Por MARA TELLES*
Doutora em Ciência Política pela USP, Profa. da UFMG e Presidente da Abrapel – Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais.
De acordo com dados divulgados pelo IBGE, a taxa de desemprego no Brasil alcançou 6,5% no trimestre até janeiro. Embora isso represente um aumento de 0,3 pontos percentuais em relação aos 6,2% registrados nos três meses até outubro, os indicadores macroeconômicos ainda são positivos. Conforme dados recentes, a pobreza no Brasil caiu para o menor nível desde 2012, com 8,7 milhões de pessoas saindo da pobreza em um ano.
No entanto, uma pesquisa recente realizada pelo instituto Quaest, em parceria com a Genial Investimentos em 8 estados brasileiros, revelou uma percepção diferente. É visível o clima de insatisfação dos eleitores com a administração de Lula nas unidades da federação amostradas. A aprovação dos governantes estaduais é significativamente maior do que a do governo federal. Governadores como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Jerônimo Rodrigues (BA), Ratinho Jr. (PR), Eduardo Leite (RS) e Ronaldo Caiado (GO), têm avaliação positiva que ultrapassa os 60%. Essa discrepância sugere que o julgamento da população sobre o governo federal não está necessariamente relacionado apenas aos indicadores econômicos.
A segurança pública, seguida por saúde e educação, é o tema que preocupa cada vez mais os brasileiros, de acordo com a pesquisa divulgada. A violência tem aumentado e o sentimento de medo se espalhou por várias regiões do país, incluindo o Nordeste. As facções criminosas têm se organizado e assustado a população, tornando a segurança um dos principais problemas do país.
A ausência de uma política nacional para segurança pública é um fator que pode ter contribuído para a redução da aprovação do Governo nos estados escolhidos. Além disso, a desinformação da população sobre qual é a esfera responsável pela segurança pública pode ter colaborado igualmente para a diminuição da aprovação da administração federal.
Em resumo, a segurança pública é um tema complexo e multifacetado que requer uma abordagem integral e coordenada entre os governos estaduais e federal. A falta de informação, a desinformação e a ausência de uma política nacional para a segurança pública são elementos que minam a confiança no governo.
A disseminação de notícias falsas e o negacionismo são fenômenos complexos e podem ser exacerbados pela ausência de dados disponíveis sobre a realidade. E, pode ser considerado uma falha do governo federal a dificuldade para pautar a opinião pública com agendas positivas e de forma eficaz, ao invés de apenas reagir à desinformação difundida por grupos que produzem e reproduzem deliberadamente a ignorância.
Mas, ao mesmo tempo, a comunicação do governo sobre seus feitos e projetos pode não ser suficiente para a sua aprovação, pois, existem valores ideológicos, políticos, culturais e morais que filtram as informações que chegam até os cidadãos. As pessoas tendem a descartar fatos e notícias que divergem de suas crenças e a potencializar a busca de fontes que as confirmam. Esse fenômeno é maximizado em ambientes onde há baixa confiança na imprensa e nas instituições representativas e judiciais.
As redes sociais desempenham um papel crucial na disseminação de notícias falsas, pois permitem que qualquer pessoa compartilhe publicações duvidosas rapidamente e sem verificações rigorosas. Isso torna fundamental que os governos e as instituições desenvolvam estratégias ativas para combater a desinformação e promover a transparência e a confiança nas informações. Mas, o governo se comunica de forma analógica e lenta, ao passo que os grupos opositores conseguem manejar com mais profissionalismo e rapidez as mídias sociais.
Os resultados da pesquisa Quaest, embora não sejam representativos do Brasil, contribuem para formar um ambiente midiático desfavorável ao governo, pois são frequentemente divulgadas. Isso tende a reforçar e cristalizar a percepção, especialmente entre os eleitores mais desconfiados da política e os opositores, de que o governo está indo mal em todo o país e não apenas nesses estados amostrados, que são em sua em maioria governados por opositores do governo Lula.
