Por que só o pobre tem que pagar a conta, Sr  Fraga? E a Folha aplaude

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Por ALEXANDRE CRUZ*

Armínio Fraga propõe congelar o salário mínimo por seis anos e a Folha de São Paulo endossa sem contestar.

Em recente declaração, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga defendeu o congelamento do salário mínimo por seis anos, alegando que os gastos públicos estariam “totalmente descontrolados”. Na mesma fala, atacou o sistema previdenciário, dizendo que a “conta é gigante” e que uma nova reforma é necessária. Nada disso é exatamente novo — o discurso do “ajuste fiscal” tem sido a música de fundo da elite econômica brasileira nas últimas décadas. Mas o que impressiona é a insistência seletiva em mirar sempre no mesmo alvo: o trabalhador pobre.

Fraga propõe um congelamento brutal do salário mínimo — uma medida que empurra milhões para a miséria e agrava a desigualdade num país onde o salário mínimo é a única renda estável para amplas parcelas da população. Ao mesmo tempo, ele silencia sobre medidas de justiça tributária, como a taxação de grandes fortunas, a cobrança de impostos sobre lucros e dividendos, ou a revisão das benesses fiscais bilionárias concedidas a setores privilegiados. Por que esse silêncio? Porque mexer nos privilégios dos de cima nunca entra na agenda dos “liberais” à brasileira.

A desfaçatez de Arminio Fraga é agravada pela forma como esse tipo de opinião é acolhida e amplificada por veículos de imprensa como a Folha de S. Paulo. O jornal publicou sua entrevista sem oferecer o devido contraditório — um princípio elementar do jornalismo responsável. Nenhuma voz foi convocada para questionar ou problematizar a proposta absurda de congelar salários por seis anos. Nenhum economista com visão progressista foi ouvido. Nenhum estudo sobre o impacto social da medida foi citado. Apenas a repetição acrítica do discurso fiscalista que já conhecemos.

Isso não é jornalismo, é militância econômica disfarçada de informação. E é exatamente esse tipo de cobertura enviesada que ajuda a moldar consensos falsos na opinião pública: o de que o Brasil gasta demais com os pobres, e de menos com os ricos.

O problema do Brasil não é o salário mínimo. É o máximo — os privilégios máximos, os lucros máximos, os patrimônios máximos, todos intocados. E é urgente que a crítica a esse modelo deixe de ser marginalizada e passe a ocupar o espaço que lhe cabe nos grandes meios de comunicação. Enquanto isso não acontecer, seguiremos ouvindo, como se fosse natural, que os pobres é que devem pagar a conta da crise.


*Por Alexandre Cruz é jornalista político.

Foto de capa: Bel Pedrosa/ Agência Brasil

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Respostas de 14

  1. Excelente opinião e alerta do jornalista Alexandre Cruz!
    A miséria brasileira não foi feita pelos pobres. Ela foi produto dos ricos, desde a época colonial.
    O resultado está aí, para nós envergonhar a todos.
    Este Arminio Fraga é um ideólogo dessa situação de injustiça sócio-econômica na qual o Brasil está mergulhado há séculos. E hipocritamente, ele tenta perpetuar está situação, usando os mesmos argumentos da extrema direita facista, que representa. Isto é uma vergonha!

    1. Obrigado, Décio. Fico contente que o texto tenha feito sentido pra você. É importante mostrar que há outras vozes — e outras prioridades — quando o debate insiste em colocar o peso da crise sempre nas costas de quem menos tem. Seguimos firmes na crítica a esse modelo desigual que naturaliza o sacrifício dos de baixo enquanto poupa os de cima.

    2. Muito obrigado! É isso mesmo: a miséria no Brasil sempre teve CEP — e não é o da favela, é o do topo da pirâmide. Arminio Fraga, com sua retórica “técnica”, só dá verniz ao velho projeto de manter tudo como está: lucro pra poucos, sacrifício pra muitos. E ainda se vendem como sensatos. A história está cheia desses “moderados” que, no fundo, apenas refinam a crueldade social. Vergonha é pouco.

    1. Obrigado, Lucia. Fico feliz com seu comentário. Análises como essa precisam circular mais, porque enquanto o foco continuar sendo cortar do lado mais fraco, pouca coisa muda de verdade. É hora de virar o jogo e colocar os privilégios no centro da discussão.

