O Crime que Move o Mundo

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Por CELSO JAPIASSU*

Existe um universo paralelo àquele em que vive a maior parte da Humanidade socialmente organizada e regida por leis, constituições, células familiares e códigos de ética.

É como se fosse uma outra dimensão da realidade. À sua sombra existe e se desenvolve um mundo distante da normalidade da organização social, das economias formais e dos governos eleitos. Atua como uma força global com poder de mover bilhões em dinheiro de qualquer moeda, corromper instituições e moldar destinos. É o mundo do crime, o submundo. De grandes cartéis de drogas a redes de cibercrime, trata-se de um tipo de organização que ultrapassa fronteiras e desafia os Estados.

As organizações criminosas modernas não são apenas grupos violentos. São empresas clandestinas altamente estruturadas, com hierarquias, estratégias de expansão e departamentos financeiros dedicados à lavagem de dinheiro. De acordo com estimativas da ONU, o lucro anual dessas atividades ilícitas ultrapassa trilhões de dólares — uma soma comparável ao PIB de países inteiros.

No maior mercado mundial, os Estados Unidos, só a cocaína movimenta mais de 100 bilhões de dólares por ano. Estima-se que de 20 a 30 por cento dos fluxos ilícitos globais sejam lavados nos EUA, o que representa cerca de 300 bilhões de dólares por ano. A lavagem de dinheiro proveniente do tráfico é feita por meio de bancos, fintechs e empresas de fachada. Um exemplo recente é o TD Bank, multado em 3 bilhões de dólares por facilitar transações de redes de lavagem de dinheiro ligadas ao tráfico.

A influência do crime vai além da economia. Em vários países, a corrupção alimentada por esses grupos infiltra-se nas instituições públicas, compra proteção política e distorce o funcionamento da justiça. Quando a lei é negociável e o medo domina as ruas, a confiança pública e a própria sociedade desmoronam.

Em muitos bairros periféricos e zonas de conflito, o crime organizado assume o papel que o Estado deixou vazio. Garante renda, “segurança” e até serviços sociais a comunidades abandonadas. Essa relação de dependência aprofunda o ciclo de dominação e violência, transformando chefes de gangues e líderes de cartéis em chefes de poder local.

Trilhões

O problema não se limita aos países produtores ou às regiões mais violentas. O consumo global — de drogas, produtos falsificados ou conteúdos digitais pirateados — é o combustível dessa máquina. Cada transação ilegal, direta ou indireta, reforça o alcance das redes criminosas.

O crime organizado influencia os setores formais da economia e se infiltra cada vez mais no mercado financeiro através de sofisticados mecanismos de lavagem de dinheiro e aquisição de empresas legais.

O movimento financeiro das organizações criminosas encontra-se entre US$ 2 e US$ 3 trilhões por ano, valor equivalente ao PIB de grandes economias como a França. Segundo dados da ONU, apenas o narcotráfico representa cerca de US$ 320 bilhões anuais, seguido por falsificação (US$ 250 bilhões), tráfico humano e contrabando de petróleo. No Brasil, o crime organizado faturou em números de 2022 ao menos R$ 146,8 bilhões em negócios legalizados.

A infiltração do crime organizado no mercado financeiro é feita pela lavagem de dinheiro, estimada entre 2% e 5% do PIB mundial (US$ 1,5 a US$ 2 trilhões anuais). Essas organizações utilizam empresas de fachada, fintechs, fundos de investimento e até bancos paralelos para ocultar a origem ilícita dos recursos e blindar o patrimônio dos reais beneficiários.

Um exemplo é o uso de fintechs e fundos de investimento por facções brasileiras, como o PCC, que movimentaram R$ 46 bilhões por intermédio de contas não rastreáveis e operações de compra de empresas em diferentes setores, como energia, transporte e imóveis. O setor de combustíveis é um dos preferidos, pela facilidade em misturar dinheiro lícito e ilícito em grandes cadeias produtivas.  Grandes setores tornam-se dependentes do capital criminoso, que alimenta a corrupção, fragiliza o Estado de direito e reduz a confiança pública nos sistemas financeiros nacionais e internacionais.

Os grandes negócios

A lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais é um negócio de enormes proporções, responsável pela introdução de mais de US$1 trilhão anuais nos sistemas financeiros, segundo o Fórum Econômico Mundial. O dinheiro do crime, uma vez lavado, entra no mercado financeiro internacional. Sustenta bancos e mercados, suborna poderes políticos e policiais, o que torna muito difícil o combate a esse tipo de crime, pois são muitos e variados os interesses que representa, promovendo o sustento de aparatos policiais, jurídicos e políticos. A legalização das drogas, entregando ao Estado o seu comércio e controle, não interessa à complexa organização montada para combatê-las. Uma mercadoria detém o poder da sua procura. Enquanto houver grupos dispostos a comprá-la haverá sempre alguém para vender e nem a lei ou os costumes são capazes de enfrentar a força de uma mercadoria.

Só a Europa gasta o que foi estimado em 31 bilhões de euros para comprar drogas ilícitas. Um dossiê organizado pelo governo da Holanda afirma que circulam no país 6,7 bilhões de euros em transações criminosas, a maior parte proveniente do narcotráfico. Amsterdam é um entreposto internacional das drogas. As autoridades dizem que a economia gerada pelo crime organizado tem se tornado incontrolável, cada vez movimenta mais dinheiro e atrai “um exército de jovens delinquentes”, dispostos a praticar assassinatos em troco de alguns milhares de euros. Acrescentam que a cidade está perdendo a luta contra o crime organizado.

O tráfico de pessoas é uma das principais fontes de faturamento do crime organizado. É a terceira atividade ilegal mais lucrativa no mundo, com uma arrecadação anual estimada em cerca de US$ 31,6 bilhões. Esse tipo de tráfico envolve diversas formas de exploração, como trabalho escravo, exploração sexual, tráfico de órgãos e adoção ilegal, e afeta milhões de pessoas globalmente, especialmente mulheres e meninas, que são cerca de 70% das vítimas. O tráfico humano cresce especialmente em regiões marcadas por conflitos, crises econômicas e desastres naturais, onde a vulnerabilidade das pessoas é maior. Utiliza as mesmas rotas e estruturas do narcotráfico, o que favorece a lucratividade e o alcance das redes criminosas.

O ranking global das cinco atividades que geram mais dinheiro para o crime aponta para o narcotráfico como o principal negócio, com um faturamento anual estimado em US$ 320 bilhões, representando entre 40% e 70% da renda total do crime organizado; produtos piratas e falsificados fazem ganhos estimados em US$ 250 bilhões anuais; o tráfico de pessoas é o terceiro maior, com cerca de US$ 31,6 bilhões; o tráfico ilegal de petróleo movimenta cerca de US$ 10,8 bilhões e o tráfico de vida selvagem gera aproximadamente US$ 10 bilhões por ano.

Além desses, outros crimes que mais contribuem para o faturamento do crime são a venda ilegal de combustíveis, bebidas alcoólicas, cigarros e ouro, que juntos geram centenas de bilhões em receita anual em países como o Brasil, muitas vezes superando a receita do tráfico de drogas em alguns mercados locais.


*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: Arquivo/Agência Brasil

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