Encerramento da série analisa padrões de autoritarismo e resistência
Artigo 7/7 da série Porto Alegre sob cerco
Da REDAÇÃO
Encerramento da série analisa padrões de autoritarismo local, resistência democrática e riscos estruturais ao Estado de Direito
Encerrar uma série jornalística como “Porto Alegre sob cerco” não é apenas concluir um conjunto de reportagens. É reconhecer que, por trás de cada episódio analisado, há algo maior em disputa: o próprio sentido da democracia local. Em 2025, Porto Alegre viu sua institucionalidade submetida a uma pressão inédita desde a redemocratização. A Câmara Municipal, sob a presidência da vereadora Comandante Nádia (PL), atravessou uma sequência de acontecimentos que despertou inquietação entre cidadãos, movimentos sociais, parlamentares, juristas e acadêmicos.
A série buscou, capítulo a capítulo, reconstruir o mapa desse processo. Mostrou como a violência dentro do Legislativo, com gás lacrimogêneo e balas de borracha, inaugurou uma fase aberta de ruptura simbólica com a normalidade democrática. Demonstrou como a Comissão de Ética, tradicionalmente instrumento de proteção institucional, passou a ser usada como mecanismo de controle e punição da oposição. Expôs as medidas de higienização urbana que miraram catadores e trabalhadores informais, reduzindo direitos em nome de uma estética urbana moldada pela exclusão. E analisou o projeto que pretende punir quem distribui alimentos aos famintos, talvez o caso mais emblemático da inversão moral que marca a atual lógica de gestão.
No quinto capítulo, abordamos a raiz dessa mudança: a militarização das práticas políticas, que substitui negociação por comando, diálogo por vigilância, cidadania por obediência. No sexto, mostramos o contraponto: a resistência plural que emergiu da própria sociedade — da academia às ruas, das igrejas aos sindicatos, das redes de solidariedade aos gabinetes parlamentares — para impedir que a erosão democrática se naturalizasse.
Agora, ao final desta série, é preciso compreender o que essa sequência revela, não apenas sobre Porto Alegre, mas sobre o Brasil de 2025.
A primeira lição é clara: autoritarismos locais são poderosos. Eles não se instalam através de rupturas explícitas, mas por acúmulo silencioso de práticas que, somadas, corroem a base institucional. É assim que a democracia se desgasta: com portas fechadas aqui, com um processo disciplinar mal fundamentado ali, com um jato de spray de pimenta acolá, com um projeto de lei que criminaliza a pobreza, com uma decisão administrativa que silencia a oposição. Nenhum gesto parece definitivo, mas, tomados em conjunto, formam o desenho de um regime de exceção ao cotidiano.
A segunda lição é tão importante quanto: a democracia local sobrevive quando há vigilância social. E Porto Alegre mostrou sua melhor face ao recusar a normalização do abuso. Movimentos sociais ocuparam as ruas; entidades jurídicas denunciaram ilegalidades; pesquisadores ofereceram diagnósticos sólidos; parlamentares resistiram a tentativas de cassação; voluntários continuaram alimentando quem tem fome, mesmo diante da ameaça de multas; cooperativas de catadores reafirmaram seu papel fundamental na economia urbana; e a imprensa democrática — entre elas a RED — manteve acesa a luz sobre os acontecimentos.
Essa combinação de ação institucional, mobilização civil e denúncia pública impediu que o cerco se fechasse por completo. Em muitos momentos da história brasileira, foi essa articulação que freou tendências autoritárias, tanto nas grandes crises nacionais quanto nas pequenas erosões municipais. A democracia não se sustenta sozinha: ela precisa de olhos atentos e vozes firmes.
A terceira lição é estrutural: a cidade se tornou, definitivamente, o novo território da disputa democrática. Se antes os confrontos centrais aconteciam no Congresso e no Executivo federal, hoje as arenas municipais concentram parte significativa das tensões políticas. A lógica da militarização, antes associada principalmente às forças de segurança estaduais e nacionais, agora se infiltra em câmaras, prefeituras e políticas urbanas. Controlar o espaço público tornou-se estratégia de governo — e também de resistência.
Por isso, compreender Porto Alegre hoje é compreender o Brasil de amanhã.
A série “Porto Alegre sob cerco” não foi apenas uma investigação jornalística. Foi também um exercício de memória imediata, de reconstrução dos fatos e de análise rigorosa. Como veículo do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, a RED cumpriu seu papel: documentou arbitrariedades, deu voz à resistência, contextualizou riscos e reafirmou, sem hesitação, que democracia se defende com clareza e coragem.
Ao encerrar esta série, não encerramos a vigilância — apenas afirmamos que ela se tornará permanente. A redação segue acompanhando cada decisão, cada movimento, cada tentativa de avanço sobre direitos e espaços democráticos. Seguiremos denunciando a repressão, analisando políticas públicas, dando visibilidade às vozes marginalizadas e, sobretudo, defendendo o direito da cidade de ser plural, aberta, crítica e livre.
O cerco pode até tentar se fechar.
Mas enquanto existirem sociedade civil organizada, imprensa democrática e cidadania vigilante, Porto Alegre nunca ficará sem saída.
A RED continuará fazendo o que sempre fez:
registrar, iluminar e resistir.
Leia também os artigos anteriores da série:
• Escalada autoritária na Câmara de Porto Alegre: RED denuncia ataques à democracia local
• Repressão dentro da Câmara: violência policial marca ruptura democrática em Porto Alegre
• Comissão de Ética sob pressão: como a Câmara tenta calar a oposição em Porto Alegre
• A cidade que expulsa seus trabalhadores: catadores viram alvo da higienização urbana em Porto Alegre
• A cidade que pune quem ajuda: o polêmico projeto que criminaliza a solidariedade em Porto Alegre
• Quando a política vira quartel: a militarização da Câmara de Porto Alegre
Ilustração da capa: Porto Alegre entre o tranco e a vigília – Imagem gerada por IA ChatGPT





Uma resposta
A série de artigos fecha com o seguinte alerta, “Mas enquanto existirem sociedade civil organizada, imprensa democrática e cidadania vigilante, Porto Alegre nunca ficará sem saída”.
Não vejo, nenhuma chamada, nenhuma cobrança, nenhuma constatação, feita aos “próceres” políticos gaúchos, ou aos partidos políticos progresistas, por acaso, eles não tem responsabilidade em tudo isto? Como foi eleita uma cidadã, que se auto intitula “comandante”?.
Adotar esse adjetivo, como parte fundamental do seu nome, já está indicando sua incapacidade de se mostrar como uma cidadã comum.
Que os partidos políticos do campo popular, falharam, está evidente
Onde foram parar os exemplos políticos, famosos no mundo todo, com que a cidade de Porto Alegre contribuiu, para melhores políticas públicas, melhor participação popular?
Esta falha de atuação do partidos políticos, nos mostraron a incapacidade de comprender a necessidade da união.
Enquanto a esquerda se divide, porque o ego dos seus dirigentes não permite que à vírgula do texto seja do outro propositor.
A direita avança em busca do espaço fundamental para obter o poder.
Hoje a cidade de Porto Alegre e o estado do RS nos dá o exemplo daquilo que pode ser à fotografia do futuro.
Além de triste é muito perigoso.