Por FÁBIO DAL MOLIN*
“ Eu jamais entraria para um clube que me aceitasse como sócio” (Marx, Grouxo)
O documentário “A conspiração consumista” no Netflix mostra com detalhes a crise final do sistema capitalista. Como bem sabemos nós, os professores das Universidades Federais brasileiras, famosos pela sistemática doutrinação marxista em sala de aula, diante das grandes transformações sociais e tecnológicas na Europa do século XIX, Marx previu que a crescente fetichização das mercadorias ( que privilegia o valor abstrato em detrimento do seu valor de uso) e a evolução tecnológica que produziria uma explosão na mais-valia e seu colapso, como uma estrela que explode e é consumida pela própria gravidade e vira um buraco negro, ou seja, não é possível extrair mais-valor de máquinas e o sistema se dissolve no ar. O documentário mostra que as necessidades de gerar trabalho e renda através da produção e a acumulação extrema de capital das chamadas big techs estão transformando todos os recursos naturais finitos do planeta em uma imensa montanha de lixo não reciclável de componentes eletrônicos, embalagens, roupas e quaisquer outras bugigangas da Amazon e da Shopee, que aliadas ao lixo residual da queima de carbono e dos excrementos fétidos e inférteis de cafeína e hormônios despejados na água potável dos esgotos, levam filósofos neomarxistas como o japonês Kohei Saito ou Slavoj Zizek, ou mesmo filósofos de correntes antagônicas com Paul Preciado a afirmarem em suas obras que a humanidade chegou o ponto sem retorno.
O sistema Qualis e a teoria marxista
Pois a produção acadêmica e científica no Brasil está acompanhando o sistema capitalista em seu colapso e sua crise final.
Na década de 1990, o Brasil enfrentava um desafio significativo para melhorar a qualidade dos programas de pós-graduação e a produção científica. A falta de critérios uniformes para avaliar a relevância das publicações científicas dificultava a comparação entre diferentes programas e áreas de conhecimento.
Em resposta a esses desafios, a CAPES iniciou a concepção do Sistema Qualis. O objetivo era criar uma ferramenta que permitisse a classificação das revistas científicas onde os pesquisadores brasileiros publicavam seus trabalhos. Essa classificação seria baseada em critérios como a qualidade editorial, a relevância científica, e o impacto das publicações
A implementação do Sistema Qualis envolveu a colaboração de diversos especialistas e instituições. Foram realizadas consultas e análises detalhadas para definir os parâmetros que seriam utilizados na classificação das revistas. Além disso, houve a criação de comitês específicos para cada área do conhecimento, garantindo que as particularidades de cada campo científico fossem consideradas.
Os critérios utilizados pelo Sistema Qualis para avaliar as revistas científicas são diversos e abrangem várias dimensões da produção acadêmica.
Para relacionar o Sistema Qualis com o conceito de capital de Marx, é essencial compreender que Marx define capital como valor que se valoriza, ou seja, o valor que busca constantemente se expandir através do processo de produção. No contexto do Sistema Qualis, podemos encontrar paralelos interessantes com essa definição.
A qualidade editorial das revistas científicas pode ser vista como um reflexo da acumulação de capital intelectual. Assim como o capital financeiro busca maximizar retornos, a qualidade editorial maximiza o valor das publicações ao garantir rigor no processo de revisão por pares, a qualificação dos membros do conselho editorial e a periodicidade da publicação. Da mesma forma que a acumulação de capital financeiro busca aumentar a produtividade e eficiência, a alta qualidade editorial busca aumentar a credibilidade e a relevância das revistas científicas.
Marx enfatiza que o capital não é apenas uma relação econômica, mas também uma relação social. A relevância científica das publicações, que considera a importância das pesquisas para o avanço do conhecimento, pode ser interpretada como a contribuição do capital intelectual para o valor social. Em tese, as pesquisas originais e metodologicamente robustas contribuem para o desenvolvimento das áreas de conhecimento e para práticas profissionais, refletindo a forma como o capital intelectual se manifesta como valor social.
O impacto das publicações científicas é medido por indicadores como o fator de impacto e o índice H, que refletem a frequência com que as pesquisas são referenciadas e utilizadas por outros pesquisadores. Este critério é análogo ao conceito de expansão do capital de Marx, onde o capital busca se ampliar. A ampla citação e utilização das pesquisas demonstram a capacidade do capital intelectual de se multiplicar e influenciar diversas áreas, refletindo a natureza expansiva do capital.