Desse modo, um dos dilemas enfrentados no mundo digital é a competição pela comunicação, pois, mesmo com informações corretas disponíveis, as barreiras psicológicas e ideológicas impedem que os eleitores mudem sua percepção. Isso porque a ideologia passou a desempenhar um papel importante no comportamento eleitoral brasileiro. O Termômetro da Campanha, conjunto de pesquisas realizadas pelo IPESPE/ABRAPEL nas presidenciais de 2022, mostrou que em média mais de 80% dos eleitores de Bolsonaro se declaravam “de direita”, enquanto apenas 51% dos eleitores de Lula se diziam de esquerda”. Isso sugere um crescimento dos valores de direita na opinião pública brasileira.
É interessante notar que Lula conquistou também aqueles que não sabiam se auto localizar ideologicamente (30%) e em menor número eleitores de centro e de direita. Isso sugere que a vitória de Lula não foi necessariamente devido a valores de esquerda, mas à lembrança dos seus mandatos passados, ou o chamado “voto retrospectivo”, especialmente nas camadas que recebiam até 2 salários-mínimos.
A situação política brasileira é complexa, e a relação entre o governo federal, os governos estaduais e as prefeituras são um exemplo disso. Os prefeitos eleitos, em grande parte bolsonaristas ou alinhados com a direita, recebem recursos federais, mas muitas vezes se apropriam das obras realizadas com esses recursos para fazer oposição ao governo federal, sem mencionar a origem dos fundos. Isso acontece porque, quanto melhor a economia, mais recursos são disponibilizados para o Fundo Municipal, o que dá mais poder e oportunidades para a atuação e êxito dos prefeitos.
Além disso, a base histórica do governo federal, compostas por trabalhadores e pessoas mais pobres, tem sido cada vez mais atraída por discursos religiosos. O crescimento dos evangélicos é uma barreira significativa para o apoio ao governo federal. A identidade religiosa se mostrou eficaz para predição do comportamento político e “ser evangélico” está associado a “ser de direita”, segundo pesquisas IPESPE/ABRAPEL já citadas. E, a comunicação ineficaz do governo federal faz com que os avanços e as políticas sociais, ainda que tímidas, não sejam percebidos por sua base histórica, que é cada vez mais atraída por discursos salvacionistas-religiosos e de fundo moral.
Conforme observado por Converse em 1958, o impacto do status na decisão de voto depende do grau em que os partidos políticos oferecem alternativas políticas claras e igualmente polarizadas. Isso sugere que a falha na comunicação do governo federal com a base que o elegeu é um dos fatores para a perda de popularidade. Estaria o governo federal “abandonando” essa base, que se atrai cada vez mais por discursos religiosos que pregam valores conservadores? Ou os brasileiros preferem ser governados por partidos de direita? Essas são indagações que merecem reflexão, pois, a percepção negativa pode não ser apenas uma questão de conjuntura, mas de mudanças no tecido social e realinhamentos nas ideologias que guiam as atitudes políticas.
Porém, as pesquisas atuais sobre as eleições de 2026 no Brasil são limitadas em sua capacidade de prever o futuro. De acordo com estudos da ESOMAR, a distância entre a data da pesquisa e a eleição é um fator crucial na precisão das previsões. Quanto maior a distância da eleição, menor a sensibilidade das pesquisas à opinião pública e maior o tamanho do erro amostral, que se reduz quando se aproxima o dia do pleito.
Entre fevereiro de 2025 e outubro de 2026, eventos, crises, campanhas, articulações políticas e institucionais podem influenciar o resultado das eleições presidenciais. Mas, é importante destacar que as pesquisas realizadas durante esse interregno podem fortalecer atitudes negativas sobre Lula ou outros candidatos alinhados com o governo federal, influenciando o comportamento eleitoral, com a cristalização de convicções negativas sobre o governo e oportunidades para grupos de oposição à direita.
No entanto, é preciso considerar que as pesquisas refletem o presente, em vez de prever o futuro. Em resumo, é preciso ter cuidado ao interpretar as pesquisas atuais sobre as eleições de 2026 no Brasil, considerando a limitação da precisão das previsões e o alcance de fatores externos que podem surgir entre agora e a eleição.
Publicado originalmente em Brasil Confidencial.
*Helcimara Telles é Cientista política, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidenta da ABRAPEL (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais).
Foto de capa: Ricardo Stuckert e Agência Brasil
Uma resposta
Excelente análise