Por J. CARLOS DE ASSIS*
Esta semana será decisiva para o destino da economiabrasileira e de uma eventual contribuição da indústria básica, principalmenteas do aço e do alumínio, para a regeneração e expansão de nossa infraestrutura.O Governo deverá anunciar as medidas de apoio aos setores que mais sofreram otarifaço de Trump, de 50% – a maior tarifa do mundo -, e esclarecer para asociedade as razões que justificam suas ações diante das impertinentesagressões comerciais americanas.
Minha expectativa é que sejam escolhas estratégicas nosentido de que contornem o tarifaço e promovam o crescimento acelerado do País,conforme não é apenas desejado, mas possível. Por enquanto, porém, o que éfiltrado das discussões nos setores que preparam as medidas de apoio àsempresas brasileiras expulsas do mercado americano pelo tarifaço é desanimador.Fala-se em subsídios e incentivos, mas não nas contrapartidas que se exigempara isso do empresariado.
No meu entender, há uma linha básica que define o queé fundamental a fazer: o que será pago por nossos impostos não podeconverter-se em subsídio ao consumo americano. Em outras palavras, se vamossuportar, internamente, os custos tributários das ações que vão garantir acontinuidade do funcionamento, aqui, das empresas exportadoras para os EstadosUnidos, os produtos respectivos não podem continuar sendo vendidos para lá;têm, sim, que ser absorvidos no mercado interno.
Como escrevi em artigo anterior, isso não é difícil derealizar no caso de produtos submetidos a tarifas relativamente baixas (10%) ecujos mercados alternativos podem ser encontrados a curto e médio prazos. Oproblema surge quando se trata de produtos de consumo de longo prazo, como é ocaso de insumos industriais como aço, alumínio e outros, para os quais não éfácil encontrar mercados alternativos porque, em geral, são insumos parainvestimentos de longo prazo em infraestrutura.
Entretanto, investimento em infraestrutura é o que nãofalta no Brasil. O principal deles é a renovação e expansão de nossas ferrovias,campo em que somos um dos mais atrasados do mundo, e que compromete de formabrutal a produtividade da economia e a competitividade do nosso comérciointerno e externo. Trocando em miúdos, temos que aproveitar o aço e o alumínioque vão sobrar das exportações canceladas pelo tarifaço a fim de financiar osinvestimentos ferroviários internos.
Aço, alumínio e construção civil pesada são oselementos básicos para os referidos investimentos ferroviários, que podemgarantir a retomada do crescimento do Brasil a altas taxas, em plena vigênciado tarifaço. Porém, há burocratas e tecnocratas no Governo querendo reduzir oapoio a essas indústrias – exceto a da construção, que não exporta – a truquesfinanceiros que atendem exclusivamente aos interesses dos donos das empresas edos banqueiros, e não aos interesses nacionais.
É o caso dos R$ 10 bilhões mencionados pela imprensa comoempréstimos com juros de 3 a 5% ao ano e prazo ainda não especificado, os quaisestão sendo negociados para as indústrias de aço e de alumínio, taxadas em 50%pelo tarifaço. Caso isso se confirme, é um atentado contra os interessesnacionais. Sim, porque isso pode traduzir-se num arranjo espúrio pelo qualessas empresas recebam o dinheiro subsidiado e o apliquem no mercado financeiroa no mínimo 15% (Selic), ficando com a diferença.
Enquanto isso, seria garantido ao consumidor americanoum fantástico subsídio de no mínimo 50%, correspondente à tarifa de Trump, pois as vendas de aço e de alumínio para lánão cessariam. Por outro lado, o mercado real brasileiro seria privado dessesmetais, não obstante sua essencialidade para um programa logístico baseado naconstrução acelerada de ferrovias. Com isso, estaríamos desperdiçando umaoportunidade fantástica de modernizar nossa infraestrutura.
Há alternativa para isso? Há, sim, desde que osburocratas e tecnocratas que ocupam os altos postos na administração federaldeixem suas salas refrigeradas e partam para uma ação emergencial deplanejamento econômico, a fim de reestruturar a logística brasileira. O primeiropasso é recorrer à cooperação com a China, que já se comprometeu em estar “aonosso lado, quaisquer que sejam as circunstâncias”. A China tem largaexperiência na construção de ferrovias em tempo recorde.
Já temos um acordo com Pequim para a construção daferrovia bi oceânica, que ligará o Atlântico ao Pacífico, passando pelo coraçãodo território brasileiro. Juntando com a ferrovia de Carajás, no Norte, e com aferrovia Norte-Sul, ambas já emfuncionamento, estará estruturado o eixo básico de nossa logística, a que sófaltarão ramais complementares para cobrir todo o Brasil. O resultado é quesairemos da situação que nos caracteriza como a pior logística no mundo parauma das melhores.
Se os entreguistas e os ideólogos neoliberais doGoverno não atrapalharem, poderá ser feito, em caráter de emergência, umprograma que contemple: elaboração, junto com consultores chineses, do projetobásico da ferrovia bi oceânica; no prazo desse planejamento, seriam preparadasas licitações, e as construtoras preparariam os equipamentos e máquinas para asobras; com o planejamento concluído, e mobilizado o maquinário necessário, asobras propriamente ditas seriam iniciadas.
Caso não houvesse outros mercados internosalternativos para as indústrias siderúrgica e de alumínio, elas teriam desuspender sua produção e dar aos trabalhadores férias coletivas, subsidiadaspelo Governo, até que se concluísse a construção da infraestrutura para acolocação dos trilhos da ferrovia e recepção dos vagões. Porém, háalternativas: o aumento expressivo da construção de residências populares doprograma Minha Casa Minha Vida, de alto interesse social.
Portanto, se houver mesmo interesse do Governo emproteger nossas indústrias sobretaxadas nos EUA, deve ser buscada uma soluçãosimilar à que estou apresentando. No caso da carne, vital para a proteção doagro, é mais fácil encontrar mercados alternativos no exterior. Mesmo assim, épreciso reforçar o mercado interno, pois a procura de novos mercados internacionaisnão rende resultados instantâneos. E subsidiar parte do mercado interno deproteínas seria de interesse do povo brasileiro.
Um programa de investimentos em infraestrutura implicaconsideráveis gastos públicos. Em determinadas situações, déficitsorçamentários. Isso é apreendido como um fetiche que economistas neoliberaisexploram em favor do mercado financeiro especulativo e do rentismo exacerbadoque existe no Brasil. Seu argumento central é que déficit público gerainflação. Isso é uma bobagem. Fruto de ignorância primária em face das relaçõeseconômicas reais, que devem se sobrepor às financeiras.
Inflação e, em especial, o aumento do custo de vidararamente é um fenômeno monetário. Na essência, é uma relação dinâmica entredemanda e oferta no mercado real. Uma economia capitalista só funciona bem se ademanda aumentar antes da oferta, porque oferta depende de investimento e deprodução, sendo que nenhum capitalista vai investir a fim de congelar parte desua produção nas prateleiras. Ele investe para vender no mercado real, depoisde constatar aumento da demanda.
Os neoliberais são inimigos do crescimento. Nãocompreendem que o investimento público financiado por déficit, quando na fasede um ciclo econômico em alta, gera aumento da produção, da renda e da própriareceita tributária – que cobre o eventual déficit observado no início. Oequívoco consiste em considerar o déficit orçamentário como um dado fixo, e nãouma variável que, ao fim do ciclo econômico, pode tornar-se até mesmo umsuperávit, como aconteceu no segundo governo Lula.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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