Políticas Públicas e Sabotagem Institucional: Uma Análise Crítica Sobre o Papel do Congresso Nacional

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Por LUIZ CÉSAR SILVA*

A gestão e a avaliação de políticas públicas ocupam um lugar central na compreensão do processo LUIZ CÉSAR SILVA político contemporâneo. Mais do que simplesmente transformar decisões legislativas em ações governamentais, a implementação envolve múltiplos atores, disputas, vetos, negociações, limitações administrativas e, sobretudo, o desafio permanente de alinhar objetivos públicos a estruturas institucionais frequentemente frágeis. O presente texto discute os enfoques associados à implementação e à avaliação de políticas, articulando-os com uma crítica necessária ao comportamento do Congresso brasileiro, que historicamente privilegia interesses corporativos e particulares em detrimento das prioridades sociais, fator que compromete diretamente a qualidade, continuidade e efetividade das políticas públicas no país.

O que se denomina “política pública” não nasce na fase de implementação: é resultado das etapas iniciais do processo político, que incluem a formação da agenda, formulação e tomada de decisão. No entanto, é justamente na implementação que a política ganha vida ou esvazia-se. Nessa fase, o conteúdo das decisões legislativas pode ser transformado, reinterpretado, modificado ou até negado. A implementação não é mera execução mecânica de um plano. Pelo contrário, constitui um espaço de disputa, adaptação e contínua negociação. Burocratas que lidam diretamente com os cidadãos possuem grande margem de discricionariedade e, portanto, influenciam o resultado final da ação governamental.

O sucesso da implementação depende da clareza dos objetivos, da existência de uma teoria causal coerente e da redução de pontos de veto que dificultem ou paralisem o processo. Ressaltam ainda que as agências executoras devem estar orientadas por normas legais claras e dotadas de recursos financeiros adequados. Esse enfoque é particularmente relevante quando se observa o caso brasileiro, onde o Congresso frequentemente produz legislações com objetivos difusos, ambiguidades propositais e brechas jurídicas capazes de beneficiar grupos específicos. A ausência de objetivos precisos, muitas vezes deliberada, alimenta o poder discricionário dos parlamentares que mais atuam em função de suas bases eleitorais, interesses regionais e alianças partidárias do que em função do bem-estar coletivo. Além disso, a prosperidade da política depende não apenas das estruturas formais, mas da forma como esses trabalhadores interpretam as orientações recebidas e as traduzem em interações concretas com o público. Fatores como carga de trabalho, perfis dos beneficiários e pressões externas moldam a atuação dos burocratas. Aqui novamente o caso brasileiro se destaca negativamente: políticas mal desenhadas, subfinanciadas e frequentemente alteradas ao gosto de negociações parlamentares tornam o trabalho desses profissionais ainda mais complexo e precário.

Ao observar a prática política brasileira, percebe-se que as alterações parlamentares introduzidas durante o processo decisório muitas vezes inviabilizam a proliferação de emendas e interesses divergentes, pulverizam a coerência das políticas, dificultando o mapeamento linear (à lógica linear, sequencial ou top-down de análise e implementação). Outro aspecto é que a completa falta de envolvimento real do Congresso com as condições territoriais e socioeconômicas reduz a capacidade do mapeamento para orientar ajustes adequados.

O caso brasileiro evidencia a complexidade da fragmentação partidária, da necessidade de coalizões instáveis, do presidencialismo de cooptação e do fisiologismo legislativo que criam um cenário no qual as políticas públicas são constantemente usadas como moedas de troca. Em vez de construir consensos em torno de objetivos nacionais, o Congresso incessantemente negocia cargos, emendas parlamentares e modificações legislativas que atendem a segmentos restritos, normalmente ligados às elites. Essa dinâmica compromete o foco na sociedade e reduz a efetividade das políticas implementadas.

