Por WAGNER SOUSA*
Segundo matéria da Agência Brasil de 10.11.2025: “O acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza completou um mês nesta segunda-feira (10) com 271 palestinos assassinados no período, informou o Hamas. Outras 622 pessoas ficaram feridas devido aos bombardeios e disparos, incluindo 221 crianças. O grupo islâmico anunciou que apenas 40% da ajuda humanitária prevista no acordo entrou em Gaza no período. O documento previa a entrada de 600 caminhões por dia, sendo 50 caminhões-tanque de combustíveis. (…) A ajuda humanitária fornecida pela Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) continuaria a enfrentar bloqueios por Israel. Isso apesar do parecer da Corte Internacional de Justiça (CIJ) afirmando que Israel tem a obrigação de permitir que os suprimentos fornecidos pela UNRWA entre em Gaza.”
Conforme amplamente divulgado, o governo norte-americano propôs um governo internacional temporário, tendo no topo de sua hierarquia um chamado “Conselho da Paz”, chefiado e presidido pelo presidente norte-americano Donald Trump, e um “interventor” para este “consórcio anglo-saxão”, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair. O controle de Gaza seria posteriormente cedido à Autoridade Palestina. Gaza, por esta proposta, não será anexada por Israel e o Hamas não poderá ter participação no governo do território. Integrantes do grupo palestino que se renderem seriam anistiados. A proposta também inclui a retirada gradual das forças israelenses de Gaza e a desmilitarização do território.
O “plano de paz” conforme informações trazidas pelo portal da tv estadunidense CNN, diz que Gaza terá um governo transitório temporário, formado por um comitê palestino tecnocrata e “apolítico”, responsável pela gestão cotidiana dos serviços públicos e dos municípios para a população de Gaza. Este comitê seria composto por palestinos qualificados e peritos internacionais, com supervisão por parte de um novo órgão internacional de transição, descrito no parágrafo acima, o “Conselho da Paz”. Este órgão administrará o financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestina conclua o seu programa de reformas, conforme descrito em várias propostas, incluindo o plano de paz do presidente Trump, de 2020, e uma proposta franco-saudita.
Devolução de reféns vivos e mortos, soltura de presos palestinos, desarmamento do Hamas, retirada gradual das tropas de Israel, criação de uma força internacional composta principalmente por países árabes e um plano de reconstrução e desenvolvimento da região estão entre os pontos previstos. Apenas parte se concretizou, como a devolução dos reféns e soltura de presos. Israel se retirou de parte do território, aproximadamente a metade, e não há previsão de seguimento neste retirada. O Hamas nunca concordou expressamente com o seu desarmamento e é quase certo que não concordará. A desconfiança impera num ambiente onde os suprimentos e a ajuda humanitária seguem escassos e Israel, como apontado acima, voltou a atacar Gaza e causar muitos mortos e feridos. O Hamas também vê seu desarmamento e a atuação de forças estrangeiras como contrárias aos interesses palestinos, Israel também nunca quis a presença estrangeira na região nos territórios palestinos.
Em 17/11 o Conselho de Segurança da ONU aprovou o plano de Trump, 13 países votaram a favor, Rússia e China se abstiveram.
O processo está paralisado. Há o claro risco de uma divisão do território de Gaza em duas partes, com os investimentos em reconstrução (calculada no total em torno de 70 bilhões de dólares) se concentrando na metade controlada por Israel, da qual faz parte a maior parte das terras agrícolas na porção sul do território. Israel também tem rejeitado qualquer envolvimento da Autoridade Palestina com apoio ocidental. Os governos árabes e europeus não devem participar, no caso do processo ter continuidade, se suas forças não forem tão somente para a manutenção da paz. O vice-presidente J.D Vance e o influente genro de Trump, Jared Kushner, sugeriram que os recursos para a reconstrução poderiam começar a ser direcionados para a parte controlada por Israel.
Esta última frase é bastante reveladora e indica que as esperanças em um processo de paz que levasse futuramente a um Estado Palestino parecem estar em desacordo com a realidade. A proposta de Trump, de tutelar os palestinos, mesmo que evolua (o que não parece o mais provável neste momento) já é bastante problemática, pois um governo palestino que não seja administrado pelos próprios, carece evidentemente de legitimidade. O caráter tecnocrático desta ideia não enfrenta problemas políticos que só os próprios palestinos poderiam resolver. Esta solução difícil, todavia, parece que está sendo substituída por outra, pior, que mantém o expansionismo de Israel e a vida dos palestinos em condições dramáticas, nas regiões em que se mantém. ´Como sinal dos tempos (e das perspectivas, ou falta delas) o Parlamento de Israel (Knesset) aprovou um projeto de lei que prevê pena de morte obrigatória para palestinos que matem israelenses por motivos nacionalistas, mas não israelenses que matem palestinos pelos mesmos motivos.
Publicado originalmente em Observatório Internacional do Século XXI.
*Wagner Souza é Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China).
Foto da capa:Abedallah Alhaj/UNRWA/Wikimedia Commons




