Por J. CARLOS DE ASSIS*
Às vésperas da COP 30, parece evidente que a maioria dos economistas e comentaristas do clima do Brasil não perceberam ainda os efeitos fiscais reais a médio e longo prazos dos desastres climáticos extremos. Tenho alertado sobre isso há meses, e um curso meu online, “A Economia Política Brasileira em Face dos Desastres Climáticos Extremos”, tem circulado na internet em vários sites e blogs há semanas, sem grande repercussão.
O primeiro efeito fiscal dos desastres climáticos é óbvio: o aumento do déficit orçamentário primário com consequências diretas na alta da demanda do Governo, e impacto financeiro no “arcabouço fiscal”. A resposta a essa situação tem sido contornar o “arcabouço” por medida provisória, como no caso do Rio Grande do Sul no ano passado, quando as contas públicas estouraram com a ajuda governamental aos gaúchos.
O Executivo, com apoio do ministro Flávio Dino, do STF, obteve do Congresso autorização para cobrir o rombo em âmbito federal (mais de R$ 100 bilhões) deixado pelos imensos prejuízos materiais, públicos e privados, provocados pelas inundações e enchentes no território gaúcho. A justificativa era óbvia. Diante da tragédia de forte impacto emocional acompanhada pela televisão por milhões de brasileiros, o Governo não poderia ficar impassível.
Entretanto, houve pouca reflexão sobre o fato de que, no caso provável de outras tragédias semelhantes ocorrerem no imenso território brasileiro, como se comportará o Governo, e o que ocorrerá com as contas públicas e o equilíbrio monetário? É evidente que, diante de situações catastróficas, não se poderão negar aos estados atingidos os mesmos socorros dados aos gaúchos. Haveria, pois, uma pressão recorrente sobre o orçamento fiscal.
“Estouros” sucessivos do arcabouço corresponderão a um déficit orçamentário crescente que tem de ser coberto pelo Governo com emissão monetária ou de títulos públicos. A “sabedoria” convencional dos neoliberais dirá que isso provocará, inexoravelmente, aumento da inflação. Não aconteceu no Rio Grande do Sul. A razão é que, nesse caso específico, o aumento de demanda pública e privada gerado pelo déficit foi contrabalançado pela rápida recuperação da economia gaúcha e pela oferta de bens e serviços de outros estados atingidos pelos desastres.
Aqui é importante destacar um ponto: déficit público gera demanda privada. Se o orçamento público índica um déficit financeiro em alta, a demanda privada cresce com ele, independentemente do fato de que uma medida provisória do Governo o autorize. Há apenas efeito legal para impedir que se tente o impeachment do Presidente por descumprir o “arcabouço fiscal”, e as restrições orçamentárias nele estabelecidas. É aqui que se levanta a questão da relação entre a política fiscal e monetária brasileira e os desastres climáticos extremos.
Tomando de novo o exemplo gaúcho, tratou-se de uma situação localizada, pelo menos quanto a enchentes e inundações catastróficas. Houve, em outras regiões, vários incêndios florestais simultâneos no País, mas, não obstante seus terríveis efeitos para o meio ambiente, os danos não pressionaram o orçamento federal tanto quanto os do Sul.
Um desastre climático localizado pode efetivamente ter seus efeitos minimizados pela ação pronta dos governos e da própria sociedade civil. Entretanto, o que se pode esperar de desastres que venham a acontecer em várias partes do País, simultaneamente, conforme se pode esperar, com um elevado grau de realismo, na época em que vivemos? Haverá, sim, déficits fiscais cumulativos que se transformarão em expansão da demanda efetiva global de bens e serviços em relação à oferta. Se não houver resposta dinâmica pelo lado do aumento da oferta, haverá inflação.
Não é preciso que os desastres sejam simultâneos. Basta que sejam recorrentes. Os prejuízos causados num ciclo econômico, que sejam repassados em parte ao ciclo seguinte, manterão a pressão sobre os preços, sempre que não haja resposta equivalente do lado da oferta. Além disso, nesse caso, haverá o que chamo de um aumento da “demanda de reposição”: gente que tenha perdido bens num ciclo vai ter que repô-los de alguma forma no ciclo seguinte, comprando bens de reposição com suas poupanças ou com crédito.
