Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Era uma vez o filho dileto de Capachonaro, um jovem herdeiro do ridículo, conhecido por seu raciocínio tático de botequim e vocação precoce para o golpismo caricato. Um dia, diante um café com pão e leite condensado, teve uma brilhante ideia para um post de fake news: se o STF ousar defender a Constituição, basta um cabo e um soldado para fechá-lo, sem nem precisar desligar o motor do jipe!
Mas deixou claro: “Não é pra desmerecer o soldado e o cabo”. Claro que não. O desrespeito era institucional à democracia, nada pessoal.
Agora, esse mesmo estrategista da familícia, promovido a diplomata informal, atravessa o Salão Oval da Insensatez para recorrer ao Imperador Donald, soberano do Império do Norte Global. Outrora, foi defensor da democracia contra o nazifascismo, agora se apresenta como revendedor de seus métodos neofascistas com inscrição na embalagem: “liberdade de expressão só para a extrema-direita!”
O pedido é simples, quase pueril: basta impor uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA. Mais fácil diante de usar um cabo e um soldado…
Sim, caro leitor. Tarifar toda a exportação do Brasil para lá. As exportações para os EUA representam menos de 2% do PIB brasileiro e apenas 12% do total das exportações brasileiras.
A pátria, a qual o filho do Capachonaro jurou no Exército amar, sofre em função de das duas tentativas de golpe armadas por seu papai terem sido frustradas. Uma foi o plano do Punhal Verde-e-Amarelo de assassinar os vitoriosos na eleição de 2022 mais um juiz do STF, outra foi o quebra-quebra das sedes dos Três Poderes para provocar a intervenção militar no país.
Em missiva solene, escrita com erros ortográficos e diplomáticos, o Imperador Donald justifica sua cruzada tarifária em três pilares do nonsense geopolítico:
1. “A caça às bruxas contra Capachonaro”, um líder — coitadinho — capaz só de tentar destruir as urnas eletrônicas, ameaçar o Congresso, conspirar com militares, incentivar acampamentos diante dos quarteis e falsificar cartões de vacina. Coisas banais, tipo vandalismo cívico com verniz de liberdade de expressão… Mas, afinal, só tentou, não conseguiu… Como pode ser penalizado o coitado?! 2. “A censura do STF” às redes sociais porque elas apenas permitiam vídeos de terraplanistas, incentivavam milicianos a se armarem e divulgavam teorias da conspiração regadas a cloroquina. Censura, claro, é quando um juiz barra a promoção da barbárie — especialmente se essa “liberdade de expressão contra a democracia” rende cliques para plataformas digitais com sede em Delaware.
3. “A relação comercial injusta”, embora os números digam o contrário: o Império do Norte lucrou US$ 410 bilhões líquidos contra o Brasil nos últimos 15 anos. Mas, como sabem os capachonaristas, os fatos expostos têm viés marxista! São coisas do PT!
Enquanto isso, o Imperador Donald empunha sua “lança-foguetes de liberdade” para massacrar civis em Gaza e no Irã, em apoio a Israel, seu aliado estratégico na guerra santa contra a humanidade. Lança embargos contra universidades cosmopolitas, seca fundos da ciência, e transforma os campus em campos de concentração para o aprisionamento ideológico dos críticos. Não tolera professores, exceto os capazes de ensinarem o criacionismo, negarem o Holocausto atual e citarem Hayek como se fosse Salmo.
Na periferia do Império, os devotos tropicais seguem em procissão: vestem-se de verde-amarelo made in China, citam Olavo como se fosse um sábio, e sonham com um Brasil capaz de só falar inglês com sotaque texano e servir como quintal da ExxonMobil. Prometem o país abandonar tudo: BRICS, OMC e a Amazônia.
Desconhecem o significado popular de capacho. Em linguagem informal, refere-se a uma pessoa subserviente, capaz de se comportar de maneira excessivamente obediente e bajuladora, para puxar-saco do Imperador Donald.
O Capachonaro se deixava usar ou manipular por ele e batia continência para a bandeira do Império do Norte, sem se impor. Agora roga por retribuição da devoção.
A familícia só pede em troca um cargo de ministro do Itamaraty e um visto de entrada em Orlando. Ah, e livre fluxo de criptomoeda, acumulada das arrecadações via PIX para o coitado do Capachonaro, com destino a paraísos fiscais. Sem IOF!
E assim segue a tragédia tropical: um país com vocação de potência, ameaçado de ser comandado por ventríloquos coloniais. O filho do Capachonaro acredita ser um embaixador, mas age como mascote de um império em declínio.
Em sua cabeça, não há contradição entre a soberania nacional e ajoelhar-se diante do Imperador Donald. Afinal, é por amor à pátria — aquela tatuada nas costas do dólar.
Mas cuidado, Brasil. Primeiro, mandam um cabo e um soldado. Depois, taxam sua exportação com 50% de tarifa. E, por fim, desrespeitam a sua dignidade.
Glória ao Império. Ave Donald. E salve o soldado.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Foto de capa: IA