Por ADÃO VILLAVERDE*
“Hoje, no Brasil por exemplo, e mundo, vive-se uma situação que se assemelha a um “feudalismo digital” (origem no tecnofeudalismo, conceito de Yanis Varoufakis), no qual plataformas como Google, Microsoft, Amazon e outras, atuam como senhores da sapiência virtual”.
Esta semana, centenas ou até milhares de aplicativos e serviços que dependem da corporação de tecnologia transnacional chamada Amazon, foram afetados ou sofreram instabilidade em todo o mundo. Alguns até parando de funcionar por um período significativo, impactando de forma abrangente países, tanto do ponto de vista econômico, como social e cultural, incluindo o Brasil.
Isto deixa cada vez mais evidente a necessidade da independência e da autonomia tecnológica das Nações, e o domínio e a expertise das chamadas tecnologias críticas, que abarcam um conjunto de setores e áreas, decisivos para manutenção da soberania de um país.
No caso da soberania digital, trata se da capacidade do Estado exercer controle autônomo sobre seus dados, infraestruturas e decisões sobre tecnologia da informação.
Vários especialistas e conhecedores do tema, costumam usar uma metáfora para descrever o que é ter controle sobre estes dados. É como você ser dono da sua própria “digital home”, com as chaves, os fundamentos e os limites definidos por você mesmo, em vez de viver de aluguel, sob regras e tutelas impostas por terceiros.
Hoje, no Brasil por exemplo, e mundo, vive-se uma situação que se assemelha a um “feudalismo digital” (origem no tecnofeudalismo, conceito de Yanis Varoufakis), no qual plataformas como Google, Microsoft, Amazon e outras, atuam como senhores da sapiência virtual.
Elas mediam interações sociais, políticas e econômicas, culturais e financeiras, monopolizando inclusive a prestação de diversos serviços e políticas públicas, e criando a dependência de uma aplicação que são geridas por elas, e de fora dos espaços físicos nacionais. O povo não tem nenhum controle sobre as ferramentas que usa para se informar, se comunicar ou se organizar, diuturnamente.
O valor extraído dessas interações, dados, comportamentos, perfis, decisões, é direcionado para conglomerados forâneos, que operam sob lógicas algorítmicas opacas e regimes jurídicos que escapam completamente às instituições democráticas de um país.
A concentração do poder computacional do hoje nominado “cloud capitalism”, somados à dependência de hardwares estratégicos e softwares essenciais, compromete diretamente a autonomia decisória dos povos, das Nações e às próprias empresas.
Datacenters, satélites, cabos submarinos, chips, algoritmos de recomendação, sistemas de inteligência artificial, plataformas de hospedagem, ferramentas de trabalho colaborativo e suítes de escritório estão sob controle de empresas privadas sediadas fora do Brasil. Essa estrutura de dependência não é apenas técnica, ela afeta a própria forma como pensamos os problemas econômicos, sociais, culturais e políticos de nossa sociedade.
Pois, começamos a achar normal que questões complexas sejam “resolvidas” por soluções automáticas ou algorítmicas oferecidas por essas empresas, o que empobrece o debate local, deslocando decisões importantes para ambientes digitais fechados, sem controle social.
Essa condição de subordinação, impõe obstáculos reais à formulação de políticas públicas e privadas nacionais, e sobretudo à proteção de dados sensíveis e à garantia de direitos fundamentais da cidadania.
A digitalização já faz parte do cotidiano das pessoas, seja para agendar uma consulta na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), matricular um filho na escola, pedir um benefício social ou até mesmo para organizar um coletivo pelas redes sociais.
No entanto, as ferramentas que intermediam essas experiências não pertencem ao nosso Estado e a nenhum outro país ou região como eram outrora. E também a nenhum sistema político ou democrático, que conhecemos até hoje, chamados tradicionais. E pior, são manipuladas de fora para dentro, sem nenhum controle ou acompanhamento nosso.
Portanto, faz sentido referir, que o perigo não está nas tecnologias ou nos seus desenvolvimentos, aliás todos os países deveriam ter suas capacidades próprias para tal. Ele se encontra realmente, nas corporações, e sobretudo em interesses muitas vezes não confessáveis, que estão por trás delas e suas práticas.
Portanto, este “bug” ou falha ocorrido esta semana, é mais um alerta que bate a nossa porta, que vem se repetindo quase “ad nauseam”, de que não tem transformação digital soberana, sem o domínio pleno e a expertise nas tecnologias críticas, convenientes e estratégicas para os interesses de uma Nação.
*Adão Villaverde é engenheiro, Professor de Gestão do Conhecimento e da Inovação da Escola Politécnica da PUCRS e Consultor de SemiCon do TECNOPUC.
Foto de capa: Reprodução