Pobres que perderam casas, por exemplo, e que naturalmente não têm poupança, ficarão à mercê do setor público. As classes médias, mesmo quando não têm poupança, eventualmente poderão recorrer a crédito num ciclo, mas dificilmente nos ciclos seguintes de desastres acumulados, pois o crédito em algum momento se esgota. Em qualquer hipótese, será impossível evitar, quando se trata de tragédias gerais e recorrentes, que uma parte considerável da sociedade sofra pesadamente os efeitos delas, refletidos na elevação do déficit público real e na inflação.
A única forma de evitar o efeito do aumento significativo da demanda global devido ao aumento dos déficits num ciclo econômico ou nos ciclos recorrentes cumulativos seguintes é o aumento correspondente da oferta. Isso significa que o financiamento da economia, o investimento e a produção terão de crescer. Para isso, há de se ter crédito bancário em condições favoráveis de taxa de juros e prazos de financiamento adequados.
A economia brasileira não tem nada disso. As taxas básicas de juros (Selic) são extremamente elevadas e a liquidez bancária é extremamente baixa, por causa da política fiscal restritiva. Aqui cabe uma observação: uma política fiscal responsável não é uma que fixa o objetivo de um orçamento equilibrado, com baixo déficit ou com um absurdo superávit primário. É, sim, uma política flexível que, iniciando um ciclo econômico com eventual déficit e gerando expansão monetária e do crédito, estimula o crescimento econômico e termina-o com equilíbrio ou mesmo superávit orçamentário.
Foi assim que aconteceu no segundo governo Lula. Mas não é assim que está acontecendo agora, mesmo porque, no intervalo entre aquele governo e o atual, foram introduzidas travas na política econômica com o objetivo deliberado de manter o governo dentro dos padrões do neoliberalismo, contrários ao crescimento acelerado da economia.
Reforçando o argumento, um governo que inicia um ciclo econômico com déficit orçamentário pode perfeitamente concluí-lo com superávit. A razão é que o déficit público pressiona a demanda pública e privada, e ambas aumentam a demanda total. Havendo resposta do lado da oferta, com aumento da produção justificado pelo interesse dos empresários em atender à demanda crescente, haverá aumento do PIB. Com isso, a receita pública cresce e o déficit acaba ou transforma-se em superávit.
Ao contrário disso, quando a política fiscal visa a um superávit primário, sobram recursos orçamentários não reaplicados na economia, levando à redução do investimento, da produção, do PIB e da própria receita pública. As empresas tenderão à estagnação, já que não vão querer investir pois parte de sua produção envelhecerá nas prateleiras. Potencialmente produtivas, acabarão migrando para o mercado financeiro especulativo, que no Brasil lhes garante os maiores juros do mundo.
No âmbito dos BRICS, países como Índia, China e Rússia (em guerra) crescem a taxas de espetaculares de 7%, 5% e 4%, enquanto nós, neste ano, continuamos vegetando em torno de 3%, esmagados por políticas restritivas estabelecidas no “arcabouço fiscal”. É que nos tornamos, efetivamente, uma economia de especulação, e não de produção.
A conclusão é que, na era dos desastres climáticos extremos, uma economia capitalista tem que ter como objetivo central o crescimento econômico a altas taxas. Para isso as políticas fiscal e monetária têm que ser conciliadas para assegurar o crescimento dinâmico da demanda, da produção e da oferta, no sentido de favorecer o investimento produtivo e evitar uma possível explosão inflacionária no caso de desastres climáticos cumulativos que não tenham resposta pelo lado da produção.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto de capa: © Tânia Rêgo/Agência Brasil





Uma resposta
Texto ridículo, apoiado na presunção que o que ocorreu no Rio Grande do Sul seja um desastre lclimatico, se o governador de lá editou 190 normas contra o meio ambiente , isso é falta de planejamento, aliás o que não existe no.pais , planejamento . Só a continua falta dr visao dos economistas, não adianta crescer sem.planejamento