Nova York Vira a Página: A Vitória de Zohran Mamdani e a Derrota Política de Donald Trump

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Por MARIA LUIZA FALCÃO SILVA*

A eleição de Zohran Mamdani como prefeito de Nova York, ocorrida em 4 de novembro de 2025, foi muito mais que uma disputa local. Foi uma reviravolta simbólica, uma ruptura com a velha ordem urbana e, acima de tudo, uma derrota política de Donald Trump — talvez a mais emblemática desde que o magnata retornou à Casa Branca.

A vitória do inesperado

Mamdani, até então deputado estadual e figura jovem do movimento socialista democrático, surpreendeu ao vencer o pleito com um discurso que falava diretamente aos esquecidos da cidade: os trabalhadores precarizados, os inquilinos sufocados por aluguéis impagáveis, os imigrantes e a juventude sem espaço no establishment político.

Com propostas ousadas — transporte público gratuito, congelamento dos aluguéis, construção massiva de moradias acessíveis e taxação dos grandes patrimônios —, ele transformou o que parecia utopia em uma agenda de governo. “Uma Nova York para os muitos, não para os poucos”, repetia em comícios nos bairros mais pobres. A cidade global, símbolo do capitalismo financeiro, escolheu um socialista.

O terremoto político

Para a esquerda norte-americana, a vitória foi histórica. Representou a retomada do espírito progressista em um país dominado por décadas de austeridade, desigualdade e medo. Mamdani é o primeiro prefeito muçulmano de Nova York, filho de imigrantes, e o mais jovem a assumir o cargo em gerações. Sua ascensão é uma metáfora do novo tempo: o poder mudando de mãos, de Wall Street para as ruas do Queens.

Os movimentos progressistas comemoraram não apenas o resultado, mas o significado: a vitória de um projeto político centrado em direitos sociais, justiça climática e redistribuição da riqueza. É um sopro de esperança em uma América cansada de bilionários e bilhetes de metrô cada vez mais caros.

A reação da direita

Já a direita reagiu com o pavor de quem sente o chão tremer. Os grandes jornais conservadores classificaram Mamdani de “radical” e “inexperiente”. Líderes empresariais alertaram para a “fuga de capitais” e o “fim do investimento privado”.

Para os republicanos e o setor financeiro, um prefeito socialista em Nova York é quase um sacrilégio. Fala-se em risco de colapso, em caos urbano, em ameaça à ordem. As promessas de transporte gratuito e habitação pública são tratadas como devaneios perigosos. Mas o medo dos poderosos é, na verdade, a medida exata do potencial transformador dessa vitória.

Trump e o grito de desespero

Donald Trump, sempre pronto a transformar qualquer acontecimento em espetáculo, reagiu com fúria. Chamou Mamdani de “comunista lunático” e ameaçou cortar os repasses federais à cidade. Falou em “salvar Nova York dos socialistas”. Mas o gesto, longe de intimidar, apenas reforçou a derrota simbólica: Trump vê ruir, em sua própria pátria econômica, o mito da supremacia do capital.

Em seu discurso de vitória, Mamdani respondeu com ironia e serenidade: “Se você está assistindo, Donald Trump, quatro palavras: aumente o volume.” Era mais que uma provocação — era o anúncio de que um novo diálogo começava, e não mais em termos de medo e submissão, mas de coragem e igualdade.

Por que incomoda tanto

A vitória de Mamdani desagrada Trump e toda a direita porque simboliza o oposto de seu projeto: diversidade contra exclusão, redistribuição contra privilégio, cooperação contra autoritarismo. Nova York — palco do trumpismo urbano, sede de seus arranha-céus e de sua fortuna — agora é governada por um socialista.

O desconforto é profundo. O establishment financeiro teme perder poder; o conservadorismo cultural teme perder símbolos; e Trump teme perder o monopólio da narrativa populista. Mamdani, ao mobilizar imigrantes, jovens e trabalhadores, reconstrói o elo entre democracia e esperança — algo que o trumpismo destruiu com cinismo e ressentimento.

Desafios e esperanças

Os desafios são enormes: transformar promessas em políticas concretas, enfrentar a resistência das elites, garantir segurança sem repressão e provar que a cidade pode ser justa e próspera ao mesmo tempo. Haverá armadilhas, sabotagens e chantagens. Mas há também uma força inédita — a de uma população que voltou a acreditar que o governo pode servir à maioria.

A eleição de Mamdani é uma página nova na história política americana. Nova York, a metrópole do dinheiro, escolheu um filho de imigrantes para dizer que há vida fora do mercado. E, ao fazer isso, deu a Donald Trump a mais clara das mensagens: o império da arrogância está em declínio.

Um novo farol

Quando uma cidade como Nova York muda de rumo, o mundo presta atenção. A esquerda vê renascer a possibilidade de uma política urbana de bem-estar; a direita, o fantasma de um novo ciclo de transformações.

Entre a Wall Street e o Bronx, entre o medo e a esperança, Zohran Mamdani representa um novo farol — o da América que resiste, que sonha, que não aceita o cinismo como destino.

E talvez por isso mesmo, sua vitória seja mais que local: é um lembrete universal de que o futuro pode ser de todos, não apenas dos que sempre estiveram no topo.


*Maria Luiza Falcão Silva é PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED). Entre outros, é autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England/USA.

Foto de capa: Selcuk Acar/Anadolu/picture alliance

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