Padrões de Apoio à Direita Radical da Espanha: Os Eleitores do Vox

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Apoio ao Vox - Imagem gerada por IA ChatGPT

Da REDAÇÃO

Estudo revela que a autodefinição ideológica à direita, o nativismo (rejeição à imigração e defesa de uma identidade nacional homogênea) e a oposição a pautas pós-materialistas, como a legislação de igualdade para pessoas transgênero são principais motores do voto no Vox na Espanha

Um estudo assinado por Helcimara Telles e Diego Prata, pesquisadores da UFMG, traz novas luzes sobre um dos fenômenos mais debatidos da política europeia recente: a ascensão da direita radical na Espanha. Apresentado no IX Congresso Uruguaio de Ciência Política, o artigo “Padrões de apoio à direita radical da Espanha: os eleitores do Vox” analisa o perfil e as motivações dos eleitores do Vox, partido que tem ganhado força desde 2019, e revela que seu apoio se sustenta principalmente em fatores ideológicos, identitários e culturais — e não religiosos ou autoritários, como se poderia supor.

Com base em uma survey realizada entre maio e junho de 2024, e utilizando modelos estatísticos avançados, os autores mostram que o voto no Vox está profundamente enraizado na autodeclaração ideológica à direita, no nativismo (rejeição à imigração) e na oposição às chamadas pautas pós-materialistas, com destaque para a rejeição à Lei Trans. Essa agenda, que garante direitos à população transgênero, tornou-se um dos focos centrais da polarização política no país.

Voto como expressão de identidade

A pesquisa indica que o apoio ao Vox não é fruto de simples insatisfação com os partidos tradicionais ou com a economia. Ele surge como uma forma de afirmação pessoal e política. Para mais de 70% dos eleitores do partido, o Vox reflete sua identidade, seus valores e interesses.

Isso reforça a ideia de que o voto na direita radical hoje está fortemente ancorado em laços simbólicos. Não se trata apenas de uma escolha racional por propostas políticas, mas de um gesto de pertencimento a um grupo com visão de mundo compartilhada.

A força de um nacionalismo cultural

Entre todos os fatores analisados, o nativismo se destacou como o mais potente. Eleitores que rejeitam políticas de regularização da imigração e que apoiam uma visão homogênea de nação têm maior probabilidade de apoiar o Vox.

Nesse ponto, a pesquisa revela dados contundentes: a média de apoio à regularização de imigrantes entre os eleitores do Vox é de apenas 2,6 numa escala de 0 a 10. Para a Lei Trans, o índice é semelhante: 2,5. A rejeição à Lei da Anistia — que beneficia líderes do movimento separatista catalão — também é marcante (0,8), mas teve impacto menor sobre o voto em 2023 do que em pleitos anteriores.

Juventude conservadora?

Um dos achados mais inesperados do estudo é o peso da juventude no eleitorado do Vox. Ao contrário da imagem de um partido apoiado apenas por setores mais velhos e conservadores, o Vox tem conquistado simpatia entre jovens adultos. Quase 50% de seus eleitores têm menos de 44 anos, com destaque para a faixa entre 33 e 44 anos (26,4%).

Esse dado indica que a insatisfação com o sistema político e as mudanças culturais também mobilizam novas gerações, que encontram no discurso nacionalista e reativo do Vox uma resposta às suas inquietações.

Um eleitorado escolarizado e secularizado

Outro dado relevante é o perfil educacional e religioso dos eleitores do Vox. A maioria possui ensino superior (43,2%) ou formação técnica (28%) — o que desmonta a tese de que o partido atrairia majoritariamente setores menos escolarizados.

No aspecto religioso, 71,2% se declaram católicos, mas apenas um quarto é praticante. Quase 30% se identificam com outras crenças ou são não religiosos. Ou seja, a religião tem pouco peso como fator explicativo para o voto no partido.

Entre a polarização e a adesão

Embora os eleitores do Vox manifestem forte rejeição aos partidos de esquerda — 88,8% rejeitam o PSOE e 88% o Sumar —, os dados mostram que esse sentimento não é o principal motor do voto. Ao contrário, o estudo aponta que o eleitorado do Vox tem alto grau de adesão positiva ao partido, com 84% declarando simpatia intensa, e apenas 3,2% se dizendo indiferentes ou contrários.

Essa coesão interna, combinada com rejeição aos adversários, contribui para uma polarização política intensa, mas que, segundo os autores, se dá mais em torno de temas culturais do que de propostas econômicas.

Ideologia, sim. Autoritarismo, nem tanto.

A análise estatística revelou que o fator com maior peso na previsão do voto no Vox é o posicionamento ideológico: quanto mais à direita se enxerga o eleitor, maior a chance de apoiar o partido. O coeficiente de regressão para essa variável foi de 0,48 (p < 0,01), o que indica um efeito significativo: para cada ponto que o eleitor se move à direita na escala de 0 a 10, a chance de votar no Vox aumenta consideravelmente a probabilidade de o eleitor escolher o Vox.

Já o autoritarismo clássico — medido por atitudes como o apoio a líderes que ignoram instituições ou restrições ao direito de protesto — não apresentou significância estatística. Isso sugere que o eleitor do Vox, ao menos em 2023, não rejeita a democracia como sistema. Sua motivação principal está na defesa de uma ordem cultural percebida como ameaçada.

Conclusão: mais cultura do que crise

A principal contribuição do artigo é mostrar que o apoio ao Vox na Espanha não se explica apenas por crises econômicas ou corrupção dos partidos tradicionais. Ele expressa uma reação identitária a mudanças sociais, culturais e morais. A adesão ao partido é sólida, simbólica e baseada em valores compartilhados, especialmente entre os jovens.

A direita radical, segundo Telles e Prata, cresce não apenas nas margens do sistema, mas como um novo centro de gravidade para parte significativa do eleitorado conservador. E sua força vem menos do autoritarismo, e mais do desconforto com um mundo em transformação.


Ilustração da capa: Apoio ao Vox – Imagem gerada por IA ChatGPT

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