A análise da distribuição e visibilidade das revistas científicas, incluindo sua presença em bases de dados internacionais e o alcance global das publicações, pode ser comparada à circulação do capital. Marx argumenta que a circulação do capital é essencial para sua valorização. Da mesma forma, a distribuição ampla e a visibilidade das revistas científicas são cruciais para a valorização do capital intelectual, garantindo que as pesquisas alcançam uma audiência global e impactam múltiplas áreas do conhecimento.
A capacidade das revistas científicas de introduzir novas ideias, teorias e metodologias representa o capital intelectual em sua forma mais pura. A inovação e o pioneirismo promovem o avanço e a transformação das áreas de conhecimento, alinhando-se ao conceito marxista de capital como um agente de mudança e desenvolvimento. O capital intelectual não apenas se expande, mas também evolui e se adapta, promovendo progresso contínuo.
O Sistema Qualis, com seus critérios de avaliação das revistas científicas, pode ser relacionado ao conceito de capital de Marx de diversas maneiras. A qualidade editorial, relevância científica, impacto das publicações, distribuição e visibilidade, e inovação e pioneirismo refletem a acumulação, expansão, circulação e evolução do capital intelectual. Dessa forma, o Sistema Qualis não apenas garante a classificação justa das revistas científicas, mas também contribui para a valorização contínua do capital intelectual no Brasil, alinhando-se às dinâmicas de capital descritas por Marx.
Tudo isso acima, a partir do título “O sistema Qualis e a teoria marxista”foi escrito pela Inteligência Artificial CoPilot, que apareceu em meu Word 365 em uma das atualizações compulsórias da Microsoft. Eu fiz essa pergunta quando tive a ideia de escrever esse texto. Pedi que a Inteligência Artificial fizesse uma análise do sistema Qualis pela teoria de Marx. O que apareceu foi uma teoria marxista feita por Bill Gates, o maior acumulador de capital do mundo.
Durante os governos FHC, Lula 1 e 2 e Dilma 1 a produção científica brasileira nas Universidades Federais o sistema Qualis de produção científica no Brasil foi o que provavelmente forneceu subsídios para que o Copilot fizesse sua análise marxista e fosse possível encaixar o rótulo de “doutrinadores” aos professores federais. Contudo, o imenso capital empregado na expansão do ensino superior e na pesquisa, como todas as revoluções no capitalismo, enfrentaram crises e saídas das crises sem enfrentar suas reais contradições inerentes ao sistema.
Em primeiro lugar, as universidades concentram sua ação no tripé ensino, pesquisa e extensão, e a revolução do sistema de ensino não acompanhou a do Qualis, pelo contrário. Os primeiros períodos desse sistema foram nos governos FHC onde o sucateamento das Universidades Federais atingiu o nível máximo, e durante muito tempo as verbas dos Programas de Pós-Graduação garantiram o papel higiênico, a conta de luz e o pequeno incremento tecnológico das salas de aula. Paradoxalmente, no últimos 30 anos nunca formamos tantos professores na história, que não possuem formação pedagógica e não são absorvidos pelas escassas vagas nas Federais, o que torna os concursos concorridos, excludentes e cujas grades de avaliação curricular privilegiam a produção de artigos. A maioria dos docentes que ingressam na Universidade atualmente possuem muitas publicações indexadas e valorizadas no Qualis e quase nenhuma experiência docente ou mesmo alguma formação pedagógica (como licenciatura). E assim acontece a formação de novos pesquisadores na graduação, com docentes que emendaram bolsa de IC, mestrado e doutorado e que nunca exerceram suas profissões.
Em segundo lugar, o grande fluxo de financiamento da pesquisa pautado pela produtividade seguido pela sua abrupta redução após o ajuste fiscal de Dilma e o famigerado “teto de gastos” seguido de 4 anos de Paulo Guedes geraram respostas adaptativas dos pesquisadores e PPPGs no sentido de aumentar a produtividade, em detrimento da qualidade, o que gerou a “Shopinização” da pesquisa brasileira. Nos dias de hoje, na maioria dos PPGs, para obtenção do título de mestre ou doutor não é mais suficiente defender uma tese ou dissertação. É preciso submeter pelo menos um artigo a uma revista Qualis “no espectro A”. Antigamente a publicação era recomendada como recompensa a trabalhos relevantes, inovadores e de grande qualidade. Hoje, muitos docentes usam como subterfúgio a submissão de artigos dos trabalhos de conclusão de curso nas graduações, quando estes já não são feitos no formato das revistas, o que já acontece com teses e dissertações. Há alguns anos participei de uma banca de qualificação de doutorado cujo projeto era composto de quatro artigos, sendo que DOIS já haviam sido publicados, ou seja, o fluxo do capital social do ritual da banca de qualificação foi totalmente subsumido pelo valor de fetiche do capitalismo, como uma festa de casamento católico que custa 500.000 reais sendo que os noivos moram juntos há anos e se divorciam 2 meses depois.
