Editorial dos “Jornalões” critica chantagem de Trump e ataque bolsonarista ao Brasil

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Os maiores jornais do país publicaram editoriais contundentes contra a ameaça de tarifaço imposta por Donald Trump ao Brasil. Unânimes em denunciar a tentativa de chantagem do presidente norte-americano, os textos também criticam a postura de aliados bolsonaristas, acusados de fragilizar o país em nome da lealdade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o que deixa claro que as articulações da família Bolsonaro e da extrema-direita, mais do que estragos ao país, foram um “tiro no próprio pé”.

Vale destacar a cronologia dos editoriais da mídia corporativa. Aparentemente de forma surpreendente, o Estadão foi o primeiro a circular e foi o mais contundente dos três, acusando os governadores alinhados ao bolsonarismo. O editorial da Folha circulou apenas no final da manhã do dia seguinte enquanto O Globo só se manifestou no final do segundo dia.

Estadão – 09/07/2025 – 21h50
O editorial intitulado “Aprendizes de Bolsonaro” denuncia a adesão de governadores bolsonaristas, como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, à tentativa de imputar a Lula a culpa pelo tarifaço anunciado por Trump. Para o jornal, esses líderes “relativizam os próprios interesses nacionais” ao preferir a lealdade a Bolsonaro. A direita brasileira, conclui o Estadão, precisa romper com o ex-presidente e adotar um projeto democrático e responsável.

Folha de São Paulo – 10/07/2025 – 11h49
Sob o título “Chantagem rasteira de Trump não passará”, o editorial da Folha afirma que o Judiciário brasileiro jamais se submeterá a intimidações. O jornal critica as “mentiras e incoerências” da carta de Trump e adverte governadores como Tarcísio a escolherem entre defender os interesses brasileiros ou continuar como “joguete” da família Bolsonaro. Para a Folha, a estratégia correta do governo Lula é manter a serenidade, negociar tecnicamente e aguardar que Trump, como de hábito, recue de suas bravatas.

O Globo – 10/07/2025 – 18h11
Com o título “Independência da Justiça e democracia são inegociáveis”, o editorial do Globo considera ofensiva e inaceitável a carta de Trump condicionando o comércio exterior brasileiro ao encerramento do processo judicial contra Bolsonaro. Para o jornal, o Brasil deve responder com “firmeza e serenidade”, preservando sua soberania institucional, mas sem fechar portas ao diálogo comercial futuro. O texto alerta ainda para os riscos internos de alinhamento do país a regimes autocráticos.

Leia, abaixo, a íntegra de cada editorial.

Estadão – 09/07/2025 – 21h50 — APRENDIZES DE BOLSONARO

Fiéis à desonestidade intelectual do padrinho, governadores bolsonaristas que aspiram à Presidência culpam Lula pela ameaça de tarifaço de Trump. A direita pode ser muito melhor que isso

     A direita brasileira, que se pretende moderna e democrática, se quiser construir um legítimo projeto de oposição ao governo Lula da Silva, precisa romper definitivamente com Jair Bolsonaro e tudo o que esse senhor representa de atraso para o Brasil. Não se trata aqui de um imperativo puramente ideológico, e sim de uma exigência mínima de civilidade, decência e compromisso com os interesses nacionais.

     O recente ataque do presidente americano, Donald Trump, às instituições brasileiras, supostamente em defesa de Bolsonaro, é só uma gota no oceano de males que o bolsonarismo causa e ainda pode causar aos brasileiros. A vida pública de Bolsonaro prova que o ex-presidente é um inimigo do Brasil que sempre colocou seus interesses particulares acima dos do País. A essa altura, portanto, já deveria estar claro para os que pretendem herdar os votos antipetistas que se associar a Bolsonaro, não importa se por crença ou pragmatismo eleitoral, significa trair os ideais da República e arriscar o progresso da Nação.

     Por razões óbvias, Bolsonaro não virá a público condenar o teor da famigerada carta de Trump a Lula. Isso mostra, como se ainda houvesse dúvidas, até onde Bolsonaro é capaz de ir – causar danos econômicos não triviais ao País – na vã tentativa de salvar a própria pele, imaginando que os arreganhos de Trump tenham o condão, ora vejam, de subjugar o Supremo Tribunal Federal e, assim, alterar os rumos de seu destino penal.

     Nesse sentido, é ultrajante a complacência de governadores como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado (GO) diante dos ataques promovidos pelo presidente dos EUA ao Brasil. As reações públicas dos três serviram para expor a miséria moral e intelectual de uma parcela da direita que se diz moderna, mas que continua a gravitar em torno de um ideário retrógrado, personalista, francamente antinacional e falido como é o bolsonarismo.

