Por PLINIO MELGARÉ*
Em meados do século XX, o dramaturgo Eugene Ionesco escreve uma peça onde rinocerontes invadem uma pequena cidade. No início, um rinoceronte; em seguida, outros. Com o tempo, quase todos se tornam rinocerontes, salvo um personagem que resiste. Metaforicamente, o rinoceronte simbolizava o fascismo, a opressão, a desumanização. E a peça salienta a falta de resistência a esses modelos.
Em 2025, surfando no mar da brutalidade no qual navega a política brasileira, Deputados Federais, insatisfeitos com decisões da Mesa da Casa, em uma espécie de motim antirregimental, ocupam a cadeira da Presidência. Diante da obstrução dos trabalhos, em um dos casos, apelou-se para a força. Alguém ordenou: chama a polícia (legislativa). E, se pau que bate em Chico, bate em Francisco, não teve só deputado agredido. No extremo, sobrou, é claro, para jornalistas e os meios de comunicação que cobriam as atividades do Parlamento. Até a TV Câmara, cuja programação foi interrompida. Direito à informação? Liberdade de imprensa? Não: empurrões, agressões, violência física. Rinocerontes são animais fortes.
Vinculada ao sistema democrático de governo, as liberdades de expressão e de informação são instrumentos de controle do exercício do poder. Atuam contra o sigilo, contra o segredo, tão caros ao autoritarismo. Retirar jornalistas do Legislativo, interromper a publicização dos fatos implica restringir o próprio direito de crítica. E de expor à sociedade o nível de sua representação política. Mas quem quer calar a imprensa, prefere o silêncio do arbítrio.
Não significa que o Parlamento seja um bloco monolítico de rinocerontes ou bárbaros. Restam, ainda, parlamentares que resistem à escalada de brutalidade e autoritarismo, defendendo a publicidade dos atos, a liberdade de imprensa e o respeito às regras democráticas. São vozes dissidentes, porém, frequentemente minoritárias e fragilizadas, que lutam para se fazer ouvir em meio ao barulho da massa em marcha.
Em 2019, Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal, votou, em nome da presunção de inocência prevista na Constituição, contra a execução provisória da pena em segunda instância. No final do seu voto lembrou o poema À Espera dos Bárbaros, do poeta Konstantinos Kaváfis: “O que esperamos na ágora reunidos? É que os bárbaros chegam hoje. (…).” Bem, o alerta fora dado.
Os bárbaros já chegaram; os rinocerontes de Ionesco já chegaram. E muitos foram convidados para ocupar o Poder Legislativo.
*Plinio Melgaré é Advogado e Professor Universitário.
Foto de capa: IA




