origem no próprio mercado financeiro e apresenta muito mais identidade com o pensamento desse pessoal do que em relação ao que se imaginava ser base de uma política econômica de um governo presidido pelo Partido dos Trabalhadores. Mas o Presidente Lula decidiu por realizar uma aparição nas redes que termina por acrescentar ainda mais confusão a um quadro por si só já bastante nublado. Ele convoca seus principais ministros para se sentarem ao seu lado em uma gravação: ali estavam Rui Costa (Ministro Chefe da Casa Civil), Fernando Haddad (Ministro da Fazenda) e Simone Tebet (Ministra do Planejamento e Orçamento). Apesar deste alto escalão presente no momento, nenhum deles é chamado a se pronunciar. Ao que tudo indica, foram chamados para fazer número e densidade para um quarto personagem, o mais importante no evento: o futuro Presidente do BC, Gabriel Galípolo. Ora, a coreografia do poder da Esplanada e dos corredores de Brasília oferece indicadores muito precisos a respeito de tal cena, certamente armada com muita preparação e intenções subjacentes. A importância atribuída ao futuro comandante da política monetária e cambial foi indubitável. Lula fez questão de frisar, em uma breve fala que pouco passou de 2 minutos:   (...) “E eu quero te dizer que você será, certamente, o mais importante presidente do Banco Central que esse país já teve, porque você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve” (...) [GN]   Lula fez questão de sublinhar sua concordância com o excesso de autonomia do BC e antecipa seu apoio a um dirigente da instituição que já deixou claro que não vai alterar em quase nada os pontos fundamentais da gestão daquele a quem vai substituir. Ele votou com a chamada “bancada lulista” em todas as reuniões do COPOM de acordo com a orientação de Roberto Campos Neto. E já temos encomendadas duas novas elevações da SELIC em um ponto percentual para as duas próximas reuniões do colegiado no começo de 2025. Não contente com tal rendição ao desejo voraz dos chacais da Faria Lima, Lula ainda reforçou seu compromisso com a manutenção da política de austeridade fiscal.   (...) “Tomamos as medidas necessárias para proteger a nova regra fiscal e seguiremos atentos à necessidade de novas medidas. O Brasil é guiado por instituições fortes e independentes que trabalhem em harmonia para avançar com responsabilidade” (...) [GN]   Falta menos de 2 anos para 2026 O Presidente da República sabe melhor do que ninguém que faltam menos de dois anos para a realização das eleições de outubro de 2026. Caso ele esteja com energia e vontade para atender aos desejos da maioria da população, Lula precisa oferecer ao País uma trajetória viável de retomada do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Mas isso significa a necessidade de romper com o novo teto de gastos ou pelo menos de atenuar os efeitos restritivos do NAF. A austeridade implícita na engenhoca que lhe foi sugerida por Haddad - e virou a Lei Complementar nº 200/23 - não lhe permite fazer o que prometia à época da campanha: i) fazer e mais melhor do que fez nos dois primeiros mandatos; ii) realizar 40 anos em 4. Além disso, adotar como seu o discurso e a postura passiva diante do comportamento dos chacais da Faria Lima só faz adiar os próximos episódios de disputa especulativa contra seu governo. Na verdade, a leitura desses últimos dois anos nos revela que o governo cedeu em quase tudo à pauta da banca privada e mesmo assim o pessoal ainda quer mais e mais carne e sangue. Por qual razão haveria uma mudança de postura por parte deles? Enfim, Lula precisa se decidir de forma urgente de qual lado ele vai ficar. Se reforçando os interesses e os desejos da maioria da população que ainda o apoia, principalmente os setores que recebem até dois salários-mínimos mensais. Ou se vai seguir atendendo a todas as sugestões de Haddad e Galípolo e com isso manter a Faria Lima recebendo todas as benesses de seu governo. O fato inegável é que não há mais espaço para realizar a política do ganha-ganha que caracterizou o período 2003/2010. Lula vai ter de realizar opções que implicam em algum desconforto para os grupos do topo da nossa pirâmide da desigualdade de hoje até o final de seu terceiro mandato.     *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Opinião

Collares foi um injustiçado

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Collares foi um injustiçado
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Por CARLOS BASTOS* Aos 97 anos, Alceu de Deus Collares embarcou em nova vida. Ele acreditava que as pessoas reencarnam. Foi o primeiro negro a governar o Rio Grande do Sul. E como foi bonita sua trajetória aqui na Terra! Filho de um casal de trabalhadores rurais, começou sua vida vendendo frutas nas ruas de Bagé, sua cidade natal. Enfrentou muitas dificuldades para estudar. Mais tarde, com muito esforço, conseguiu ingressar nos quadros dos Correios e Telégrafos. Já maduro, fez o curso de Direito. E já tinha se apaixonado pela política. Elegeu-se duas vezes vereador em Porto Alegre pelo MDB e fracassou na primeira tentativa de se eleger deputado federal. Depois teve cinco mandatos na Câmara Federal, sempre entre os mais votados. Quando do regresso de Brizola do exílio, ele ingressou no PDT. Embora comungassem as mesmas ideias, eles tiveram suas divergências. Depois, Collares se elegeu prefeito de Porto Alegre. Convergiram quando ambos lançaram a candidatura do falecido deputado Carrion Junior a prefeito da capital contra o desejo do partido, que defendia Araújo. Suas divergências eram pontuais. Cito uma das tantas histórias, envolvendo os dois. Quando Brizola era governador do Rio, em seu segundo mandato, e Collares comandava o Palácio Piratini, Collares liga para Brizola e diz que no dia seguinte estaria no Rio. Brizola fica muito faceiro e fala que podem colocar as conversas em dia. Daí Collares o informa que vai participar de um almoço com Roberto Marinho, na Rede Globo. O tom da conversa muda. Brizola pergunta se Collares o estava comunicando ou consultando. Collares replica que um governava o Rio Grande do Sul e o outro o Rio de Janeiro e que ele o estava comunicando. Brizola se limita a dizer: “Está comunicado”. E desliga o telefone com força. Retornando à personalidade de Collares, registro que, quando era governador, ele era muito disciplinado. Acordava às 5 horas da madrugada e dedicava uma hora para a leitura dos jornais de Porto Alegre e do centro do país. Depois dedicava outra hora para ler livros sobre política e economia. Às 8 horas em ponto, ele ingressava no seu gabinete todos os dias. Collares foi muito injustiçado. Ele poderia ter se afastado do governo e concorrido ao Senado e se elegeria, mas criaram a CPI da Propina, que não provou nada e impediu que ele disputasse o Senado. Seu governo implantou 100 CIEPS no Estado. Recuperou milhares de escolas e criou os Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento). Missão cumprida, grande Alceu de Deus Collares. *Carlos Bastos é jornalista Foto: Ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-Prefeito de Porto Alegre e ex-deputado Alceu Collares (PDT). Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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