Outro exemplo da “shoppinização” da produção acadêmica é o imenso congestionamento das revistas científicas. Trago aqui um caso pessoal, mas que é experimentado por vários colegas. Mantenho o frescor do ódio do texto postado na rede social Facebook:
“O sistema de produção científica no Brasil representa o caos do mundo acadêmico e o total desrespeito ao trabalho intelectual sério e comprometido
Uma revista de Qualis A em 2023 abriu chamada para artigos sobre um tema específico.
Submeti meu texto e passei dois anos esperando o parecer.
Então uma conhecida postou no Instagram comemorando a publicação do texto dela no dossiê. Sim, hoje temos que comemorar nossa produção festejar mesmo como se ganhássemos na loteria. Imaginem um barbeiro comemorando um corte de cabelo ou um garçom comemorando um Chopp servido.
Então abri o login da revista e lá estava o texto aguardando avaliação. Não é novidade esperar dois ou três anos para ter o parecer de um artigo ( que pode ser recusado) ou seis meses para a revista avisar que faltou a carta ao editor (documento inútil) ou alguma regra ridícula de submissão. Na era da inteligência artificial temos que escrever carta de submissão e preencher formulários com resumos em três idiomas e títulos.
Enviei mail para a revista questionando que simplesmente meu artigo tinha sido ignorado para o dossiê ( torcendo pela resposta, que em muitos casos não vem porque as revistas estão sucateadas e sem dinheiro para pagar bolsistas) . Muitas estão fechando ou retendo o recebimento de artigos porque os PPGs obrigam seus mestrandos e doutorandos a submeter artigos de suas dissertações, não interessa o que elas contenham.
E hoje recebi mensagem do editor dizendo que o artigo foi aprovado com um link para a revisão do texto, que não tinha nenhum parecer ou sugestão de alteração, só burocracia.
E o artigo será publicado.
Tipo um pedido de desculpas do Ifood pelo lanche errado.
Sem nenhuma satisfação
É claro que o colapso desse sistema não será imediato nem sentido por todos, assim como um paciente terminal com um grande tumor no cérebro pode possuir coração, rins e fígado preservados e certamente o apocalipse que está chegando na Europa hoje já chegou há 500 anos para os povos originários das américas (alô Krenak!). Os grandes laboratórios e grupos de pesquisa que se alinharam rapidamente a lógica produtivista que vivem alheios a periferia, são como moradores de condomínios fechados com segurança e drones totalmente isolados e alheios às imensas comunidades de favelados e precarizados, tendo acesso a elas de forma discreta pelos seus funcionários da limpeza ou entregadores.
Então voltamos ao velho Marx, cujo parceiro era o burguês erudito e engajado Engels, e não Bill Gates. A categoria mais qualificada de trabalhadores brasileiros está submetida a um regime de trabalho que, segundo Ricardo Antunes, retorna aos piores tempos da revolução industrial: precarização, mecanização e alienação. Eu diria “shoppinização”.
Esse texto é dedicado a todos meus colegas professores e professoras de Universidades Federais que lutam pela sobrevivência e pela existência. Eu sei que muitos vão ficar chateados comigo. Mas não é pessoal. O capital é uma gigantesca máquina simbólica impessoal e que encarna em nossos corpos sob a forma da exploração do trabalho. É contra isso que luto.
*ábio Dal Molin, psicólogo, psicanalista, professor da Universidade Federal do Rio Grande, professor colaborador do PPG em Psicanálise Clínica e Cultura da UFRGS. Texto escrito com a fúria dos injustiçados.
