Os 400 anos da criação da primeira redução indígena no RS

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Por PAULO TIMM*

Não existe unanimidade entre os historiadores sobre o processo de ocupação do território do Rio Grande do Sul no período colonial. Duas correntes principais se disputam: latinistas e luzitanistas.

Os platinistas, mais antigos, situam o Rio Grande do Sul no Grande Pampa, do qual absorveu não só a geografia física deste bioma, tão propenso à pecuária, mas também os povos primitivos e a densa história dos países vizinhos na construção de suas Repúblicas, uma delas, Uruguai, antiga Província Cisplatina ligada ao Brasil.

Os luzitanistas emergem em meados do século passado e tratam a formação da sociedade riograndense a partir da fundação do Presídio do Rio Grande, em 1737. Consideram o episódio das Missões, aberto pela criação da Colônia de São Nicolau, em 3 de maio de 1626, pelo Padre Roque Gonzalez, como parte da História da Colonização Espanhola. Registre-se que entre 1580 e 1640 Portugal e Espanha estavam unidos sob uma mesma Coroa.

Apesar da divergência, o Governo do Estado resolveu assumir o ano de 2026, relativo à fundação de São Nicolau, como o ANO DO QUARTO CENTENÁRIO DAS MISSÕES. Elogiável a iniciativa do Governador Leite, embora tudo indique que ele desconhece com maior profundidade não só as controvérsias sobre a História do RS, como suas consequências.

Primeiro, ao não propor, nesta ocasião, um amplo debate sobre a matéria, circunscrita que ficou em eventos festivos. Segundo, ao não incorporar na organização destes eventos maior representação dos povos originários, objeto da celebração. A jornalista Valentina Bressan, recolhendo protestos destes, elaborou importante matéria no JORNAL MATINAL, denunciando a grave falha.

“O governo Leite decidiu celebrar os 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis, mas deixou de fora justamente os indígenas, excluídos da organização do evento e também da destinação vultosa de recursos.”

O terceiro e maior erro do Governo do Estado, porém, é o circunscrever as festividades dos 400 anos das Missões à Região dita Missioneira do Estado, sobre a qual foi fundada a primeira onda de reduções jesuíticas. Esta primeira fase, aliás, foi arrasada, logo após, pela ação de bandeirantes paulistas, numa fase em que a ocupação holandesa no Nordeste dificultava a oferta de escravos negros para a nascente São Vicente (SP). Mas os jesuítas insistiriam e voltaram no final do século XVII, dando origem à etapa propriamente “missioneira” deste processo. Daí as ditas reduções se disseminaram por todo o território riograndense, chegando até o Uruguai. A celebração, portanto, dos 400 anos da ocupação missioneira, jamais deveria se limitar à Região das Missões, mas se distribuir sobre todos os municípios onde ela se deu até sua liquidação nas Guerras Guaraníticas de 1756/7. Sepé Tiaraju, aliás, líder da resistência indígena, que consagrou a consigna “ESTA TERRA TEM DONO”, ainda presente no MST, morreu em São Gabriel, não na dita Região Missioneira.

Isso posto, fica a sugestão ao Governo do ESTADo: organizar uma Comissão para a redefinição destas festividades, à qual deverão estar presentes, preponderantemente, organizações representativas dos guaranis, além, naturalmente de membros do Instituto Histórico e Geográfico do RS e historiadores reconhecidos e capazes de melhor calibrar todo este processo.


*Paulo Timm é economista, funcionário aposentado do IPEA, poeta, romancista, professor universitário e editor da Rádio Resumo publicado em A FOLHA, Torres em 31 de janeiro de 2025

Foto de capa: Reprodução

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Uma resposta

  1. Boa proposta, lembrando q a “primeira fase missioneira” foram 18 reduções com distribuição ampla no atual território. Na segunda fase, os “Sete Povos” eram, como canta Vitor Rami”, as sete cidades, que tinha as estâncias mais distantes de onde vinham o gado pra engorde, das vacarias do Mar, ao sul, e dos Pinheirais, ao norte. Ou seja como falou Timm, a experiência missioneira abrangeu o território do moderno RS.

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