O Enigma de Odete Roitman: o crime que parou o Brasil

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Por JORGE BARCELLOS*

Em uma postagem nas redes sociais, a docente Celi Pinto externou seu descontentamento com o fato de que as pessoas perdem seu tempo perguntando “Quem matou Odete Roitman?”, o que considera algo fora da luta de classes em que vivemos. Minha questão surge a partir dessa observação, mas a inverte e a aprofunda: se nos dedicamos a essa superficialidade, não seria porque ela também contribui para a luta de classes? Além disso, uma pergunta relevante que precede isso: e se a luta de classes for igualmente significativa no aspecto simbólico quanto é na realidade? E uma última: e se, por essa razão, perdemos de vista o verdadeiro território que ela representa, que é o de um enorme empreendimento fundamentado em uma morte?

Para começar, vamos à análise simbólica. Vale Tudo, como qualquer produto de televisão, especialmente a mais antiga, é objeto de diversos estudos acadêmicos que analisam a novela como uma metáfora do país (disponível em https://abre.ai/nLNE) ou como uma representação da corrupção da elite nacional (disponível em https://abre.ai/nLN9). Essas pesquisas se baseiam nos estudos da Escola de Frankfurt, cuja noção de indústria cultural, proposta por Theodor Adorno e Max Horkheimer, possibilitou a análise das novelas como produtos culturais que não apenas refletem, mas também perpetuam as ideologias e as relações de poder predominantes na sociedade. Essas pesquisas permitem observar como as narrativas são padronizadas e como o consumo se transforma em entretenimento. Além disso, mesmo a inclusão aparente de temas críticos é vista por alguns como uma nova forma de alienação, que promove o conformismo social e perpetua o status quo. Os cenários, enquanto espaços de manifestação das condições sociais, também representam tais contradições através da maneira como são narrados, descritos, construídos, contribuindo para a manutenção de hegemonias (disponível em https://abre.ai/nMqk).

Os limites da televisão dramática

O problema é que uma novela pode abrigar tramas que narram conflitos sociais, de raça, de gênero ou de classe, e até servir como espaço de resistência social, mas ainda é limitada pelo seu formato. A razão reside na lógica comercial que envolve o produto, pois o imperativo do mercado prevalece: até que ponto estamos transformando a questão racial quando a novela apresenta personagens negros utilizando e vendendo produtos criados para o consumo de pessoas negras, e assim por diante? A intenção aqui é esclarecer que, embora o formato de novela possa ser uma forma válida de expressar lutas, o verdadeiro problema reside na capacidade de identificar as limitações impostas pela lógica do mercado (conforme https://abre.ai/nMqp).
Não tenho nada contra assistir a novelas, eu mesmo assisto. Sou aposentado, o que posso fazer? Assim como os doramas que acompanho, gosto de refletir sobre o que significam para a nossa cultura. Atuando como um reflexo distorcido das contradições sociais, as novelas fazem parte de uma indústria que também apresenta suas próprias tensões e narrativas. O que realmente me desperta interesse é o processo de reconstruir a formação de significados e as disputas políticas e econômicas que sua produção envolve, no contexto dos estudos do gênero. Após os estudos da Escola de Frankfurt, a concepção da televisão como um dispositivo ideológico se desenvolveu significativamente. Stuart Hall, em sua Teoria dos Estudos Culturais, ofereceu uma base para compreendermos as codificações e decodificações presentes em seus produtos; Pierre Bourdieu possibilitou a análise de como a telenovela reproduz habitus e campos culturais, uma vez que as estruturas dominantes não conseguem perpetuar a desigualdade. De fato, até mesmo escritores mais à esquerda, como Antonio Gramsci, que elaborou a ideia de guerra de posições, ajudam a entender que, nas empresas de comunicação enquanto instituições, também existem áreas de confronto entre valores conservadores e progressistas.

A novela enquanto espaço do fetichismo

 
Robert Kurz é um filósofo e sociólogo da Alemanha que se destacou por sua crítica contundente à modernidade e ao sistema capitalista, especialmente por meio da retomada e atualização dos conceitos de “valor” e “fetichismo” de Marx. No campo das novelas, ele não é um autor que costuma ser mencionado de forma direta, mas é possível aplicar alguns de seus conceitos de maneira indireta para compreender a crítica social que está inserida nas histórias e sua função dentro do sistema cultural. Autores como ele, através de sua análise do fetichismo da mercadoria, permitem recuperar o caráter oculto das narrativas de telenovelas, o que significa verificar os aspectos fetichistas da própria Odete.

