Por FÁBIO KERCHE[1]*
A ciência política, em geral, parte de um pressuposto simples para analisar os políticos: eles querem se reeleger. Independentemente de suas posições no espectro ideológico –se são de direita ou de esquerda —, políticos tomam decisões, aderem ao governo ou fazem oposição com um objetivo claro: ganhar votos. Esse desejo não é apenas egoísta. Somente ocupando cargos eletivos os políticos conseguem implementar suas agendas, conquistar posições para aliados e, em alguns casos, melhorar a vida da população. Trata-se de um ponto de partida sólido que orienta previsões e análises sobre o funcionamento do sistema político.
Compreender o que querem os juízes, porém, a questão é bem mais complexa. Na maioria das democracias os juízes não são eleitos. O argumento é conhecido: garantir independência e permitir atuação contramajoritária, em defesa de direitos que, mesmo contrariando a vontade da maioria, são fundamentais em sociedades democráticas. Essa blindagem institucional, no entanto, torna mais difícil a tarefa dos cientistas políticos. Dada a estabilidade no cargo, não precisam agradar aos eleitores para continuar exercendo suas funções, tornado difícil prever o seu comportamento e compreender por que tomam essa ou aquela decisão.
Afinal, o que querem os juízes? Desde os anos 1950, a ciência política tem buscado responder a essa pergunta com dois modelos predominantes. O modelo atitudinal sugere que magistrados decidem de acordo com suas preferências pessoais e ideológicas. Nos Estados Unidos, esse modelo explicativo funciona relativamente bem. Lá, a carreira dos juízes se encerra na Suprema Corte e saber se um Justice foi indicado por republicanos ou democratas é, na maioria dos casos, suficiente para prever seus votos. Como a maioria atual da Suprema Corte nos Estados Unidos é conservadora, o governo Trump não deve encontrar barreiras vindas da cúpula do Judiciário.
O modelo estratégico, por sua vez, reconhece que os ministros consideram não apenas suas convicções, mas levam em conta, também, as reações de outros atores e os efeitos institucionais e políticos de suas decisões, contentando-se, muitas vezes, com resultados algo diversos do que considerariam como o ideal. No Brasil, essa é praticamente a única lente possível. Aqui, a trajetória dos ministros é mais incerta e o jogo é mais complexo – eles não podem se dar ao luxo de seguir cegamente as suas preferências ao proferir seus votos. Isso explica que ministros indicados por governos petistas tenham votado pela prisão de Lula, enquanto o indicado por Michel Temer, que ocupou a presidência por um arranjo golpista, tenha se tornado o principal defensor da democracia no tribunal.
O ponto central é que no Brasil, o pressuposto do modelo atitudinal desmorona. E isso, fundamentalmente, porque a vida pública e profissional dos ministros não termina no Supremo. Pelo contrário: muitos constroem carreiras políticas, advogam em escritórios de família que atuam no próprio STF ou cultivam influência sobre sucessores. O tribunal, assim, transforma-se em trampolim. Exercer o cargo deixa de ser o auge da carreira e passa a ser apenas uma etapa. Essa lógica enfraquece o modelo explicativo atitudinal segundo o qual o ministro está livre de constrangimentos que imponham cálculos estratégicos na construção de seus votos. No STF, os ministros não estão em condições de olhar para trás na orientação de suas posições; seguem com olhos no futuro e, em razão disso, negociando posições.
É nesse quadro que se deve entender o voto do ministro Luiz Fux no julgamento de Jair Bolsonaro. Sua posição, incoerente diante de votos anteriores, não se explica por argumentos jurídicos sólidos, mas por um cálculo estratégico e – especula-se – de ordem pessoal. Fux estaria, ao votar, traçando sua rota de saída da corte. Ao sinalizar proximidade com os argumentos mobilizados pelos bolsonaristas, Fux abriria as portas para o futuro, o seu futuro. Seja como político eleito, seja como ministro da Justiça ou como alguém influente no processo de indicação de novos ministros no próximo mandato presidencial, Fux aposta na vitória política da direita. A incoerência, aqui, não é acaso, é estratégia. A extrema-direita reconheceu imediatamente o gesto do ministro, de que fez combustível para o discurso de perseguição política a Bolsonaro que será explorado eleitoralmente. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, chegou a sugerir que um assento no Senado cairia bem ao ministro carioca.
O problema é que esse tipo de cálculo individual corrói a coerência do tribunal e mina a confiança pública. A sociedade espera decisões consistentes, guiadas pela Constituição. O que recebe, não raro, são votos moldados por ambições pessoais. Um ministro do STF deveria encerrar sua trajetória na Corte contribuindo para a estabilidade democrática, não para sua corrosão. Vida após o Supremo deveria significar universidade, magistério ou livros de memórias — não palanques eleitorais nem cargos em governos de ocasião.
*Fabio Kerche é pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Unirio
Foto de capa: Gustavo Moreno/STF, Antonio Augusto/STF, Fellipe Sampaio/STF, Gustavo Moreno/STF e Gustavo Moreno/STF





Respostas de 2
Esta foi a melhor síntese, do que está acontecendo no STF, que eu já li. Parabéns Fábio Kerche.
Só podia ser da EXTREMA ESQUERDA…
Quanta distorção nesta Narrativa esquerdopata.
FUX é o único JUIZ de carreira , o único coerente e capaz de julgar com imparcialidade.