R$ 27 milhões para o South Summit, e nem ar-condicionado na Pinacoteca

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Por ALEXANDRE CRUZ*

Enquanto prefeitura e governo do Estado financiam evento privado com ingressos de até R$ 5 mil, cultura pública apodrece e o PDT cogita integrar uma gestão liberal que abre espaço para a extrema direita.

Enquanto a prefeitura de Sebastião Melo alega não ter verba para consertar o telhado de um museu ou instalar ar-condicionado na Pinacoteca Rubem Berta, destinou R$ 3,2 milhões ao South Summit Brasil, um evento privado com ingressos que chegam a R$ 5.499. Já o governo Eduardo Leite colocou R$ 13,5 milhões, dos quais mais de R$ 5 milhões foram direto para a empresa espanhola dona da marca. Ou seja: 86% do dinheiro público injetado no evento veio do estado.

O South Summit não é um evento público, gratuito ou acessível. É um espaço voltado ao alto empresariado, startups de elite e redes de investimento – e não à população. Os ganhos prometidos (turismo de negócios, “fomento à inovação”) são genéricos, difíceis de medir, e servem mais como escudo retórico do que como justificativa real para o uso de recursos públicos. É a repetição da velha política de vitrines: luzes para poucos, abandono para muitos.

Isso tudo revela não apenas uma má prioridade – mas um projeto. A gestão Melo-Leite é marcada por uma lógica liberal privatista: o Estado como suporte para negócios seletos, enquanto o básico é negligenciado. Cultura pública? Patrimônio? Educação? Que esperem. Mas para tapete vermelho e empreendedorismo gourmet, abre-se o cofre.

Nesse contexto, chama atenção a possível entrada do deputado estadual Eduardo Loureiro (PDT) na Secretaria de Cultura do governo Leite. O gesto, se confirmado, é mais do que uma movimentação de cargos – é um recado político.

Faltando pouco mais de um ano para a eleição de 2026, ainda está no escuro qual será o papel do PDT no debate gaúcho. Pretende construir uma frente democrática ampla? Deseja disputar hegemonia no campo progressista? Ou apenas seguir orbitando qualquer governo que ofereça espaço?

Integrar o governo Leite, um dos expoentes da gestão liberal no Brasil, é incompatível com qualquer tentativa séria de enfrentamento à extrema direita. A mesma omissão política e a mesma crença no “Estado enxuto” que definem Leite, abriram espaço para o crescimento da ultradireita no Rio Grande do Sul. Não há neutralidade aí. Há escolha.

O PDT, se ainda quiser ser ponte entre centro-esquerda e progressismo popular, precisa escolher um lado – e escolher agora. Governos como o de Eduardo Leite não são “centro civilizado”: são o fiador da destruição lenta do serviço público, da cultura como direito, da política como projeto coletivo.

Se entrar, Loureiro pode até ter boas intenções – mas será peça em um jogo que nega tudo o que a cultura pública representa: inclusão, memória, crítica e pluralidade. Mais uma vez, a vitrine será iluminada, mas o telhado seguirá caindo.


*Alexandre Cruz é jornalista político.

lustração de capa: Reprodução

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Respostas de 4

  1. O desenvolvimento de lideranças para gerir órgãos públicos é uma eterna oportunidade de desenvolvimento de uma nação em qualquer esfera de qualquer estado. Ao mesmo tempo em que deve ser questionado e fiscalizado o real e efetivo retorno de investimentos realizados com dinheiro público. O estado também é um business e aqueles que buscam usufruir de benefícios, como este tal financiamento de mais de 80%, precisam garantir o progresso para a população local. TODOS precisam ganhar e sentir que vale a pena parceria do público com o privado.

    1. Obrigado pelo seu comentário! Ele toca em um ponto essencial da reflexão que busquei levantar: a discrepância entre os investimentos públicos direcionados a eventos privados elitistas e as necessidades básicas da população, como a preservação e valorização do patrimônio público e a cultura enquanto direito de todos. Quando menciono que ‘a vitrine será iluminada, mas o telhado seguirá caindo’, estou justamente questionando essas escolhas, que priorizam ações visíveis para poucos e negligenciam o cuidado com o que é público e de todos.

      No que diz respeito ao PDT, também acredito que o partido precisa fazer escolhas claras, e que uma aproximação com um governo liberal como o de Eduardo Leite pode ser perigosa, pois pode reforçar políticas que enfraquecem a cultura pública e o serviço público como um todo. Acredito que estamos em um momento crucial para o futuro político do estado, e essas decisões irão refletir nas próximas eleições.

      Agradeço o espaço para discutir essas questões e estou aberto para mais contribuições e reflexões. A política precisa ser um espaço de debate real, onde as escolhas realmente impactam a sociedade.

    1. Compreendo o desencanto — e, em muitos momentos, também o compartilho. Mas justamente diante de cenários como esse, com prioridades que negligenciam o povo e tratam a cultura pública como descartável, é que precisamos reafirmar: a política continua sendo fundamental.

      Mais do que ficar apenas no Ágora digital das redes sociais, a indignação precisa virar ação concreta. A mobilização popular é o que ainda move as estruturas. E faço aqui um reconhecimento importante: parabéns aos municipários, ao SIMPA e à ASTEC, que lutaram com coragem por um reajuste salarial. Mesmo que pequeno, o aumento só veio porque houve pressão, organização e luta. Não fosse isso, o prefeito Sebastião Melo teria mantido sua intenção inicial de não conceder reajuste algum.

      A lição está dada: é nas ruas, nos sindicatos, nos conselhos, nos movimentos que a política real acontece. Podemos estar cansados, mas é justamente por não desistirmos que eles ainda precisam fingir que ouvem. E quando nos organizamos, passam a ter que ouvir de verdade.

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