Certamente, não são apenas escritores da área social vinculados à esquerda que fornecem análises sobre as novelas, uma vez que a psicologia social contemporânea também traz contribuições relevantes. Moustapha Safouan, um dos primeiros discípulos de Lacan, empenhou-se na análise cultural e na ligação entre a linguagem e a ordem social. Quando observamos o êxito de Odete Roitman por meio de frases que, para muitos, indicam a forma como as coisas devem ser, ela assume o papel simbólico de uma mulher em relação ao matriarcado que superou o papel paterno. Ela reinterpreta o papel feminino enquanto também o personifica no contexto do consumo. Ela é, devido à sua representação teatral, uma mulher abastada. O fato de o poder feminino ter uma origem econômica gera uma tensão no campo simbólico que envolve a mulher. Na psicanálise, a figura da mulher pode, em certos momentos, personificar a relação com a falta, o desejo e a lei social. No entanto, seu papel como Outro se manifesta, sobretudo, como um exercício de poder e uma manipulação da dinâmica familiar. O que torna sua personagem verdadeiramente cativante é sua habilidade ilimitada de estabelecer e definir limites em um mundo que se caracteriza pela ausência deles. Esse conceito, por sua vez, é precisamente o que o título “Vale Tudo” representa. Mais do que uma vilã, ela personifica a autoridade e desafia a ideia de submissão feminina. Mas, afinal, a quem Odete Roitman se submete?

Sua morte, que é o foco principal da novela, simboliza a tensão entre a lei e o desejo, a manutenção da norma social e as possíveis transgressões. Odete, como representação do superego rigoroso, age como o nome-do-pai que estabelece uma ordem, mas também é desrespeitada por outros personagens, o que expõe o confronto entre a autoridade simbólica e as forças do inconsciente e da pulsão. No plano simbólico, ela também pode ser interpretada como um ideal-ego feminino distorcido ou com características de uma mãe persecutória, representando medos e desejos opostos relacionados ao poder feminino e à sua conexão com a castração simbólica. O poder de Odete reside, portanto, na dualidade entre um poder autônomo e uma função estrutural no equilíbrio das forças sociais e psíquicas da narrativa.

A manipulação como recurso dramático

Entretanto, Odete Roitman não é a primeira personagem a ser manipuladora. A manipulação familiar, aliás, é um elemento recorrente e frutífero na dramaturgia. Hans Galindo, na trama Família é Tudo, interpretava um personagem que era tanto ambicioso quanto traiçoeiro. Filho de Catarina, ele auxilia na administração da Mancini Music e faz o possível para ser visto como o sucessor da empresa, manipulando tanto seus familiares quanto as decisões corporativas. Brenda Monteiro, na mesma trama, é uma mulher controladora e obcecada em preservar os laços familiares e o domínio sobre os negócios do filho Tom e da ex-nora Paulina. Leide, em Mania de Você, é uma personagem que controla a família, arma contra Berta e usa estratégias traiçoeiras no seio familiar para dominar situações e negócios.

Se é uma característica das novelas apresentar a manipulação do negócio familiar como um conflito central repleto de tensões e disputas pelo controle da fortuna e do poder, é claro que temas como ambição, traição, jogos de poder, alianças e rivalidades entre os membros da família que administram um negócio em conjunto também serão explorados. Ao mesmo tempo em que normaliza a manipulação emocional dos personagens, ela expõe. No entanto, isso é capaz de gerar uma reflexão sobre as consequências que traz às dinâmicas familiares ou apenas nos deixa atordoados? Se os personagens nos mostram, por meio de suas ações, como são as relações pessoais que se baseiam no poder e no controle, como podemos nos tornar mais conscientes para transformar as nossas próprias relações sociais e familiares? A questão é que não conseguimos superar a própria dramaturgia que nos é oferecida, e a empresa Rede Globo tem plena consciência disso. Ela investe no mistério dramático de Vale Tudo como atrativo para o público.

