Pobre Estado Catarinense

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Por SOLON SALDANHA*

Me impressiona o enorme número de pessoas que publica absurdos nas redes sociais, sem o menor pudor ou constrangimento. Aliás, muitos conseguem inclusive cometer crimes nesses momentos, quando acreditam piamente que têm o direito de externar opiniões que, por exemplo, sejam apologia ao racismo e outros que tais. Um recente exemplo desse fato lamentável foi dado pelo casal de influenciadores – um termo que está servindo para tudo e toda espécie de gente –, os catarinenses Jenifer Milbratz e Cleiton Stainzack. Eles residem em Pomerode, um município de pouco mais de 34 mil habitantes, que fica no Vale do Itajaí. No dia 10 do mês de julho eles publicaram um vídeo no qual apresentam uma “receita”, requisitos que entendem seriam essenciais para que alguém de fora se mude para Santa Catarina.

A repercussão foi imediata, em virtude da xenofobia (1) explícita. Evidente que deve ter existido gente que aplaudiu, mas com certeza as pessoas mais esclarecidas do vizinho Estado se horrorizaram. A vereadora Ingrid Sateré Mawé, por sua vez, foi além de protestar e acionou o Ministério Público, que se viu obrigado a abrir uma investigação. Afinal, não é pouco o estrago feito pelo casal, uma vez que em poucos dias já eram mais de cinco milhões de visualizações do vídeo. Nele o casal afirma que não existe possibilidade de serem acolhidas pessoas alinhadas com pautas como ideologia de gênero – algo que na verdade não existe –, “agenda woke” (2) e assistencialismo estatal, além de cometerem outros desatinos verbais.

O que os dois não sabiam – ou ao menos não temiam – é que com uma facilidade imensa internautas mais ligados pudessem realizar pesquisa que apontasse e lembrasse o comportamento deles próprios. Foi assim que, com facilidade, descobriram que Jenifer recebera auxílio emergencial do Governo Federal, durante a pandemia. Justo aquilo que agora ela se arvora no direito de criticar. E, muito pior do que isso, eles tinham participado de um debate na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em fevereiro, depois que outro vídeo que haviam gravado causara enorme constrangimento. Aquele era intitulado “Como fazer um bebê alemão” e associava traços físicos e características germânicas que seriam superiores. Algo assim digno de orgulhar Adolf Hitler.

Agora, dou um doce – mentirinha, pois nem que eu fosse proprietário de uma confeitaria seria suficiente – para quem acertar com que turma os dois se identificam e como se apresentam. Ela tem 32 anos, revela ser cristã, conservadora e ex-feminista. Nas redes sociais os conteúdos que compartilha versam sobre maternidade, cultura alemã e temas políticos. Cleiton tem a mesma idade, diz ser um empreendedor, marido, pai e seguidor de Jesus. Desde os 15 anos eles garantem conviver e têm dois filhos. Mas agora estariam separados, apesar de obviamente a ideologia da extrema-direita ainda os unir.

Consta que documento apresentado pela vereadora foi analisado na 40ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, em Florianópolis, que o teria encaminhado para o Ministério Público Federal, reconhecendo a existência do “discurso excludente”. É inegável que o vídeo vai muito além de ser vexatório. A incitação ao preconceito e à xenofobia violam a Lei 9.459/97 (Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa). O texto legal acrescenta, no seu Art. 20, §2º, que sendo esse crime cometido por intermédio de meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena passa para reclusão de dois a cinco anos, mais multa. A conduta também infringe a Lei 7.716/89 e a própria Constituição Federal.

Pomerode é conhecida como a cidade mais alemã de todo o Brasil, em função da forte imigração germânica. Além do português, grande parte da população local fala algo bastante próximo do que seria o alemão-padrão (Hochdeutsch), ao passo que a língua original da maioria dos pomerodenses é o pomerano. Portanto, há a coexistência desses três códigos linguísticos na cidade (português, alemão e pomerano). Por lá a arquitetura também remete ao país europeu, assim como a gastronomia. Em tese seria um bom local para ser visitado. Entretanto, o extremismo de direita que tomou conta de boa parte de Santa Catarina desestimula que se continue considerando ser ela um destino aprazível, mesmo em férias e viagens curtas. Não é mais apenas Balneário Camboriú que afasta as pessoas de bom senso.

(1) XENOFOBIA é o preconceito, aversão e hostilidade contra pessoas de outras nacionalidades, culturas ou etnias. Ela se manifesta através da discriminação, ódio e exclusão de indivíduos estrangeiros ou de grupos minoritários. O termo deriva da fusão dos termos gregos “xenos” (estrangeiro) com “phobos” (medo ou aversão), refletindo a rejeição ao que é considerado diferente.

(2) AGENDA WOKE é um termo frequentemente utilizado para descrever um conjunto de ideias e ações relacionadas à conscientização sobre questões de justiça social e racial, especialmente aquelas que visam combater toda discriminação e desigualdade. No entanto, o termo também é usado de forma pejorativa por alguns para criticar o que consideram um excesso de politização ou radicalismo em torno dessas questões.

bônus de hoje começa com um “vídeo-resposta” gravado por um outro casal, destinado ao formado por Jenifer e Cleiton. Depois temos outro com a música Quem Planta Preconceito?, do Natiruts, gravada ao vivo.

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*Solon Saldanha é jornalista e blogueiro.

Texto publicado originalmente no Blog  Virtualidades.

Foto de capa: Cleiton Stainzack e Jenifer Milbratz | Reprodução

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