     Tarcísio, Zema e Caiado, todos aspirantes ao cargo de presidente da República, usaram suas redes sociais para tentar impingir a Lula, cada um a seu modo, a responsabilidade pelo “tarifaço” de Trump contra as exportações brasileiras. Nenhum deles se constrangeu por tergiversar em nome de uma “estratégia eleitoral”, vamos chamar assim, que nem de longe parece lhes ser benéfica – haja vista a razia que a associação ao trumpismo provocou em candidaturas mundo afora.

     Tarcísio afirmou que “Lula colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”, atribuindo ao petista a imposição de tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA – muitas das quais saem justamente do Estado que ele governa. Classificando, na prática, a responsabilidade de Bolsonaro como uma fabricação, o governador paulista concluiu que “narrativas não resolverão o problema”, como se ele mesmo não estivesse amplificando uma narrativa sem pé nem cabeça.

     Caiado, por sua vez, fez longa peroração, com direito a citação do falecido caudilho venezuelano Hugo Chávez, antes de dizer que, “com as medidas tomadas pelo governo americano, Lula e sua entourage tentam vender a tese da invasão da soberania do Brasil”. Por fim, coube a Zema encontrar uma forma de inserir até a primeira-dama Rosângela da Silva no script para exonerar Bolsonaro de qualquer ônus político pelo prejuízo a ser causado pelo “tarifaço” americano se, de fato, a medida se concretizar.

     O Brasil não merece lideranças que relativizam os próprios interesses nacionais em nome da lealdade a um projeto autoritário, retrógrado e personalista. Até quando a direita brasileira permitirá ser escrava de um desqualificado como Bolsonaro? Não é essa a direita de um país decente. Não é possível defender o Estado Democrático de Direito e, ao mesmo tempo, louvar e defender um ex-presidente que incitou ataques às urnas eletrônicas, ameaçou as instituições republicanas, sabotou políticas de saúde pública e usou a máquina do Estado em benefício próprio e de sua família ao longo de uma vida inteira.

     O Brasil precisa, sim, de uma direita responsável, madura e comprometida com o futuro – não de marionetes de um golpista contumaz.

O Globo – 10/07/2025 – 18h11 — Independência da Justiça e democracia são inegociáveis

Exigências estapafúrdias de Trump devem ser repelidas com firmeza para haver negociação comercial

Há mistura de chantagem, ofensa, desleixo, ignorância, mentira e até ridículo na carta em que Donald Trump anuncia tarifas de 50% sobre importações do Brasil caso não seja suspenso o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Trump costuma se gabar de seus dotes como negociador, mas simplesmente não há o que negociar diante de exigência tão estapafúrdia. Por um motivo singelo: tanto a independência da Justiça brasileira quanto a democracia brasileira são inegociáveis — e é ofensivo imaginar o contrário. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, respondeu em tom preciso e sereno o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Das dezenas de cartas que Trump enviou a diversos países anunciando aumento de tarifas, a brasileira é a única que mistura a política comercial dos Estados Unidos às preferências políticas de seu presidente. Tal confusão entre interesse público e afetos privados é sinal eloquente da visão autocrática que move seu governo.

Do ponto de vista econômico, as tarifas carecem de sentido. Os Estados Unidos compram 11% das exportações brasileiras e, ao contrário do que Trump afirma na carta, a balança tem sido amplamente favorável aos americanos, com US$ 410 bilhões de superávit nos últimos 15 anos em comércio e serviços. “Trump nem finge haver justificativa econômica. Trata-se apenas de punir o Brasil por julgar Bolsonaro”, escreveu o Nobel de economia Paul Krugman. “Será que ele acredita mesmo que pode usar tarifas para forçar uma nação enorme, que nem é tão dependente do mercado americano, a abandonar a democracia?”

Trata-se, naturalmente, de questão retórica. Dado que nada mudará nos processos contra Bolsonaro nem nas decisões da Justiça brasileira relativas a conteúdos em redes sociais — a segunda exigência feita por Trump —, o governo Lula se vê diante de um problema prático: como reagir? As primeiras manifestações foram corretas. Trump deve receber o tratamento que se dispensa a provocadores: firmeza e serenidade na exposição de seus motivos e fraquezas. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro faria bem em tentar retomar negociações comerciais se houver abertura. Países como Reino Unido, México, Vietnã e a própria China já obtiveram sucesso com diálogo.

