Da REDAÇÃO
O novo artigo do jornalista Marcelo Godoy*, publicado no Estadão em 17 de novembro de 2025, expõe uma série de mudanças em discussão na Câmara dos Deputados que, segundo especialistas, podem enfraquecer o combate ao crime organizado, atingir operações recentes como a Carbono Oculto e ainda favorecer grupos econômicos investigados por ligação com facções criminosas.
Entraves ao confisco de bens e o impacto sobre operações no setor de combustíveis
No texto, Marcelo Godoy destaca que o projeto de lei antifacção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite cria obstáculos inéditos à perda de bens de criminosos. O jornalista lembra que críticos apontam diretamente os artigos 11 e 12 do projeto, que “dificultam a perda de bens do crime organizado e retirariam da Receita a capacidade de apreender mercadorias e declarar o perdimento de contrabandos”.
Godoy cita o promotor Lincoln Gakiya, referência nacional no enfrentamento ao Primeiro Comando da Capital, que afirmou que as mudanças “só interessam ao crime organizado”. Segundo ele, o texto atual de Derrite exige o trânsito em julgado para que bens sejam alienados, o que pode levar décadas.
O Estadão também ouviu delegados, promotores, auditores fiscais e empresários do setor de combustíveis, que reforçaram que a proposta inviabilizaria investigações como as que atingem a Refit, empresas ligadas ao PCC e a chamada “máfia dos combustíveis”.
Godoy lembra que hoje a Receita Federal tem prerrogativas essenciais para interromper ciclos de sonegação, contrabando e lavagem de dinheiro. Com o projeto, essas funções seriam esvaziadas. Segundo o jornalista, “bandidos do CV e do PCC estão ligados ao contrabando de cigarros falsificados. Não teriam mais seus bens confiscados”.
O texto também enfatiza que, com as regras atuais, operações como a Cadeia de Carbono e a Carbono Oculto só foram possíveis porque a Receita pode reter mercadorias e aplicar o perdimento administrativo imediatamente. O Instituto Combustível Legal (ICL) declarou ao Estadão que condicionar a atuação administrativa ao trânsito em julgado “significa abrir mão da estratégia de asfixia financeira do crime organizado”.
Favorecimento a empresários investigados e suspeitas sobre a tramitação acelerada
Marcelo Godoy lembra que as mudanças beneficiariam diretamente empresários como Ricardo Magro, dono da Refit, e investigados como Mohamad Hussein Mourad, o Primo, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Loco — ambos foragidos desde agosto, após desdobramentos da Operação Carbono Oculto.
O jornalista observa que críticos se perguntam “quem ajudou Derrite a fazer seus textos” e se a pressa em votar o projeto não esconde “desejos inconfessáveis do Centrão”. Apesar das críticas, Derrite afirma que está aberto a ajustes.
Tentativa de derrubar resoluções do Banco Central sobre criptomoedas
A análise também aborda outro movimento na Câmara: o projeto de decreto legislativo apresentado pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE) para sustar as resoluções 519, 520 e 521 do Banco Central, que regulamentam o mercado de criptoativos.
Godoy lembra que as regras foram construídas com participação de bancos, operadores e órgãos de controle, incluindo a Polícia Federal. As resoluções tratam de medidas de prevenção à lavagem de dinheiro — tema central em investigações como a Operação Tai Pan, que revelou um esquema de R$ 119 bilhões, e a Operação Colossus, que identificou R$ 61 bilhões lavados via criptos.
O jornalista questiona se o deputado desconhece que os esquemas financeiros investigados pela PF envolvem “dinheiro de sonegadores, corruptos, PCC e até Hezbollah”.
Conexões com a Operação Carbono Oculto e pressões políticas
Marcelo Godoy encerra seu artigo destacando que, após a Operação Carbono Oculto, que apreendeu dezenas de terabytes sobre lavagem na Faria Lima, surgiram “ideias como o impeachment de um diretor do Banco Central” e tentativas de mudar regras que afetam diretamente o setor.
Ele se pergunta se tudo isso seria coincidência ou se tem relação com “uma possível delação de dois personagens importantes envolvidos” nas investigações. Não há confirmação — apenas suspeitas que, segundo o jornalista, preocupam especialistas em segurança pública e combate ao crime organizado.
Leia a íntegra da coluna de Marcelo Godoy no Estadão.
*Marcelo Godoy é repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.




