Tecno espionagem
Em meio à excelente maré de filmes documentários e de caráter documental brasileiros que se encontram em cartaz e remetem às ações políticas de resistência à ditadura civil-militar de 1964, divagar um pouco bisbilhotando o avesso da vida dos super agentes de inteligência é distração inócua que aguarda o espectador entregando divertimento e alguma ficção baseada na alta espionagem, uma palavra que vai caindo em desuso e substituída por …monitoramento .
O filme em questão é de Steven Soderbergh, 63 anos, um campeão dos festivais de Cannes, ganhador de Oscars, figura central do cinema norteamericano da época ainda dourada de Hollywood e autor dos memoráveis Sexo, Mentiras e Videotape, seu filme de estreia, de 1989, de Traffic, Erin Brockovich, 2000, e Onze Homens e um Segredo, de 2001.
O roteiro é de um bom profissional, David Koepp, salpicado de ‘alguma ficção’, como ele diz, e é sustentado com a narrativa bem conduzida do episódio em que pretende desvendar a vida pessoal de um grupo de agentes dos serviços britânicos, o MI6. Código Preto, (Black Bag) está em cartaz no streaming * e vale ser acompanhado. É um filme inteligente.
A trama envolve um agente de elite que se vê dividido entre a lealdade ao seu país e a fidelidade indiscutível ao seu casamento bem sucedido com uma colega sua, ‘monitora’ ela também, ou seja, espiã, ao tentar descobrir se a a companheira é traidora ou não. George (Michael Fassbender) e Kathryn (Cate Blanchett), marido e mulher, são personagens consistentes e a direção, como de hábito, é estilizada por Soderbergh, com parcimônia de ação e tensão de alta voltagem. Fassbender está ótimo na interpretação enigmática do começo ao fim, do seu papel, e Blanchett é sempre poderosa, embora aqui apareça como quem quer sair prematuramente do filme. Sua cartada final encerra as especulações e dúvidas.
O título original Black Bag se refere a um software secreto, o Severus, com efeito devastador caso seja manipulado para explodir, o qual poderia ter sido roubado por Kathryn e entregue ao serviço norteamericano para dizimar os russos de Putin. Um dispositivo com a finalidade, caso seja acionado, de matar milhares de pessoas.
Relações de poder entre os membros do grupo de agentes, a rivalidade, a desconfiança mútua permanente e mal disfarçada, e, sobretudo a ambiguidade do personagem principal, George (Fassbender). São componentes que sustentam a tensão, mais ainda radicalizada com a presença e a atuação de uma agente psicoterapeuta profissional, também membro do grupo, que por determinação da rotina de trabalho, atende regularmente aos colegas. A atriz Naomie Harris, fazendo a psicanalista, é peça fundamental na trama, assim como o legendário irlandês Pierce (James Bond) Brosnan, que em apenas duas aparições relâmpago, como de hábito deixa lá sua forte marca.
Código Preto tem uma hora e meia de duração. Mas a profusão de personagens, suas idas e vindas, seu entrelaçamento durante as sequências dos dois jantares, um deles o marco do início do que vai ser relatado; o segundo jantar, no mesmo cenário, encerrando a ação, não se tornam bem nítidas em apenas esse tempo de produção. Talvez os distribuidores internacionais tenham podado suas beiradas para o filme ser um produto mais comercial.
De qualquer modo, Soderbergh se embrenha com sucesso na tecno espionagem que daqui para frente será cada vez mais o sub gênero cinematográfico predileto das novas gerações de espectadores. Ou de todas as gerações.
O filme está no Prime Vídeo.
*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.
Foto de capa: Divulgação