Há, é verdade, dificuldades. No campo externo, era previsível alguma reação americana às iniciativas diplomáticas de Lula, sobretudo à tentativa de buscar alternativas ao dólar e à retórica que alinha o Brasil a países no polo oposto dos valores ocidentais, como Irã e Rússia. Escalar a disputa por motivação política só prejudicará ainda mais o Brasil, portanto o próprio governo. Se necessária, qualquer retaliação precisa dar ênfase a medidas que se façam sentir para as empresas americanas, como quebra de patentes ou taxação de serviços digitais. No campo interno, continuará a pressão de Bolsonaro. Mas a carta de Trump faz mal também à oposição, pois traz danos a setores com ela identificados, como indústria ou agronegócio. E, fundamentalmente, ao Brasil, empresários e trabalhadores. Não tardará a que o país entenda as consequências das tarifas e ponha a culpa em quem as celebrou. No passado, Trump já abandonou aliados e recuou de medidas estapafúrdias quando a realidade se fez valer. É incerto até que ponto irá seu apego a Bolsonaro.

Folha de São Paulo – 10/07/2025 – 11h49 — Chantagem rasteira de Trump não passará

Cogitar de que a intimidação fará um Poder independente como o Judiciário brasileiro deixar de processar Bolsonaro é devaneio autoritário

A chantagem rasteira de Donald Trump contra o Brasil não vai funcionar. Cogitar de que o Judiciário de uma nação soberana e democrática, que opera com independência, deixará de processar quem quer que seja para livrar o país de retaliações econômicas dos Estados Unidos não passa de devaneio autoritário.

Se a manifestação foi pensada para ajudar Jair Bolsonaro (PL) no julgamento em que é acusado de tramar um golpe, ela, na melhor hipótese para o ex-presidente, terá efeito nulo. Se tentou fortalecer o deputado fugitivo Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para a disputa de 2026, acabará tornando o seu caso na Justiça brasileira ainda mais complicado.

Se seu intento foi impulsionar a direita brasileira, o resultado líquido tenderá a ser negativo. Vai ser difícil ficar do lado de quem patrocina uma agressão estrangeira à soberania e aos empregos brasileiros, pois tarifas adicionais de 50% sobre as exportações teriam efeitos nefastos sobre vários setores da economia nacional.

Chegou a hora de lideranças como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) escolherem de que lado estão. Ou bem Tarcísio defende os exportadores paulistas e a soberania brasileira ou continua posando de joguete de boné de um agressor estrangeiro e da família Bolsonaro, cujo patriotismo de fancaria se dissolve e se transforma em colaboracionismo diante da perspectiva da cadeia.

Está repleta de mentiras e incoerências a carta em que Trump tenta justificar o ataque comercial. As trocas com o Brasil não contribuem para o déficit norte-americano. Pelo contrário, há anos o resultado da corrente é superavitário para os EUA. O presidente republicano diz defender a liberdade de expressão aqui, mas lá manda deportar quem emite opiniões consideradas erradas pela Casa Branca.

O histórico de decisões anunciadas mas nunca efetivadas de Donald Trump faz duvidar da implementação das tais tarifas adicionais. Ele já mandou cartas ameaçadoras a outras nações marcando prazos para o início da vigência. A entrada em vigor de todas essas decisões causaria tumultos graves na própria economia dos EUA, pois se trata de um imposto sobre seus consumidores.

O sangue frio, portanto, é o melhor caminho para lidar com o novo arreganho de Trump. Nesse quesito, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se portado bem, o que ficou mais uma vez atestado na reação sóbria do Planalto ao anúncio do tarifaço.

O governo brasileiro não deve abrir mão de seus poderes de retaliar, conferidos pelo Congresso Nacional ao Executivo em legislação recente. Mas deveria recorrer a esse expediente apenas em casos extremos, que ainda não se concretizaram.

Insistir em demonstrar às contrapartes norte-americanas que não há nenhuma razão econômica para a invectiva contra o Brasil continua a ser a linha de ação mais indicada. No mínimo se ganha tempo para que as ciclotimias do populismo empurrem o presidente dos Estados Unidos para outros temas em suas redes sociais.

O tempo trabalha a favor do Brasil e dos outros países acossados pelas bravatas das guerras comerciais de Donald Trump.

Tags: Trump, Jair Bolsonaro, tarifaço, chantagem econômica, bolsonarismo, direita brasileira, Lula, soberania nacional, Estadão, O Globo, Folha de São Paulo, comércio exterior


Ilustração da capa: Criação IA ChatGPT

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