Segundo uma reportagem do portal G1 (disponível em https://abre.ai/nMOQ), foram gravadas pelo menos dez finais diferentes para determinar quem foi o responsável pela morte de Odete Roitman: não apenas Marco Aurélio, Maria de Fátima, César, Celina e Heleninha. Mas também alternativas. No folhetim Paraíso Tropical (2007), o assassinato de Taís (irmã gêmea da protagonista Paula) gerou uma expectativa até que o suspeito, o vilão Olavo, foi confirmado como o assassino no último capítulo, após uma intensa mobilização do público (disponível em https://abre.ai/nMOR). No romance Celebridade (2003), a morte de Lineu Vasconcelos causou alvoroço com a suspeita vilã Laura, que foi confirmada como a assassina no final, embora houvesse outros finais não exibidos (disponível em https://abre.ai/nMOU). Essa maneira de estruturar a dramaturgia em novelas atingiu seu clímax em A Próxima Vítima (1995), que foi uma novela repleta de assassinatos em série, estabelecendo um mistério constante sobre quem era o assassino em série, o que manteve os telespectadores envolvidos e fazendo teorias durante toda a exibição (disponível em https://abre.ai/nMOV).

Os limites que Odete estabelece

 
No livro “Em Um Mundo Sem Limites” (Cia de Freud, 2004), o psicanalista Jean-Pierre Lebrun discute o enfraquecimento da autoridade paterna, que é um elemento essencial para que a criança consiga acessar a dimensão simbólica e para a formação da realidade psíquica no indivíduo. Se o pai é “o primeiro estranho”, segundo a definição de Lebrun, a mãe representa aquele outro que a criança precisa diferenciar de si mesma. O que o personagem de Odete Roitman faz é tentar mudar os termos dessa relação, nos oferecendo uma mãe que chega a rejeitar seus filhos. Enquanto, na psicanálise, a mãe desempenha em parte a função do pai, Odete Roitman realiza essa função por meio de sua indumentária empresarial, um dos aspectos frequentemente citados de seu personagem. No entanto, se ela é, segundo Lacan, uma “Mãe Simbólica”, é porque “introduz na falta, ainda que seja pela alternância de sua presença e de sua ausência” (p.40). Em um mundo onde a figura paterna é frequentemente ausente, Odete Roitman se destaca como uma referência. É fundamental observar com atenção um mundo de símbolos que envolve as interações familiares, pois essas relações podem não refletir a realidade.

Há uma observação feita por Charles Melman em O homem sem gravidade (Cia de Freud, 2008). Quem sabe essa comoção gerada pela morte de Odete Roitman tenha relação com o que o autor menciona como “o desaparecimento do caráter sagrado da morte” (p.20). Nessa perspectiva, o autor fica horrorizado com uma sociedade que encontra prazer no espetáculo da morte, não se tratando da embriaguez de outrora, onde Dionísio era uma referência, mas do fundamento que se almeja para edificar uma nova economia psíquica. É verdade que a morte é representada na cultura, mas sua repetição até o cansaço só se torna evidente quando percebemos que há apenas um personagem que não aparece quando perguntamos “Quem matou Odete Roitman?”. Embora seja talvez o mais evidente, sua importância reside em conectar o resultado da dramaturgia ao que realmente é. Aqui, a superficialidade se transforma em uma tática de combate social; o domínio do que é simbólico atende precisamente àquilo que, de fato, é um produto comercial que se vende. É necessário eliminar Odete Roitman, pois essa reviravolta dramática atrai audiência.

Aqui se inicia a segunda parte da minha argumentação. É preciso ir além do simbólico, é necessário investigar a própria trajetória da novela e analisá-la como uma produção porque ela nos revela sua posição dentro de uma estrutura econômica bem estabelecida em nosso país. Na trama original “Vale Tudo” (1988-1989), a personagem Odete Roitman, interpretada por Beatriz Segall, foi morta por engano. O assassinato ocorreu na mesma noite em que Odete teve uma briga com Marco Aurélio, a quem ela acusava de desviar milhões da empresa TCA. Em seguida, outros personagens, como César e Maria de Fátima, surgem em situações que levantam suspeitas, especialmente enquanto Heleninha estava embriagada em um bar. A cena em que ocorre o assassinato inclui disparos de arma de fogo, mas o corpo de Odete só é encontrado mais tarde no apartamento. A questão de quem a matou permeou a narrativa, envolvendo personagens e espectadores. No final, ficou claro que a verdadeira assassina era Leila (Cássia Kiss), mas ela disparou acreditando que estava atingindo Maria de Fátima, a esposa de seu marido. Dessa forma, a morte de Odete Roitman se configura como um trágico equívoco no contexto da rivalidade e das tensões entre os personagens.

