Quando se pede intervenção estrangeira no Brasil e se chama aliado para bombardear a Pátria

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Flávio Bolsonaro pede que Trump bombardeie a Baía de Guanabara - Ilustração gerada por IA ChatGPT

Por CASTIGAT RIDENS*

Em mais um capítulo do show-pirotécnico que virou o “bolsonarismo”, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) saiu-se com uma joia de coleção: numa mensagem endereçada a oficiais do governo Donald Trump (sim, presidente dos EUA), sugeriu que os americanos bombardeiem barcos na Baía de Guanabara para “combater o narcotráfico”.

Pois é. Para quem achava que o patriotismo fosse uma virtude, descobre-se que, no dicionário bolsonarista, soberania nacional é uma palavra estrangeira — provavelmente escrita em inglês e pronunciada com sotaque de Miami.
“Ouvi dizer que existem barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?”, escreveu o senador.

A submissão que se aprofunda

A cena tem contornos simbólicos que merecem ser analisados — não como mera gafe, mas como expressão coerente de uma velha vocação: ajoelhar-se diante da bandeira estrelada e pedir bênção em inglês.

Sob o comando do pai, Jair Bolsonaro, já vimos gestos explícitos de submissão aos Estados Unidos. Foi ele quem, em plena campanha presidencial, bateu continência à bandeira americana — talvez o único caso na história em que um candidato à Presidência da República do Brasil homenageia o país-símbolo da sua dependência.
Mas o episódio mais constrangedor ainda estava por vir. Em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial de 2019, Bolsonaro encontrou o então vice-presidente dos EUA, Al Gore, e não resistiu: “Adoraria explorar a Amazônia com os Estados Unidos”, disse ele, como quem oferece um passeio turístico — só que o “passeio” era a floresta amazônica inteira. A frase, que constrangeu Al Gore e causou calafrios até entre diplomatas acostumados a vexames, foi uma espécie de batismo oficial da subserviência. Dali em diante, tudo estava liberado: a rendição não apenas podia, como deveria ser pública.

Agora, os filhos seguem o roteiro à risca. Flávio, o senador, e Eduardo, o deputado, disputam quem vai mais longe na competição familiar de “melhor aliado de Washington”. Ambos sugerem, com a serenidade dos que não entendem o que dizem, que forças estrangeiras possam intervir no Brasil — um tipo de patriotismo de exportação, com selo “Made in USA”.

A conflagração entre o discurso de soberania nacional e a prática de convidar estrangeiros para bombardear o território é tamanha que chega a soar como piada. Uma piada sem graça, diga-se, mas ainda assim uma piada — e a mais cruel delas é que eles fingem acreditar que estão sendo “patriotas” e, pior ainda, seus aliados acreditam!

Tiros no próprio pé — e bônus para o adversário

Enquanto a proposta vira manchete nacional (e motivo de gargalhada internacional), quem sai ganhando é o campo oposto: Lula e seus aliados.
Sim, o presidente, que tantas vezes precisou se defender de acusações sobre o suposto “alinhamento ideológico” com ditaduras, agora pode vestir, sem esforço, a farda simbólica de guardião da soberania brasileira.
Os bolsonaristas, em sua ânsia de parecer durões, entregam de bandeja (americana, claro) trunfos políticos de alto valor:

  • O discurso de defesa da democracia volta a ter brilho.
  • A retórica da soberania ganha contornos heroicos.
  • E a direita, que se dizia “patriótica”, reaparece como o retrato da submissão.

Em termos eleitorais, é quase comovente: enquanto o senador diz “proteger o Brasil”, o que ele realmente faz é proteger o adversário — com fogo amigo e mira frouxa.

Traição à pátria? E por que não chamar pelo nome

Quando um senador da República convida uma potência estrangeira para intervir militarmente no país, não estamos diante de bravata. Estamos diante de algo que vai além da demagogia. É um olhar que aceita, convoca e legitima a intervenção externa como ferramenta de política doméstica. Estamos diante de um conceito jurídico, daqueles que costumam habitar os livros de Direito Constitucional: traição à Pátria.

Em tempos de guerra, muitos países punem esse tipo de conduta com rigor extremo. Não estou propondo fuzilamento — estou lembrando que, historicamente, regimes autoritários ou em guerra aplicaram punições drásticas a quem oferece a soberania nacional ao estrangeiro de modo tão explícito.

Aqui, em tempos de paz, talvez bastasse o bom senso — mas este, ao que tudo indica, foi deportado sem volta. Se um parlamentar convida intervenientes estrangeiros, por que não exigir processo de cassação? Por que não exigir responsabilidades?

A cassação do mandato seria o mínimo, não como vingança, mas como reafirmação simbólica de que ainda há limites para o espetáculo da irresponsabilidade.

E se isso parece radical, basta lembrar que soberania não é um ornamento discursivo — é cláusula vital de uma República que pretende existir.

O sarcasmo da situação

Imaginem o jingle de campanha: “Vote em mim — e ganhe um bombardeio grátis na Baía de Guanabara!”
Ou a nota oficial do Itamaraty: “O Brasil agradece a colaboração do governo dos EUA por ajudar a manter a ordem interna, já que nós, coitados, não damos conta.”

É irônico — e é triste. A soberania nacional, esse conceito que se repete em discursos de ocasião, se desfaz na prática em postagens de rede social.

A tragédia é que esse tipo de humor involuntário diz muito sobre o projeto político: uma parcela da elite que confunde país com franquia e vê em cada soldado americano um anjo da guarda tropical.

E o que fazer?

Não basta rir — embora a tentação seja grande. É preciso reagir.

Cobrar que o Senado e a Câmara tratem com seriedade o que é, sim, um caso de violação da soberania nacional.
Exigir que o campo democrático — o que ainda acredita em país, em Constituição e em vergonha na cara — una-se para impedir que esse tipo de submissão vire norma.

E reforçar, mais do que nunca, a necessidade de uma ampla aliança democrática, não apenas para barrar o autoritarismo, mas para resgatar a autoestima de um país em que parte significativa de sua população e de sua elite insistem em ajoelhar-se diante do império e pedir aplausos.

*’CASTIGAT RIDENS‘ é um pseudônimo criado a partir da expressão latina ‘Castigat ridendo mores‘, que significa ‘corrige os costumes pelo riso’ ou ‘critica a sociedade pelo riso’, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.

Ilustração da capa: Flávio Bolsonaro pede que Trump bombardeie a Baía de Guanabara – Ilustração gerada por IA ChatGPT


Tags: Flávio Bolsonaro submissão aos EUA narcotráfico Baía de Guanabara bombardeio intervenção estrangeira política brasileira soberania nacional Lula da Silva

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