Por ARLINDO VILASCHI*
A ideia de a Terra ser plana é antiga e já serviu de referência para muitos povos. Na era digital, entretanto, negar evidências científicas e buscar ganhar a discussão usando memes que nada instruem o debate aberto e plural, ganharam aliados poderosos. Plataformas como YouTube, Facebook, X, Instagram e TikTok se tornaram os novos púlpitos de difusão em massa de pseudociência, intolerância e ódio.
Púlpitos embalados por algoritmos sem compromisso com a verdade e desprovidos de qualquer senso ético; pelo contrário, são movidos por cliques voltados para o círculo vicioso da submissão dos usuários – desinformação –, e pela mercantilização da informação dos usuários – lucro. Assim, o terraplanismo turbinado pelas plataformas digitais transformou-se em uma engrenagem global que lucra com a ignorância e com a manipulação de consciências.
Essa engrenagem tem por base o argumento imposto por pseudo autoridades, sob o pomposo título de influencers, que são turbinados em redes sociais com artimanhas do débil ‘acredite em mim’. Fundamentalismo que não surge do acaso mas da combinação de ação política de extrema direita, feudos tecnológicos e gestores de fundos financeiros. Combinação que resulta no controle de dados, na definição de quais vozes são ouvidas, no moldar formas de sociabilidade e que desafia abertamente a soberania dos Estados nacionais.
Tal desafio se dá através da insistência permanente de blindar a ação das plataformas gestadas e operacionalizadas pelas big techs. Erguem-se, como se impérios invisíveis fossem, sem voto e sem território, mas que se querem com mais poder do que Estados nacionais. Rejeitam regulações, ameaçam se retirar de países que ousam impor limites, chegando até a paralisar serviços essenciais como forma de chantagem política.
Sua lógica é clara: transformar cada gesto humano em dado, cada interação em mercadoria e cada divergência em polarização lucrativa. O resultado é devastador: sociedades mais divididas, democracias mais frágeis, economias mais dependentes.
Por isso, o combate ao fundamentalismo e ao terraplanismo precisa ser político. Necessário se faz enfrentar a insubordinação das big techs, exigir transparência em seus algoritmos, taxar seus lucros, impor regras de proteção de dados e limitar sua capacidade de corroer democracias.
No caso do Brasil, o vigor continuado que precisa ser posto na mobilização em favor de mais justiça social, melhor distribuição da propriedade e da renda, atenção redobrada à sustentabilidade socioambiental, também tem que instruir os embates em favor da defesa da soberania digital e da autonomia tecnológica.
Enfrentar o poder desmedido do círculo vicioso das big techs – fundamentalismo digital – e a mercantilização de informações pessoais – poder informacional das big techs -, é uma questão pertinente à soberania e ao futuro. Cabe à sociedade e ao Estado, por um lado, resistirem às chantagens desses feudos. Por outro, afirmar com clareza que a democracia, a ciência e a dignidade humana não podem ser subordinadas à lógica do lucro imediato e do poder político sem controle social.
O século XXI, até agora, mostrou a força destrutiva da desinformação provocada pelo mal uso de avanços científicos e tecnológicos, socialmente construídos, mas apropriados econômica e politicamente por poucos. É urgente que cada vez mais se ampliem vozes e ações em favor da capacidade coletiva de usar ferramentas digitais de maneiras mais transparentes, éticas e voltadas para o bem comum.
Arlindo Villaschi É economista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Foto de capa: The Guardian / Reprodução




