Os indicadores de pobreza, extrema pobreza e desigualdade de renda recuaram em 2024 e atingiram os menores níveis desde o início da série histórica do IBGE, em 2012. Os dados fazem parte da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada nesta quarta-feira (3). A melhora reflete a recuperação do mercado de trabalho após a pandemia e o reforço de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Apesar dos avanços, o retrato segue marcado por fortes disparidades regionais, raciais, de gênero e faixa etária, compondo um mosaico persistente de desigualdades estruturais no país.
48,9 milhões ainda vivem na pobreza; 7,4 milhões em extrema pobreza
A taxa de pobreza caiu para 23,1% da população em 2024 — o menor valor da série. Em números absolutos, são 48,9 milhões de brasileiros, quase 8,6 milhões a menos que em 2023. É a primeira vez desde 2012 que o contingente fica abaixo dos 50 milhões.
A extrema pobreza também recuou, atingindo 3,5% da população, o equivalente a 7,4 milhões de pessoas. Ambas as taxas estão em queda desde 2022, após atingirem níveis recordes em 2021, durante a pandemia.
Sem os programas de transferência de renda, o cenário seria drasticamente pior: a pobreza seria de 28,7% e a extrema pobreza, de 10%, segundo simulações do IBGE.
Nordeste e Norte seguem com índices mais altos
Mesmo com redução nacional, a pobreza permanece concentrada nas regiões mais vulneráveis:
- Nordeste: 39,4% pobres e 6,5% em extrema pobreza
- Norte: 35,9% pobres e 4,6% em extrema pobreza
- Brasil: 23,1% (pobreza) e 3,5% (extrema pobreza)
Sul, Sudeste e Centro-Oeste ficaram abaixo da média nacional em ambos os indicadores.
Desigualdade cai, mas Brasil ainda está entre os piores do mundo
O índice de Gini — que mede desigualdade de renda — caiu de 0,517 para 0,504, menor nível da série. Ainda assim, o Brasil segue no topo da desigualdade entre países analisados pela OCDE.
Em 2022, os 20% mais ricos recebiam 11,2 vezes mais que os 20% mais pobres — segunda maior disparidade entre 40 países avaliados, atrás apenas da Costa Rica.
Quando calculado sem os programas sociais, o Gini brasileiro subiria para 0,542, evidenciando o peso das políticas de transferência de renda na redução da desigualdade.
Desigualdade racial se mantém: brancos ganham 64% a mais por hora
O estudo mostra que a desigualdade racial continua estruturante no país. Em 2024:
- Brancos: R$ 24,60 por hora
- Pretos ou pardos: R$ 15,00 por hora
Uma diferença de 64%, que persiste mesmo entre pessoas com escolaridade semelhante. No ensino superior completo, brancos ganham 44,6% a mais que pretos ou pardos.
Mesmo ocupando os mesmos grupos de ocupação, a diferença segue evidente. Em cargos de direção e gerência:
- Brancos: R$ 9.831
- Pretos ou pardos: R$ 6.446
Nenhum grupo ocupacional apresentou rendimento maior para pretos ou pardos em relação aos brancos.
Gênero: mulheres em cargos de chefia ganham 32,7% menos
A desigualdade salarial de gênero também avançou. Em 2024, mulheres em cargos de direção e gerência receberam:
- Mulheres: R$ 6.776
- Homens: R$ 10.073
Ou seja, 32,7% a menos — diferença maior do que a registrada em 2023.
No conjunto do mercado de trabalho, a renda média feminina foi de R$ 2.778, contra R$ 3.533 dos homens. A lei de paridade salarial, em vigor desde 2023, ainda enfrenta resistência e questionamentos jurídicos.
Envelhecimento e trabalho: 1 em cada 4 idosos está ocupado
O estudo também mostra um fenômeno crescente: o aumento do número de idosos que continuam trabalhando.
Em 2024:
- 24,4% das pessoas com 60 anos ou mais estavam ocupadas — maior nível da série.
- Isso representa 8,3 milhões de idosos, 752 mil a mais que em 2023.
O IBGE relaciona o avanço à recuperação econômica, ao envelhecimento populacional e aos efeitos da reforma da Previdência, que elevou idade mínima e tempo de contribuição.
Entre os idosos ocupados:
- 43,3% são trabalhadores por conta própria
- 55,7% estão na informalidade
- Renda média: R$ 3.561, um valor 14,6% superior ao da população geral
Educação: pobres são maioria na pré-escola e minoria na universidade pública
A SIS também evidencia como a desigualdade socioeconômica se reproduz no acesso à educação.
Em 2024:
- Na pré-escola da rede pública, estudantes de famílias de menor renda eram a maioria absoluta.
- Na universidade pública, representavam apenas 3,6% dos matriculados.
- Já os estudantes de maior renda eram 28% dos alunos do ensino superior público.
O ensino superior é o único nível educacional em que a rede privada possui mais matriculados do que a pública.
Um país que melhora, mas segue desigual
Os avanços registrados em 2024 — queda da pobreza, da extrema pobreza e da desigualdade — refletem políticas públicas e um contexto de recuperação do emprego. Mas os números também deixam claro que as desigualdades brasileiras estão longe de ser conjunturais.
Elas seguem marcadas:
- pelo território,
- pela cor/raça,
- pelo gênero,
- pela renda familiar,
- e agora também pela idade.
A redução da pobreza é um sinal positivo, mas a desigualdade estrutural — racial, regional, educacional e de gênero — continua sendo um dos maiores desafios do país.
Imagem destacada: Fernando Frazão/Agência Brasil