Contatos @b.dalmolin, dalmolinorama@gmail.com
lustração de capa: Reprodução
Respostas de 24
A solução para toda essa capitalização humana é o amor plural, Polifamilia, Polimportância, Poliafetividade, Policultura Desconcentração de afeto e renda. Mas quantos de nós que estão lendo e se indignando de fato teriam coragem de agir contra a monormatividade? Segue lá no Instagram @poliamoremais!
E se vc professor está indignado e se sentindo invisível imagina nós trabalhadores braçais, “eu por exemplo não recebo nenhum royalties de nenhuma instalação elétrica ou poste instalado que irá durar pelo menos 300 anos”. Agora música filme etc tem direitos autorais e Royalties! Lembrando MC piroquinha! Que nos humilhou e humilha-rá rindo e recebendo milhões por um show de sexo cantado!
Obrigado pela leitura e o comentário
Viva a Inteligência Artificial e sua vitória contra os capangas do PT.
O conhecimento agora é livre para o leigo sem a intervenção do Estado, e isso te machuca. Sinto muito (sqn).
Cara…. Quanto bostejo e recalque numa frase só heim! Não sabia que em algumas pessoas (bolsonaristas) o intestino grosso termina na boca….
Hahaha não entendi muito mas gostei da irreverência. Obrigado
Conhecimento livre…..
Filho, na grande maioria das vezes, não há informação relevante que oferece conhecimento .
Não há PT, PL, PSDB, PSOL ou o qual vc quiser amar ou odiar.
O que acontece é um bando de gente indicada ocupando espaço, fazendo de conta que são instruídos, oferecendo lixo como se fossem resultados de pesquisas sérias e confirmadas. E pares e mais pares uns dando “ups” no artigo do outro …
E assim sobrevive a CAPES, o CNPQ….de quem indicou. Enquanto isto, pasmem, pesquisas e pesquisadores sérios , que não fazem parte do grupo – ou bando , porque não? – são excluídos , inclusive de programas de Pós graduação….
A picaretagem começa na instituição de ensino e caminha junto com instituições que deveriam zelar pelo ensino e pesquisa relevantes .
Ratifico! Se não fizer parte da panelinha, é ignorado!
Boa kkk
Parabéns pelo texto.
Obrigado por me procurar a leitura.
Peço licença para usar aqui no grupo de estudos marxista em uma faculdade de Engenharia.
Abraço companheiro.
É o neoliberalismo moribundo. Só isso.
Privatiza logo a porra destas universidades públicas e põe esses professores de merda pra trabalhar de verdade
Quanta asneira meu Deus
Capitalismo não é perfeito mas socialismo é pior nem na terra que nasceu socialismo continua socialista, aliás o socialismo só existe onde não existe liberdade e quem pensa diferente é preso
Isso não é socialismo, é ditadura , que a direita brasileira defende
Bem por aí!
E tem gente que acha que AI vai salvar vidas e fazer pesquisa científica, quero ver seu celular pegar tubo de ensaio, além do mais, para quem consegue, porque precisa de conhecimento, a inteligência artificial dá muitas respostas erradas, não vou me cansar aqui explicando, mas se quiser artigos científicos que mostram erros de 60% até 85%, e ainda todos os trabalhos são dignos, mas a ciência séria e bem feita, é algo que persiste e muda vida, assim como a tecnologia que temos hoje é resultado de muita pesquisa científica. Então por mais que o poste dure até um milênio ele é só mais um poste, agora ser capaz de entender efeito químicos, físicos, biológicos, psicológicos, e de sócio econômicos é muito mais importante do que o poste. E a importância da ciência é para além de discussões vazias de política. Adoro ouvir agora não precisa de nada está tudo na internet, como se tudo tivesse ido parar lá por obra do acaso, e as respostas da inteligência artificial tivessem baseadas em algo produzida por ela mesma e não por humanos.
Bem por aí! Quanta gente medíocre pensando estar produzindo ciência (conhecimento redundante talvez)!
Absolutamente tomada pela analise. Defendi meu doutorado na UFRJ em 2018 e experimentei a via crucis da publicação. É cruzar o portal de infernos fechando os olhos para a lógica tão bem descrita pelo autor.
Sinto pena do vazio dos comentários anteriores e só não desanimo por entender que resistir a esse estado de coisas é TB sobrevivência
Obrigado colega. Eu até agora não entendi se sou petista , bolsonarista ou comunista
Esqueceu da robotização vermelha e dos sindicalistas autômatos! Sem falar que o preço das ideias , a maioria sem valor, eram exigido muito antes da maturação do investimento, – cobrar tudo já de cara.
