Por ANGELO CAVALCANTE*
No começo desse milênio, o geógrafo britânico David Harvey lançou o seu Condição Pós-Moderna ; a obra de Harvey caiu como uma bomba…
De uma parte, o autor foi muito criticado; no geral, o fundo da crítica buscava demonstrar espécie de modismo acadêmico, mais um deles, a sulpitar em profusão nas universidades mundo afora.
Outros admitiram que a pós-modernidade ou essa, digamos assim, modernidade contemporânea foi enfim, um esforço epistemológico profundo de Harvey a fim de, quem sabe, traduzir, descriptografar, explicar as nuanças e especificidades do conturbado tempo presente.
Essa “virada temporal” se daria inexoravelmente, por exemplo, na estética, nas ciências sociais, na interpessoalidade, na economia, na política e nas artes.
De todo modo, o mundo virou um quiproquó dos diabos!
A decadência cultural expressa, por exemplo, em uma cultura de massas deletéria, perversa, estupidificante e vil é parte objetiva desse quadro.
Que dizer, por exemplo, de nossa “música sertaneja” e de sua baixeza irreversível e apelativa e que, de forma maçante e degradada, conta da saga de corneados, de adúlteras e de suas intermináveis conciliações e rupturas?
Há poesia nisso? Harmonia? Delicadeza? O que quer provocar, estimular em seus ouvintes?
E que dizer da vasta onda de negacionismo que tomou conta das universidades?
Já perceberam como uma imensa claque vem tratando de temas e termos notadamente científicos?
Dia desses ouvi de um sujeito dizendo e cheio de “autoridade” que sequer houve escravidão no Brasil; outra vez, um outro, babando espuma pelos cantos da boca, contou que jamais houve ditadura em nosso país e; já é clássica a marcha contra vacinas e que parte importante da classe política brasileira conduz contra esses dispositivos excelentes e maravilhosos e que salvam milhões e milhões de vidas por todo o mundo.
Como categorizar esses fenômenos anti-modernos?
Neste final-de-semana, o onipotente Donald Trump, presidente do império dos Estados Unidos, por meio das engenhocas digitais da inteligência artificial, produziu um vídeo onde aparecia pilotando um caça e, em certa altura, acionava uma mecânica do mesmo avião e que, reparem bem, dispensava fezes sobre as pessoas.
Dá para conceber, para imaginar que um presidente, um chefe-de-Estado se preste a um papel desses? Um presidente não é um icônico e modelar representante geral? Um consenso democrático a dizer e falar em nome do seu povo? Não há um rito? Não existem protocolos?
O que é essa forma nova de poder? Esse informalismo serve a quem? Aos horizontes democráticos?
Penso sinceramente que não.
Vejam só… Toda essa confusão presente e hodierna opera em duas estratégias essenciais; a primeira é desconstruir ganhos modernos e civilizacionais advindos, sobretudo, de bravias revoluções assentadas em valores humanos como justiça, igualdade, liberdade e humanidade e; em seguida e consequentemente, sugerem, apontam para um mundo incerto, arriscado e orientado por determinações de mercado, ao fim, querem nos converter em “coisa” para a escravidão perpétua e pretendida para o gênero humano.
Por fim, virá do principal dramaturgo da história da Inglaterra, o genial e criativo William Shakespeare, em sua ontológica peça Hamlet , em hipnótico instante em que o Príncipe Hamlet, em profundo e melancólico momento reflexivo lança um colossal “ser ou não ser?”.
Pois é…
Sabem o que é esse “ser ou não ser?”; sabem o que é uma coisa que é e ao mesmo tempo nada é?
Ora, ora… Quem irá responder a essa profunda e filosófica questão é um “odiado” alemão de nome Karl Marx ao tratar do fenômeno da alienação.
Uma coisa que “é e não é” é uma coisa alienada, sem autonomia, desativada, passiva, mórbida.
Um homem alienado é e ao mesmo tempo… Nada é! E nada pode ser mais deplorável, trágico e mortal do que essa infame e desgraçada condição.
Eis o tempo e que estamos a viver! E apenas o movimento racional, político, articulado e libertário nos libera, nos desprende desse inferno.
*Angelo Cavalcante é economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.
E-mail : angelo.cavalcante@ueg.br
Foto de capa: IA