Quem foi o responsável pela morte de Odete na versão original e como isso foi ressignificado atualmente


No último capítulo da novela original “Vale Tudo”, que foi ao ar em 9 de janeiro de 1989 (veja em https://abre.ai/nL3b e https://abre.ai/nL3j), foi revelado quem matou Odete Roitman. Após muitas suspeitas e investigações que envolveram o mordomo Eugênio, Marco Aurélio, César e Leila, descobriu-se que Leila era a assassina. No enredo, Leila, impulsionada pelo ciúme, seguiu seu marido, Marco Aurélio, até o apartamento onde Odete o estava confrontando sobre desvios financeiros. Ao chegar, Leila se apoderou da arma de Marco Aurélio e disparou contra uma sombra que se encontrava atrás da porta, acreditando tratar-se de Maria de Fátima, amante de Marco Aurélio, mas, por engano, acabou matando Odete. A revelação de quem assassinou Odete Roitman foi um grande choque, mas o enredo se torna realmente intrigante e dentro desta abordagem quando recordamos que foi realizado um concurso aberto ao público para tentar adivinhar quem foi o autor do crime, atraindo milhões de apostas. A narrativa retratou a fuga de Leila e Marco Aurélio para fora do país após o crime, permanecendo impunes na trama.

Naturalmente, enquanto dramaturgia, é fundamental dar destaque à interpretação da atriz, já que se trata também de um espetáculo televisivo. É, resumindo, diversão. No entanto, existem diferenças interessantes entre a interpretação da atriz que a precedeu e a da atual, e talvez isso seja relevante para o tipo de impacto que a novela teve junto ao público. A atriz Débora Bloch, que dá vida a Odete Roitman na nova versão de “Vale Tudo” (2025), incorporou algumas características e abordagens distintas em relação à atuação de Beatriz Segall, que interpretou a personagem na versão original de 1988, o que a alinha diretamente ao imaginário que o mercado deseja disseminar para uma geração de mulheres vistas como… consumidoras!
Débora Bloch aponta o peso de pegar um personagem tão icônico e a responsabilidade de dar uma nova vida à personagem, o que também é verdade, já que ela também busca um personagem forte, complexo e que conectou muito com o público atual, graças a uma história e elenco comprometidos (disponível em https://abre.ai/nL4d). Diferente de Beatriz Segall, que construiu uma personagem autoritária, gelada e sem piedade, os matizes de Debora Bloch trouxeram modernidade para Odete, dando-lhe o perfil de uma mulher forte, atual, com um toque de sofisticação e fragilidade, acompanhando as atualizações da trama e do contexto (disponível em https://abre.ai/nL4p e). O figurino e a caracterização da nova Odete foram meticulosamente elaborados para criar uma imagem que é comercializável, associando certos comportamentos a produtos. Suas roupas de grife, além de elegantes, evocam uma sensação de poder e autoridade, ao mesmo tempo em que refletem o panorama do mercado contemporâneo (disponível em https://abre.ai/nL4u ).

O ritual da morte é superado no mercado

 
Aqui começa o argumento da segunda parte: a de que uma morte na novela, definitivamente, é lucrativa. A questão “Quem matou Odete Roitman?” na novela “Vale Tudo”, de 1988, fomentou não somente uma forma de sociabilidade entre os telespectadores ao criar um mistério coletivo que mobilizou e gerou o debate entre milhões de pessoas em todo o Brasil. No final das contas, o diálogo é algo que ainda precisamos, especialmente diante dos isolamentos causados pelas redes sociais. Essas manifestações ocorreram devido ao suspense que paralisou a nação, fazendo com que famílias, amigos e vizinhos se juntassem para debater possíveis responsáveis e teorias durante a exibição dos capítulos. Esse intercâmbio de experiências criou uma vasta rede social de interações e discussões em múltiplos contextos sociais (disponível em https://abre.ai/nL49). É por isso que a novela fez tanto sucesso: na primeira, a patrocinadora (Nestlé) lançou um concurso público oficial em que os telespectadores enviavam cartas tentando adivinhar quem era o assassino. Quando o público se envolve com a história, eles aceitam.

