Quando o crime agradece: o ataque de Derrite à Polícia Federal

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Por ALEXANDRE CRUZ*

Há gestos de poder que dizem mais do que discursos. O deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), licenciado do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, reassumiu o mandato na Câmara para relatar o chamado “projeto antifacção” uma proposta que, ironicamente, pode enfraquecer justamente a instituição que mais tem combatido as facções criminosas: a Polícia Federal.

Sob o argumento de “otimizar competências” e “fortalecer o combate ao crime organizado”, o relatório de Derrite propõe retirar da PF atribuições centrais de investigação, transferindo-as para as polícias estaduais. O movimento acontece no momento em que a PF tem demonstrado eficiência inédita no enfrentamento ao PCC, desarticulando esquemas de lavagem de dinheiro, rastreando rotas internacionais e expondo conexões entre facções, agentes públicos e milícias políticas. Enfraquecê-la, portanto, é um presente ao inimigo.

Guilherme Derrite, ex-policial militar e herdeiro direto do bolsonarismo, age dentro da lógica que sempre desconfiou das instituições autônomas do Estado. Prefere a força à inteligência, a lealdade política à técnica, o confronto ao método. E é justamente essa inversão que transforma o discurso da “lei e ordem” em uma ameaça à própria ordem democrática.

Transferir atribuições da PF para as polícias estaduais não descentraliza: fragmenta o combate ao crime. Dissolve o poder de investigação nacional em estruturas vulneráveis a pressões locais e políticas. Em um país onde governadores têm sua própria lógica de poder, o resultado pode ser desastroso: o crime volta a negociar território, influência e silêncio.

O discurso de “autonomia estadual” funciona como disfarce. Quem mais ganha com a divisão institucional do Estado é justamente o crime que opera em rede. O PCC não respeita fronteiras administrativas nem decretos de gabinete. Seu poder vem da coordenação e da infiltração, tudo o que a PF tenta conter e que Derrite, com seu relatório, ajuda a soltar.

Há algo de simbólico nessa contradição. O mesmo grupo político que se apresenta como defensor da segurança pública agora tenta enfraquecer a única força policial capaz de investigar o poder, inclusive o poder político. O autoritarismo, afinal, sempre precisou de polícias fortes para fora e submissas para dentro.

A PF não é perfeita, mas é uma das poucas instituições que ainda combinam técnica, autonomia e credibilidade. Quando o poder político tenta dobrá-la, o que está em jogo não é apenas o combate ao crime, mas o próprio equilíbrio da República.

Enfraquecer a Polícia Federal é abrir um flanco perigoso na democracia. E quando o crime agradece, é sinal de que o Estado errou de lado.


*Alexandre Cruz é jornalista político.

Foto de capa: © Lula Marques/Agência Brasil

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