Da REDAÇÃO
Relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) enviaram uma carta ao governo brasileiro expressando “grande preocupação” com a operação policial realizada nesta semana no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortos. O documento pede uma investigação independente e urgente para apurar as circunstâncias das mortes e responsabilizar os envolvidos.
ONU denuncia padrão de “limpeza social”
Segundo os relatores, ações como essa evidenciam um padrão de violência sistemática contra comunidades marginalizadas. “Essas mortes — muitas vezes em operações que visam ‘criminosos’ — são generalizadas e sistemáticas, funcionando como uma forma de limpeza social contra grupos marginalizados”, afirma a carta, obtida pelo jornalista Jamil Chade, do UOL.
A ONU pede que o governo adote medidas emergenciais e forneça esclarecimentos sobre as ações tomadas para garantir reparação às vítimas e familiares. Os especialistas alertam para um padrão de policiamento racializado e a permanência de impunidade em crimes cometidos por agentes do Estado. as ações tomadas para garantir responsabilização e reparação às vítimas e suas famílias.
Possíveis execuções e uso desproporcional da força
A carta relata indícios de execuções: corpos com as mãos amarradas, tiros na nuca, invasões domiciliares sem mandado, prisões arbitrárias e uso de helicópteros e drones para disparos. Ao menos 70 corpos foram recolhidos na Praça São Lucas, no Complexo da Penha, zona norte do Rio.
Os relatores também criticam as ameaças de criminalização de familiares das vítimas e de defensores de direitos humanos que atuaram na recuperação dos corpos. O governo do estado anunciou investigações por suposta fraude processual contra essas pessoas.
Demandas dos especialistas
O grupo de relatores cobra do Estado brasileiro:
- suspenção imediata todas as operações em curso que resultem no uso excessivo da força e garanta que não ocorram mais perdas desnecessárias de vidas civis;
- proteção das testemunhas, familiares, membros da comunidade e defensores dos direitos humanos contra represálias e processos judiciais arbitrários;
- preservação de todas as provas e salvaguarde a cadeia de custódia em todos os casos de homicídios ou outras possíveis violações, com vista à responsabilização dos culpados;
- exames e investigações forenses independentes, conforme normas internacionais de direitos humanos;
- cumprimento das normas internacionais sobre uso da força e garanta responsabilização por todas as irregularidades cometidas pela polícia.
Ameaças a familiares e defensores
Os especialistas alertam para as represálias à famílias, moradores e defensores dos direitos humanos que tentaram ajudar ou documentar os fatos. O governo do estado anunciou que iria investigá‑los por fraude processual, segundo os relatores.
“Estamos particularmente preocupados com as represálias contra as famílias e testemunhas. As autoridades devem garantir sua vida, segurança e integridade pessoal, e impedir qualquer forma de intimidação, assédio ou criminalização,” afirmam.
“É responsabilidade das autoridades preservar o local para posterior exame forense.”
Relevância internacional e contexto
O documento reafirma que a ONU e mecanismos regionais de direitos humanos já manifestaram preocupação com o uso excessivo da força por parte das autoridades policiais no Brasil. Esse episódio é visto como mais uma expressão da necessidade urgente de reforma das políticas de segurança pública no país, que segundo os relatores perpetuam “um modelo de violência policial brutal e racializada”.
Eles apelam para que o Brasil rompa “com o legado de impunidade que caracterizou eventos semelhantes no passado”.
Assinaturas
A carta é assinada por:
- Akua Kuenyehia, Tracie Keesee e Victor Rodriguez — membros do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Justiça Racial e Igualdade na Aplicação da Lei;
- Bina D’Costa — Chairperson do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Pessoas Afrodescendentes;
- K.P. Ashwini — Relatora Especial da ONU sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Relacionada;
- Mary Lawlor — Relatora Especial da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos;
- Morris Tidball‑Binz — Relator Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias.
Fonte: Jamil Chade, coluna do autor no UOL.
Foto da capa: Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 – Protesto contra a operação policial que deixou mais de 119 pessoas mortas no Complexo da Penha, em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do Estado. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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ONU, direitos humanos, operação policial, Rio de Janeiro, violência policial, Complexo da Penha, segurança pública, racismo estrutural, execuções extrajudiciais, Brasil, periferia, polícia militar