Antigamente, antes das redes sociais, essa era a maneira de o mercado chamar a atenção. O enigma despertou um grande envolvimento popular, com cerca de 3 milhões de cartas recebidas (disponível em https://abre.ai/nL49).A Rede Globo entende que, para esse modelo comercial ser eficaz, a expectativa gerada pelo mistério deve aumentar continuamente, o que a leva a gravar vários finais para não revelar quem é o assassino, intensificando a participação emocional do público e o interesse em discutir o assunto com outras pessoas, criando laços sociais a partir do acompanhamento da novela em conjunto (disponível em https://abre.ai/nL5l). O que é curioso no fenômeno contemporâneo é que a novela passa a utilizar estratégias de marketing que não estavam presentes na primeira versão, como a prática de associar o texto publicitário ao texto narrativo da novela. Estamos no bloco comercial com a novela em alta, exatamente como na sua criação. Como é do conhecimento geral, o intervalo comercial foi estabelecido exatamente para distinguir, para o público, a dramaturgia do ambiente comercial.

Desde o rádio, interrompesse a programação para fazer menção aos patrocinadores. Não hoje. Em um mundo onde o mercado reina absoluto, os intervalos comerciais se tornam intermináveis, entrando e saindo da narrativa de maneira descontrolada. Há anúncios integrados à trama, conhecidos como merchandisings, além de comerciais que estabelecem conexões com a novela. Esse espaço simbólico é recente e requer investigação: compreendo que ele busca estabelecer uma conexão direta entre nossa fantasia e o produto. Ele está presente para demonstrar que a representação simplificada da realidade – a novela – só existe quando ligada ao consumo. O mercado é a divindade: apenas através dele, Odete Roitman, que encontra a morte na novela, pode voltar à vida.

O marketing em torno da morte de Odete Roitman nas novelas “Vale Tudo” de 1988 e do remake de 2025 teve estratégias diferentes, cada uma alinhada às tecnologias e costumes do seu público, mas com um grande impacto em ambas as épocas. A publicidade na novela original de 1988 possuía certas características. A primeira delas é que, na última fase da novela, a morte de Odete Roitman se tornou um fenômeno cultural, e as campanhas de marketing foram feitas principalmente através de comunicação direta, como o famoso concurso “Quem matou Odete Roitman?” Realizado em colaboração com a marca Maggi, que estimulou os telespectadores a enviarem cartas com seus palpites — foram mais de 3 milhões, o que gerou um grande envolvimento (disponível em https://abre.ai/nL5C). O product placement também era forte, com marcas pioneiras como Gradiente, Nestlé e Banco Real inseridas na rotina dos personagens. Uma das campanhas mais memoráveis foi o adiamento da cena da morte devido a um comercial da CODISEG (uma seguradora), que usava o slogan “Faça seguro. A gente nunca sabe o dia de amanhã”, ligando o spoiler à expectativa pela morte da personagem.

Uma invasão de anúncios

 A publicidade na novela remake de 2025 mostra que o marketing se modernizou para se adequar à era digital, utilizando as redes sociais para criar perfis autênticos dos personagens. Por exemplo, o Instagram da Maria de Fátima não apenas interage com os seguidores, mas também realiza anúncios, o que estreita a relação entre o público e a ficção, gerando um engajamento digital que atinge centenas de milhares de seguidores. Foram fechados inúmeros patrocínios e merchandising, tanto na programação quanto nos intervalos comerciais, totalizando dezenas de marcas parceiras. A morte de Odete Roitman foi ligada a uma ação de product placement com a marca OMO, que estreou um break contextualizado logo depois da cena da morte, brincando com as várias versões da cena gravadas para o suspense final da novela. Esse acordo, que também é retratado na história ao lado de outros personagens, gera uma receita publicitária de milhões para a emissora (disponível em https://abre.ai/nMPn). O marketing de 2025 integra a experiência do público com entretenimento interativo e consumo, por meio de conteúdos digitais e publicitários sob medida para a audiência atual, estabelecendo um ecossistema que transcende a televisão convencional.
O efeito comercial das ações publicitárias em “Vale Tudo” tem sido histórico para a Globo, com a novela se tornando a trama das 21h com maior faturamento comercial na história da emissora. A partir de setembro/outubro de 2025, “Vale Tudo” negociou cerca de 87 ações comerciais envolvendo 23 marcas diferentes, incluindo patrocinadores de peso como Itaú, Vivo, Coca-Cola, Ambev, Uber, Dove, Omo, Amazon e outras (disponível em https://abre.ai/nL7h). As chamadas publicitárias já arrecadaram mais de R$ 200 milhões, batendo recordes de novelas recentes como “Pantanal” (2022) e sendo a novela mais lucrativa da faixa das 21h da Globo (disponível em https://abre.ai/nL7i). A novela chegou a mais de 141 milhões de pessoas, especialmente os jovens de 18 a 34 anos, e ampliou a exposição das marcas investidas (disponível em https://abre.ai/nL7l).

