Proteção dos Trabalhadores em Plataformas Digitais na União Europeia: Principais Normas e Regras da Diretiva UE 2024/283

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Por CLEMENTE GANZ LÚCIO*

A União Europeia aprovou no seu Parlamento e no Conselho, em novembro de 2024, a Diretiva UE 2024/2831[1], em vigor desde 2 de dezembro, com regras para a regulação do trabalho mediado por plataformas digitais. Todos os 27 países terão dois anos, ou seja, até dezembro de 2026, para implementar um padrão normativo básico de proteção do trabalho mediado por aplicativos e plataformas.

Essa Diretiva estabelece um marco regulatório essencial para a proteção dos trabalhadores em plataformas digitais. Com a rápida evolução do trabalho mediado por aplicativos e plataformas, a legislação busca corrigir distorções, garantir direitos fundamentais e promover condições de trabalho justas. A seguir, destacam-se as principais normas e regras que passam a proteger os trabalhadores no setor a serem implementadas em todos os países que integram a União Europeia.

Presunção de relação de trabalho e ônus da prova

Esta é uma das mudanças mais significativas da Diretiva pois define que há presunção legal de vínculo empregatício entre trabalhadores e plataformas digitais. Se determinadas condições forem atendidas — como controle sobre horários, formas de remuneração e supervisão de desempenho — o trabalhador será automaticamente considerado empregado da plataforma, a menos que esta prove o contrário. Desse modo, esse mecanismo inverte o ônus da prova, que antes recaía sobre os trabalhadores que deveriam demonstrar seu vínculo de assalariamento, passando agora a exigir que as empresas demonstrem que o profissional atua de forma autônoma.

Transparência

Define obrigações rigorosas às plataformas digitais no que diz respeito ao uso de algoritmos para gerenciar trabalhadores. As empresas devem fornecer informações claras sobre como os sistemas automatizados tomam decisões que afetam os trabalhadores no que diz respeito a atribuição de tarefas, avaliação de desempenho, remuneração, suspensão ou rescisão de contratos.

Direito à supervisão humana nas decisões algorítmicas

A fim de evitar arbitrariedades e erros cometidos por sistemas de inteligência artificial, a Diretiva estabelece que qualquer decisão que tenha impacto significativo sobre os trabalhadores deve ser revisada por um ser humano. Isso se aplica especialmente a casos de suspensão, bloqueio de conta ou rescisão de contrato, assegurando que o trabalhador tenha acesso a justificativas e mecanismos de contestação, garantindo que não sejam impostas penalidades injustas com base apenas em processos automatizados.

Garantia de comunicação e representação sindical

Para fortalecer a representação coletiva dos trabalhadores e combater práticas abusivas, a Diretiva prevê o direito à organização sindical e à comunicação entre trabalhadores dentro das plataformas. As empresas são obrigadas a criar canais acessíveis para que os trabalhadores possam se comunicar entre si e com seus representantes sindicais, assegurando que possam negociar coletivamente melhores condições de trabalho.

Proteção de dados e portabilidade das informações

Outra inovação importante da Diretiva UE 2024/2831 é a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores. Plataformas digitais não podem coletar e processar informações sensíveis além do necessário para a execução do trabalho. Além disso, trabalhadores têm o direito à portabilidade dos seus dados, incluindo avaliações de desempenho e histórico profissional, permitindo que possam utilizá-los em outras plataformas ou oportunidades de trabalho.

Normas para remuneração e condições de trabalho

As novas regras estabelecem que trabalhadores de plataformas digitais devem receber uma remuneração justa e compatível com o trabalho realizado, proibindo práticas que levem à exploração ou remuneração abaixo do salário mínimo do país onde atuam. Além disso, normas relacionadas à segurança do trabalho e condições adequadas de prestação de serviço devem ser respeitadas, evitando que trabalhadores fiquem expostos a riscos sem a devida proteção.

Responsabilidade das plataformas e de intermediários

Muitas plataformas terceirizam parte de suas operações para intermediários, o que pode criar lacunas na proteção dos trabalhadores. A nova legislação exige que as plataformas sejam responsáveis pelos direitos dos trabalhadores, independentemente de intermediários. Dessa forma, qualquer empresa que utilize esse modelo de negócios deve garantir que seus trabalhadores tenham acesso aos direitos previstos na legislação europeia.

Fiscalização e penalidades

Para garantir o cumprimento das regras, a Diretiva prevê a criação de mecanismos de fiscalização e cooperação entre as autoridades nacionais dos países-membros. Empresas que descumprirem as normas estarão sujeitas a multas e sanções, podendo ser impedidas de operar na União Europeia caso sejam reincidentes.

A União Europeia determinou que os 27 Estados-Membros têm até dezembro de 2026 para transpor as normas da Diretiva para suas legislações nacionais. Cada país poderá definir regras específicas para a implementação, desde que respeitem o padrão mínimo de proteção estabelecido na diretiva.

A Diretiva UE 2024/2831 representa um avanço histórico na regulamentação do trabalho em plataformas digitais, assegurando mais direitos, transparência e proteção aos trabalhadores. Ao estabelecer uma presunção de vínculo empregatício, garantir transparência nos algoritmos e reforçar a fiscalização, a União Europeia busca equilibrar a inovação tecnológica com a justiça social, garantindo que os trabalhadores de plataformas digitais tenham acesso a um ambiente de trabalho digno e protegido.

Referências

[1] Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020). [1]   Diretiva do Parlamento Europeu e Conselho 2024/2831, aprovada em 23 de outubro de 2024, disponível em https://data.consilium.europa.eu/doc/document/PE-89-2024-INIT/pt/pdf


*Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

Foto de capa:  iStockphoto

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