A decadência da estrutura do ensino é multifacetada e não se restringe apenas às esferas de mestrado e doutorado. Como mestrando em Economia, a situação atual representa apenas uma pequena amostra da “população amostral”. Ainda, com o advento da tecnologia, o raciocínio lógico parece estar em processo de sucateamento ainda mais acelerado do que o próprio ensino superior e a formação dos futuros corpos docentes.
Compreendo e compartilho da indignação: estou na educação por paixão — pela aprendizagem, pelo ensino, mas, sobretudo, pelo entendimento de um sistema que reduz indivíduos a números.
O mundo tem mudado muito rápido, e o conhecimento intelectual, hoje, muitas vezes assume o papel de símbolo de status ou instrumento de capital, ao invés de representar um valor em si mesmo. Contudo, acredito que este ciclo irá se transformar novamente. Infelizmente, vivemos a era das trevas da modernidade, desde a cultura a relações sociais, mas assim como a era medieval teve as trevas também teve o renascimento, só espero presenciar essa mudança.
Não vou comentar os comentários, importa-me o essencial: o artigo do professor Dal Molin é supimpa! Diz, de maneira irada e divertida coisas que eu gostaria de ter escrito, mas que falei mais de uma vez, até mesmo em reuniões de avaliadores de cursos e instituições convocados pelo governo. Então, era a administração do PT, a respeito dos critérios e regras para a avaliação. Da mesma maneira e sincronicamente com a “normalização” da ação do CNPQ e da Capes, a do INEP e da SESU foram “shoppinizadas” como diz o autor. Impôs-se um modelo de como deveria ser a formação de profissionais, professores e pesquisadores, com exigências e limitações que levaram a uma padronização com base dos valores, sobretudo, paulistas e brasilienses. Uma espécie de americanização do eurocentrismo que guiara a formação acadêmica no Brasil. Houve um momento em que me neguei a continuar a participar desse esquema em que professores titulares eram transformados em técnicos de ensino, limitados a não ter opinião, mas apenas a conferir se os papéis estavam em ordem e se os professores, cursos e faculdades seguiam ao pé da letra as normas estabelecidas por burocratas sediados em Brasília e seus mentores intelectuais que julgavam ser os únicos a saber o que deveria ser a educação de nível superior no Brasil. E mais, um modelo que buscava homogeneizar o conhecimento do Oiapoque ao Chuí, deixando de lado o que os mais importantes educadores, como Paulo Freire, já haviam esclarecido: aprendemos de dentro para fora, tomando a realidade comunal e expandindo o conhecimento em circulos/realidades cada vez mais amplos. O Enem está aí e é um desastre.
Ah! Sim? Quem sou eu? Professor Titular aposentado de Técnicas de Jornalismo do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF (participei da equipe que Nelson Pereira dos Santos e Hagar Espanha Gomes reuniram para fundá-lo a pedido do inesquecível reitor Manoel Barreto Neto), fui o primeiro servidor Técnico Administrativo a chegar a Professor Titular por Concurso em uma Universidade Pública Brasileira; sou jornalista, cineasta e fui estivador e arrumador de cargas no porto de Estocolmo.
Muito obrigado pelas considerações e pela leitura , colega. O nosso problema não é a pesquisa ou a universidade em si mas a nossa submissão ao sistema capitalista de financiamento.
O ponto do meu texto é justamente as contradições que afetam os trabalhadores da pesquisa
Parabens Fábio, uma excelente reflexão.