Essas ações abrangem a integração à narrativa, conteúdo multiplataforma, perfis sociais dos personagens e anúncios contextuais, o que resulta em maior engajamento e visibilidade para as marcas. Para se ter uma ideia do resultado prático, Zé Delivery registrou um aumento de 65% nos pedidos, a Vivo obteve mais de 60% de conversões via QR Code, e marcas como Electrolux e Comfort tiveram picos de buscas no Google. Assim, a estratégia de marketing e merchandising alinhada aos momentos mais impactantes da história, como a morte de Odete Roitman, tem impulsionado os lucros da Globo, fazendo de “Vale Tudo” um case de sucesso comercial e comercialização inovadora em produções televisivas no Brasil (https://abre.ai/nL7L).

Um mercado que une a televisão às redes sociais

As redes sociais possibilitaram que as empresas se comunicassem diretamente com seu público-alvo, aumentando a conscientização da marca e promovendo engajamento através de conteúdo interativo, resposta a perguntas e interação com os consumidores, o que solidificou a fidelização (disponível em https://abre.ai/nL77). O aumento do alcance, combinado com a segmentação precisa das campanhas, direcionou anúncios e conteúdos para perfis específicos que estavam mais propensos a comprar, maximizando as taxas de conversão. Os posts nas redes tinham um potencial de compartilhamento rápido, o que favorecia a viralização e impulsionava o tráfego para os produtos (disponível em https://abre.ai/nL8b). Há uma enorme quantidade de recursos estimados em sua produção. Hoje, um capítulo de novela da Globo custa em média de R$ 500 mil a R$ 1 milhão para ser produzido, levando em conta a complexidade das gravações, locações, elenco e equipe técnica. Para produções de alto padrão e grande porte, como “Vale Tudo” (2025), o valor tende a se aproximar ou superar essa faixa devido ao alto padrão da produção (disponível em https://abre.ai/nMof).

No que diz respeito aos salários dos cinco principais atores das novelas do horário nobre da Globo, apesar de não haver uma divulgação oficial dos valores, estimativas de fontes do mercado audiovisual apontam que Débora Bloch ganha entre 300 e 500 mil reais por mês, Cauã Reymond, entre 350 e 550 mil, e Taís Araújo, de 400 a 600 mil mensais. Esses valores dependem do contrato, da fama do ator, da duração da contratação e da extensão da participação. Em obras de grande êxito e repercussão, como “Vale Tudo”, a remuneração pode ser maior, em função do potencial comercial e publicitário da trama (disponível em https://abre.ai/nMom, https://abre.ai/nMoo e https://abre.ai/nMop). É evidente que há uma diferença salarial significativa entre os atores de primeiro e segundo escalão. Porém, os próprios veículos de comunicação revelam discrepâncias significativas, o que aumenta o mistério e indica que os envolvidos seriam atores com salários relativamente baixos, se comparados aos padrões globais: Bella Campos (Maria de Fátima) ganharia cerca de R$ 60 mil por mês, enquanto Humberto Carrão receberia cerca de R$ 500 mil por produção.

Um produto abrangente de marcas.