A avaliação surge, portanto, como um instrumento indispensável. Entretanto, avaliar significa produzir juízos de valor devidamente fundamentados, com base em padrões claros, dados relevantes e análises rigorosas, algo que, em geral, não interessa ao Congresso. Por essa razão, o Congresso raramente, ou mesmo nunca, utiliza avaliações consistentes para orientar suas decisões. Ao contrário, programas ineficazes são frequentemente mantidos para preservar bases eleitorais e persistem por mera conveniência política. A manutenção de políticas antigas garante a continuidade de redes de apoio e de repasses financeiros. Ao contrário, programas ineficazes são frequentemente preservados para manter bases eleitorais e perduram por conveniência política. A continuidade de políticas antigas assegura o funcionamento de redes de apoio e a manutenção de repasses financeiros. Quanto mais vaga e menos participativa for a política, maior será o espaço para manipulação, alocação arbitrária de recursos e perpetuação de práticas clientelistas pelas elites.

Diante de tudo isso, torna-se claro que a implementação e a avaliação das políticas públicas no Brasil não são problemas exclusivamente técnicos: são visceralmente políticas. A qualidade das políticas depende tanto da capacidade administrativa quanto da integridade e do compromisso do Congresso com as necessidades sociais, principalmente dos marginalizados. Entretanto, parte considerável do comportamento parlamentar brasileiro segue pautado por interesses corporativos, fisiológicos e eleitorais. Nesta perspectiva, torna-se inexequível analisar implementação e avaliação de políticas públicas no Brasil sem reconhecer o peso negativo exercido pelo Congresso Nacional, que se presta a ser um dos principais agentes de bloqueio institucional do país. O resultado é devastador para a gestão pública: leis são aprovadas não pela sua qualidade técnica, mas pelo cálculo de ganhos imediatos dos congressistas; objetivos são redigidos de forma vaga propositalmente para permitir manipulação posterior; emendas parlamentares substituem planejamento estratégico por distribuição seletiva de recursos; e políticas bem-sucedidas são sabotadas quando ameaçam estruturas de privilégio.

Quando se observa o comportamento parlamentar, torna-se evidente que grande parte dos obstáculos à implementação não decorrem de dificuldades técnicas ou limitações administrativas, mas de ações deliberadas do próprio Congresso, que age de maneira sistemática para capturar políticas públicas e distorcê-las em benefício de grupos específicos. A promiscuidade entre interesses econômicos, lobby setorial e alianças partidárias transforma políticas públicas em instrumentos de autopreversão política, jamaias na promoção do bem-estar social do povo brasileiro..

Essa lógica corrosiva impede que metas claras sejam definidas, inviabiliza avaliações sérias e promove um ambiente de incerteza permanente, no qual programas públicos são constantemente negociados como mercadorias políticas. O Congresso brasileiro não apenas falha em representar a sociedade: ele frequentemente se coloca como obstáculo direto à construção de políticas consistentes, estáveis e orientadas ao interesse público. Em muitos momentos, age como antagonista da racionalidade administrativa, um agente de retrocesso institucional e um perpetuador consciente das desigualdades sociais que deveria combater.

Para superar esses desafios, é necessário fortalecer mecanismos de transparência, ampliar o uso de avaliações independentes, instituir metas claras e mensuráveis e, sobretudo, reformar práticas legislativas que privilegiam interesses privados sobre o interesse coletivo. Sem enfrentar a raiz política dessas grandes distorções, especialmente a atuação de um Congresso que prioriza a si mesmo, somente o avanço técnico na gestão do ministério das políticas públicas será suficiente..


*luiz césar silva é pós-doutorando em Economia pela Universidade do Porto; Doutor em Administração Pública pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo – FJP, Especialista em Controladoria e Finanças pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Economista pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP. É Professor de Administração e Gestão Pública no Instituto Politécnico de Bragança, Escola de Administração Pública, Comunicação e Turismo de Mirandela (EsACT-IPB). Lecionou no Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública da Universidade do Minho. Atualmente, é membro do Comitê Científico da revista “Public Administration Research: Canadian Centre for Science and Education”.

Foto de capa: Reprodução

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