Um arquivo do tempo  presente

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Por LÉA MARIA AARÃO REIS*

Com uma hora e 45 minutos de duração, No Céu da Pátria Nesse Instante é, com razão, uma ‘’espécie de arquivo do presente’’, como declara a diretora Sandra Kogut, que rastreou o nosso  recente período pré-eleitoral de 2022 no seu filme, até a invasão do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e do STF, em Brasília, em janeiro de 2023.

Com o eixo central posicionado entre as campanhas políticas festivas nas ruas, dos dois candidatos à presidência da república, e trazendo o trabalho minucioso de funcionários da Justiça Eleitoral e de voluntários instalando urnas eletrônicas e procedendo ao treinamento de mesários, o filme é realmente um arquivo necessário e poderoso do nosso tempo recém-passado, documento cinematográfico a perdurar no futuro.

Apesar da tensão originada pela afirmação do cenário do bipartidarismo político, o documentário mostra, sobretudo, realidades paralelas criadas por uma e outra facção que não se reconhecem para debater com – ou até mesmo sem  entusiasmo – ideologia e princípios. Uma situação de incivilidade nos militantes da extrema direita, sempre inflamada e irracional com o seu discurso de ódio e agressividade a tudo e a todos que se mostram diferentes dos seus ambientes e da maneira de ser, pensar e viver.

O ódio ao diferente, ao diverso, em especial a ignorância da realidade objetiva já vinham sendo catequizados nos cultos das igrejas evangélicas através do país, e adubados nas grandes manifestações das motociatas financiadas por grupos do capital gordo, por vastos setores do agro negócio e pelos pequenos ‘novos ricos’, ’empreendedores’ supostamente independentes e vindos  do interior do Brasil; mas também os das grandes cidades.

Tudo e todos militando desse modo com o aval de parte das forças militares nacionais. Tudo e todos orquestrados e organizados pela máquina pública de um governo da época que a priori não admitia a eventualidade de perder a eleição. Embora fizesse parte dela. Suprema, burra, mas premeditada contradição.

Mesmo com esse cenário perturbador e com a agressividade latente, o  que mais nos marcou depois de assistir No Céu da Pátria nesse Instante foi perceber um aumento da radicalização do ódio, da negação, da selvageria, da falta de educação e compostura desde aqueles poucos anos, para 2025. De poucos anos para cá, a atuação dos políticos profissionais, diversos deles neófitos e aventureiros, oportunistas pegando carona em escandalosas emendas legislativas, benesses subtraídas da prática política ( às custas do eleitor) se acafajestou e vem se deteriorando de modo acelerado.

Sandra Kogut se refere ao período em que fez suas filmagens lembrando: ‘’Eu tinha a sensação de que era impossível ver uma linha do tempo, o fio da meada; e eu pensei ‘quero colocar esses instantes lado a lado prá gente olhar para isso de alguma maneira’. Eu ponderava que era uma espécie de arquivo do  presente.” Ela fala das dificuldades da equipe em realizar o documentário, ‘’com as notícias chegando a todos momentos. ”

Assumindo no filme a posição de observadora, Sandra diz que houve momentos em que sentiu necessidade de se manifestar, como acaba fazendo. ‘’Achava importante dar espaço aos personagens’’, mas ela própria interfere ‘’quando  era impossível não fazê-lo”.

A tensão, a expectativa do período, e a dificuldade de ambas as facções em disputa, em particular a da extrema direita, de se enxergar para discutir e debater, colocaram o jogo da democracia em alto risco mais uma vez como é confirmado e reconfirmado durante os quatro meses que precederam a eleição – vemos no doc.

No céu do país do final de 2022 se vê as mobilizações em estradas procurando impedir acesso dos eleitores às urnas. As diatribes sarcásticas ou agressivas dos frequentadores das reuniões de templos evangélicos. A falta de argumentação com o mínimo de percepção por parte de personagens; como na estarrecedora entrevista da diretora com um caminhoneiro sem qualquer possibilidade de explicar porque ele se encontrava ali, naquele instante, e o que fazia no local, apesar da insistência das perguntas em off da entrevistadora.  

O filme começa quatro meses antes do dia das eleições, se estende  pelos meses de outubro e novembro de 2022, com o acampamento defronte ao quartel general do exército se mantendo montado e intacto; o programado estímulo ao refrão de negação das urnas eletrônicas; a apropriação carnavalesca de bandeiras e camisetas verdes/amarelas;  as seitas evangélicas neo pentecostais habitualmente treinadas com o rigor do método.

Do outro lado, e até o 8 de janeiro de 2023, as hostes petistas e de esquerda com seu bastião histórico: ’Lula guerreiro do povo brasileiro’. E a assunção simbólica do poder, com a caminhada da subida da rampa do Planalto, daquela vez mais tocante que as de antes, com o presidente da República acompanhado por vários dos representantes da bela diversidade da população.

O roteiro de No Céu da Pátria nesse Instante, também ele de autoria de Sandra Kogut, termina com a invasão e a ocupação selvagem do prédio e das instalações do Supremo Tribunal Federal, do Congresso – em especial da Câmara dos Deputados – e do Planalto. Cenas e sequências que, enxutas, ritmadas e claras, demonstram mais uma vez a força da resistência política nacional diante de tentativas de usurpação de poder político. É interessante ver ou rever o filme agora, justamente nas vésperas de um julgamento que se inicia no próximo dia 02 de setembro e que não deverá trazer contemplações, desculpas esfarrapadas  ou divagações de qualquer espécie.  Nesse instante, o céu da pátria estará sem núvens.


Léa Maria Aarão Reis é jornalista.

lustração de capa: Divulgação

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