Esses dados indicam que certos atores recebem um salário mensal, enquanto outros concordam com um pagamento único pelo tempo total que participam do remake, um modelo bastante comum nas negociações mais recentes da Globo, que é a forma mais avançada da precarização: nada de contratos que ultrapassem a casa dos milhões, há apenas aqueles selecionados que as alcançam. Os preços são elevados e evidenciam o prestígio e a relevância da novela na programação, de acordo com reportagens de diversos portais, como Terra, UOL, Gazeta de São Paulo e Aloalo Bahia, publicadas desde abril (https://abre.ai/nMov, https://abre.ai/nMox, https://abre.ai/nMoz). Enquanto “precariza” (sic) seus atores, as cotas de patrocínio em “Vale Tudo” 2025 em relação às marcas que são patrocinadoras, a Globo comercializou cotas de patrocínio para 23 marcas, entre elas, Itaú (patrocinador principal da faixa da novela), Vivo, BYD, Coca-Cola, Ambev, Uber, Dove, Omo, Comfort, Amazon, Paramount, Johnson Baby, Electrolux, Ram, O Boticário, Hapvida, L’Oréal, Chilli Beans, Cimed, Abbott, Copagaz, Tintas Coral e iFood (disponível em https://abre.ai/nMP8). Os valores das cotas foram segmentados em 3 categorias, de acordo com o tempo que o anúncio ficará nos intervalos: 15 segundos por cerca de R$ 745 mil, 30 segundos por cerca de R$ 999 mil e 30 segundos na “primeiríssima” posição (primeiro bloco) por até R$ 1,2 milhão, com um adicional de 20% caso se escolha o horário preferido no intervalo (disponível em https://abre.ai/nMQa).

Existem também as chamadas ações especiais, como a inserção contextualizada com a cena da morte da vilã Odete Roitman, em que os valores de patrocínio podem variar de R$ 2 a 3 milhões, chegando a R$ 10 milhões para as posições mais estratégicas e relevantes (disponível em https://abre.ai/nMQb). Até agora, as ativações comerciais em torno da novela geraram um faturamento de mais de R$ 200 milhões, segundo a Globo, e na reta final os espaços de patrocínio estão quase todos vendidos. “Vale Tudo” já ultrapassou R$ 200 milhões em receita comercial, oriunda de 76 ações publicitárias com 23 patrocinadores distintos, e se tornou a novela das 21h mais rentável da história da Globo, batendo recordes recentes como “Pantanal”. Com um custo que gira em torno de R$ 40 a 70 milhões (produção + merchandising), sendo essa uma estimativa alta levando em conta toda a produção e ativações, o lucro bruto estimado varia entre R$ 130 a 160 milhões. Não é por nada que é uma gigante do setor: no primeiro trimestre de 2025, a Globo registrou uma receita líquida de R$ 4,1 bilhões, com um lucro operacional de R$ 647 milhões, levando em conta todas as áreas em que atua, como TV aberta, streaming, canais pagos e publicidade (disponível em https://abre.ai/nMQg). Embora não existam dados públicos que detalhem exclusivamente os lucros das novelas, é sabido que obras como “Vale Tudo” representam uma fração significativa da receita publicitária da Globo e funcionam como produtos centrais para o faturamento televisivo.

Minha conclusão é que a pergunta “Quem matou Odete Roitman?” também está dentro da luta e classes, nem que seja, a dos aspectos imaginários dela. Ela é de uma superficialidade sim, mas a vida também é feita de coisas efêmeras, como os debates na mesa de um bar. Se podemos ver através da novela um pouco da luta social em que vivemos, a dramaturgia terá cumprido sua função, o que é difícil, dados os próprios limites impostos pelo mercado. Precisamos compreender melhor as lutas no plano imaginário, as determinações da novela como produto da indústria cultural e se a pergunta sobre a morte de um personagem nos diz algo, é que até nesse universo dramático, a morte, como no mundo real, assume um valor comercial. Ela vende. E se achamos isso natural, é porque o capitalismo avançou um passo a mais na conquista de nossas consciências.


Atenção: este texto foi gerado com a ajuda de Perplexity IA na coleta de informações, que foram organizadas a partir da minha argumentação. No próximo ensaio que publicaremos em RED, traremos essa experiência e nossas observações sobre os benefícios e desafios da utilização da IA em ensaios acadêmicos, baseando-nos em posições recentes da pesquisa em Ciências Humanas.


Publicado originalmente Sler.

*Jorge Barcellos é graduado em História (IFCH/UFRGS) com Mestrado e Doutorado em Educação (PPGEDU/UFRGS). Entre 1997 e 2022 desenvolveu o projeto Educação para Cidadania da Câmara Municipal. É autor de 21 livros disponibilizados gratuitamente em seu site jorgebarcellos.pro.br. Servidor público aposentado, presta serviços de consultoria editorial e ação educativa para escolas e instituições. É casado com a socióloga Denise Barcellos e tem um filho, o advogado Eduardo Machado. http://lattes.cnpq.br/5729306431041524

Foto de capa:  Reprodução/TV Globo

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