O que é Senso Incomum? E se Existir um Dicionário Explicando?

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Design sem nome (56)

Por LÊNIO LUIZ STRECK*

Toda simplificação incorre em um paradoxo, porque, depois de simplificada, a coisa ainda necessita ser explicada. Cria-se um círculo vicioso da simplificação que precisa de outra simplificação. É a Pedra filosofal do Simples.

​No contexto de uma epocalidade marcada pela massificação do conhecimento, a linguagem tende a se reduzir a um puro instrumento por meio do qual se entra em contato com o mundo.

Eis o problema fundamental. Partindo-se do pressuposto – equivocado – de que a linguagem é puro instrumento, cria-se o ideal de torná-la menos complicada. Da abreviação da linguagem, o que sobra é algo sintético. Algo sempre diferente. E algo certamente menor.

Por vezes se diz “não tenho palavras para dizer o que sinto”. Pois é verdade. A palavra é condição de possibilidade para dizer as coisas do mundo. Desde a aurora da civilização essa questão se põe. No primeiro grande livro de filosofia da linguagem, o Crátilo, Platão, pela boca de Sócrates, faz um capítulo cujo fantasma nos persegue até hoje: “Da Justeza dos Nomes”. Por que as coisas e os humanos têm nomes?

A literatura captou bem essa fenomenologia. Já a Bíblia o faz em João, 1, 1: “no princípio era o verbo”. Graciliano Ramos, em Vidas Secas, bem mostra isso: falo de quando os filhos de Fabiano entram pela primeira vez na cidade.  “Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes”.

Mais tarde, Gabriel García Márquez, em Cem Anos de Solidão, também retorna ao mito bíblico do logos: “naquela pequena Macondo, as coisas ainda eram tão recentes que, para dirigirmo-nos a elas, ainda precisávamos apontar com o dedo. Porque elas ainda não tinham nome”.

Como nomeamos? Temos as palavras? Por vezes temos de construir novas e até mesmo criar conceitos para que as coisas lhes caibam melhor.

Por isso, escrevi o dicionário que chamei de Senso Incomum – Mapeando as perplexidades do Direito. Dizendo pela primeira vez aquilo que está dito. Ou não.

São 111 verbetes. Bom, agora eu já não preciso dizer “estou sem as palavras para dizer isto ou aquilo…”. Por exemplo, para os casos em que o advogado clama pelos direitos de seu cliente e ninguém o ouve, tenho o verbete Gaslighting Jurídico. Para os casos de ignorância endêmica, leiamos o verbete “Saber Nenhum”. Quando alguém mistura textualismo com voluntarismo, eis o verbete Anarco Textualismo. E que tal o Direito Fofo, para aquelas interpretações erradas, mas que ninguém pode discordar?

E o que dizer das Concursocracias da Prosperidade que se espalham como autoajudas jurídicas? E o Neopentecostalismo jurídico? Quando alguém quer sustentar que “isso é assim mesmo, não adianta reclamar”, deve abrir o Dicionário no verbete “Próteses para Fantasmas”.

E assim por diante. O Dicionário também é uma boa vacina contra o Homo WhatZapiens. E ajuda você a fugir do Homem Comum do Direito. E da Mulher Comum, é claro. Bom, tem também o Terraplanismo Jurídico. Enfim, são 111 verbetes. São muitos anos de observação.

Dar nome às coisas. Eis o desafio desde a aurora da civilização. O Dicionário tem essa pretensão nomotética. Nomos é lei. Nomoteta: o que dá nomes.

No Direito, algumas coisas ainda são tão novas que ainda precisamos apontar om o dedo. Ou consultar o Dicionário Senso Incomum.

Boa leitura.

Clique aqui para acessar.


*LÊNIO LUIZ STRECK é jurista conhecido por suas publicações sobre filosofia do direito e hermenêutica jurídica. É professor da pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, e atua como advogado. Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. É membro do Grupo Prerrogativas.

foto de capa: Divulgação

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