  2. Excelente artigo. Conciso, objetivo e irrefutável. A ganância das elites brasileiras chegam a ser patológicas. As classes trabalhadoras precisam se organizar para reagir em massa para defender e ampliar os seus direitos. A decadência do capitalismo é lenta e não dá para esperar tanto.

    1. Obrigado, Benedita. Você foi direto no ponto: há um traço doentio nessa ganância que naturaliza o sofrimento alheio em nome de “ajustes”. E concordo totalmente — a reação precisa ser coletiva, articulada, e pra ontem. Não dá pra esperar que a estrutura desabe sozinha. Ou a gente se organiza, ou seguem passando por cima.

  3. Às vésperas do golpe parlamentar que depôs Dilma, Armênio Fraga conspirava, em companhia de Gilmar Mendes e Jose Serra, no canto mais escuro do restaurante Trattoria da Rosario, em Brasília. Agora, sozinho e abertamente, com a cumplicidade e cobertura da Folha de São Paulo, jornal que na ditadura colaborava de todos os modos possíveis com a tortura, expressa sua opinião em favor de sua classe, a dos patrões rentistas e contra a do trabalhador sacrificado. O Congresso brasileiro, que professa o mesmo credo de Armênio, vem impedindo o governo de aplicar a justiça tributária e continua a favorecer o capital, taxando o trabalho. E meios de comunicação como a Folha desinformar e moldam uma opinião pública distorcida, favorável à destruição da economia e à financeirizacao liberalizante.

    1. A sua lembrança é necessária — não se trata apenas de opiniões isoladas, mas de uma trajetória de alianças e práticas que operam há muito tempo contra os interesses da maioria. O pacto entre setores do Judiciário, da grande mídia e do mercado financeiro segue vivo e atuante, sabotando qualquer tentativa de justiça econômica real. Denunciar isso é fundamental, porque só com memória e lucidez conseguimos romper com esse ciclo de manipulação e retrocesso. Obrigado pela força.

  4. “Esquerda” de muleta!
    Profundamente institucionalizada, necessitamos estancar este processo suicida. O Partido “dos trabalhadores”, deveria firmar independências frente ao governo e escolher melhor seus parceiros de trincheira. Creio, no entanto, que não ocorrerá…

    1. Entendo sua frustração — e em parte compartilho dela. A esquerda, especialmente quando chega ao governo, caminha num campo minado entre a governabilidade e a coerência política. O PT, com todos os limites que carrega, ainda é um dos poucos espaços com alguma capacidade de disputa real nesse cenário. Mas concordo: acomodação demais cobra um preço. O risco de se perder na lógica do sistema é real, e a independência crítica é mais necessária do que nunca. A construção de alianças não pode ser feita a qualquer custo — ou a trincheira vira armadilha.

  5. Arminio Fraga está certíssimo.
    Os gastos públicos explodiram.
    Dos mais de 30 milhões de pessoas que recebem auxílios do governo como o bolsa família mais da metade, 10 milhões de pessoas, recebem há mais de dez anos.
    Não há economia que se sustente.

  6. Arminio Fraga não está certo — está repetindo uma narrativa que ignora os dados reais do orçamento público. O Bolsa Família, reestruturado e ampliado nos últimos anos, representa cerca de 1,5% a 2% do PIB, segundo dados do Tesouro Nacional. É um programa que atende famílias em situação de extrema pobreza, com critérios claros de permanência: vacinação em dia, frequência escolar e acompanhamento de saúde. O valor médio por família gira em torno de R$ 670 por mês — ou seja, não sustenta ninguém com folga, apenas evita que milhões passem fome.

    A ideia de que “milhões recebem há mais de dez anos” como prova de “dependência eterna” distorce a realidade. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que mais de 40% dos beneficiários deixam o programa em até 4 anos, especialmente quando há melhoria econômica e acesso a empregos formais. O problema não é o programa — é a ausência de um projeto de desenvolvimento que garanta renda e trabalho digno.

    Enquanto isso, os gastos com juros da dívida pública ultrapassaram R$ 720 bilhões em 2023, de acordo com o Banco Central. Isso sim é estruturalmente insustentável. Mas não se fala em “cortar” os ganhos dos rentistas — fala-se em cortar o que chega à base da pirâmide.

    Criticar o Bolsa Família como vilão do descontrole fiscal é um erro técnico e uma escolha política. É mirar no elo mais fraco pra proteger os privilégios de sempre.

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