Faltou comentar a clientelismo na ciência – usa meu equipamento e meu no artigo, empresto um produto …
Abraço
Entendo, mas acho q sua indignação com algo obviamente errado está restringindo sua visão. Acho q é algo multifacetado e muito pior. É fato q conhecimento é essencial e precisa ser valorizado, portanto universidades devem produzir conhecimentos e novos pensadores e pesquisadores – e aqui inicio meu raciocínio. Professores universitários recebiam (no passado) alguns dos melhores salários do serviço público, mas MUITOS eram apenas “paletos nas cadeiras”, não ensinavam nada; suas aulas eram péssimas, desatualizadas e repressoras; seus orientados eram pobres coitados tentando recolher alguma migalha de conhecimento e orientação enquanto sobrava desrespeito e soberba; as pesquisas q realizavam (qdo realizavam) nâo tinham efeito nenhum na sociedade mesmo quando chegavam a ser publicadas – então, qual era O REAL retorno do investimento feito pelo Estado com o dinheiro da população? Muitas foram as tentativas de corrigir os erros: legislação específica descrevendo como objetivo das universidades o Ensino, a Pesquisa, e a Extensão (deve ter retorno direto e indireto à sociedade); autonomia para reestruturar os cursos e programas a partir de debate/discussão profunda com os professores (mas q INÚMEROS prof evitam tais trabalhos como se fossem o diabo fugindo da cruz); abertura de novos campus; os sistemas de bolsas e avaliação, inclusive QUALIS; e o natural vai e vem dessas tentativas buscando o aperfeiçoamento. No entanto, AINDA temos muitos “paletos nas cadeiras” – é quase inacreditável -, professores que não ensinam nada e que não pesquisam nada, imagine se tem algum projeto de extensão (kk). Professor Fábio, preciso q o senhor reconheça q existem muitas formas de formar uma banca avaliadora de dissertação e tese, inclusive aquela em que os avaliadores sequer se dão ao trabalho de ler o q “estão avaliando” – as vezes isso ocorre pq não há recurso pra chamar ninguém de fora da universidade, e as vezes pq o orientador sabe da baixa qualidade do trabalho e só não quer “q dê trabalho”, ele não tem intenção nenhuma de tornar isso publicável. Então, o q muitos programas fizeram foi exigir a submissão à revista científica (não publicação, pois até hoje pode demorar quase 18 meses para conseguir), uma forma de tentar dar mais qualidade aos trabalhos, de tentar forçar q maus profissionais se mexessem, um pouco pelos menos. Outra crítica do seu texto foi em relação aos novos professores q passam nos concursos “cheios de publicações, mas sem experiência em sala de aula”: discordo, acho q precisa “piorar”, e muito! Na área em q atuo se inscrevem 50-100 candidatos doutores por vaga, atualmente 99% deles preparam o conteúdo da prova discursiva com CHATGPT, muitos somente com publicações “coletivas” (aquele grupo enorme de pessoas, em q somente o Primeiro e último autor devem ter feito tudo), e 90% das vezes a banca não chega aos pés dos profissionais q estão avaliando; passam os q tiveram mais tempo pra decorar os textos do chatgpt, e q estavam em laboratórios q impõem a publicação coletiva – e, claro, q tem grana pra investir entre 5-10mil por concurso (entre passagens, hospedagem de 10-15 dias). Como isso vai ajudar a formar mais pensadores e mais pesquisadores??? Acho q, atualmente, a primeira etapa de um concurso deveria ser a análise de currículo (com barema MUITO bem formulado pra buscar os melhores pesquisadores), depois viriam as provas escrita e didática (mas q devem ser avaliadas pelos melhores dos melhores, e não por qq um da área com titulo de doutor), isso tb daria maior lógica ao investimento financiero alto aos candidatos (a menos q se quiera q as elites voltem a dominar as universidades); acho só “piorando muito” (na sua visão) poderemos ter melhores professores EM SALA, ensinando, pq Quem Gosta de Conhecimento, Quem Estuda, Quem tem Paixão por Pesquisa GOSTA VERDADEIRAMENTE de falar sobre isso, de explicar o que descobriu e como descobriu, e nesse processo irá descobrir qual a melhor maneira de Ensinar em Sala de Aula utilizando seus estudos obrigatórios (!) ao longo da sua formação, além das experiências q teve como aluno, pq cada professor/pessoa tem sua própria forma de ensinar (aliás, direito garantido por Lei, embasada nos melhores autores sobre didática ;D) E DEVE ajustá-la para cada grupo de alunos, sem JAMAIS julgar q seus métodos não devem ser flexibilizados ou até totalmente modificados (vide os mais respeitados autores de didática, inclusive Paulo Freire). Professor Fábio, depois de tudo isso dito, quero encerrar este comentário gigantesco, dizendo q o grande problema é q estamos lidando com humanos: ignorantes em diversos e multiplos temas, vaidosos ao ponto de escolherem sentar em lugares “VIP”, egoistas e pretenciosos a ponto de terem certeza q Nunca tiveram seu valor reconhecimento e recompensado, e q TENTAM consertar problemas sem serem capazes de prever todas as consequências. Só nos resta continuar tentando.