De FLAVIO AGUIAR*, de Berlim
Tradicionalmente, muitos habitantes do norte europeu veem a sesta como um ato exótico e não
laboriosamente muito virtuoso, comum no sul do continente ou em terras distantes, como o
México ou em regiões tropicais das Américas.
Entretanto, na semana passada o Dr. Johannes Niessen, presidente da Associação Alemã de Médicas e Médicos dos Departamentos de Saúde Pública, propôs que a sesta fosse adotada oficialmente em seu país, a Alemanha. Motivo: a intensa onda de calor que atingiu não só a Europa, mas todo o hemisfério norte durante o mês de julho deste ano, considerado o mais quente de toda a história humana.
A temperatura média do planeta subiu dos tradicionais 15 graus para inacreditáveis 17,5°, um salto que prenuncia catástrofes globais inclusive em breve.
As ondas extremas de calor vem se tornando mais intensas e comuns em todo o hemisfério norte e particularmente na Europa, um continente que vem se aquecendo mais rapidamente do que os outros.
As explicações reúnem elementos muito diversos, desde o crescimento de zonas urbanas em áreas antes rurais,
até a permanência de uma corrente de vento do Atlântico para o continente, a muitos quilômetros de altura, que
facilita a existência de bolhas de ar quente na superfície terrestre.
Mas sobre e sob todos esses elementos paira a atividade humana industriando o aquecimento global.
Oficialmente a temperatura mais alta registrada na Europa aconteceu na Sicília, em 2021: 48,8 graus Celsius.
Entretanto, medidas não oficiais, mas confiáveis, já registraram até 50 graus ou um pouco mais, como na cidade
de Atenas, neste verão. O calor excessivo tem castigado mais o sul do continente: Portugal, Espanha, o sul da
França, a Itália, a Grécia e o mar mediterrâneo. Seus efeitos, entretanto, se estendem mais para o norte, com
cidades como Paris e Berlim registrando temperaturas de quase 40 graus.
E o fenômeno é mundial: da costa oeste dos Estados Unidos às planícies da Ásia central proliferam as ondas de
calor que duram semanas a fio.
A cidade de Phoenix, no estado do Arizona, nos EUA, registrou a fantástica temperatura mínima de 36 graus
numa das madrugadas deste mês.
Efeitos sobre o corpo humano
Segundo especialistas médicos, o calor excessivo pode ter efeitos devastadores sobre o corpo humano,
provocando desidratação, ataques cardíacos, doenças nos rins e outras cardio-vasculares, além da perda do
dono, caso as altas temperaturas se prolonguem durante a noite.
O verão europeu, com dias muito longos e noites muito curtas, potencia tais efeitos. A recomendação é comer
porções pequenas muitas vezes durante o dia e tomar mais de dois litros de água a cada 24 horas, conforme o
peso e o tamanho da pessoa.
Porém, outros hábitos devem mudar. Na Itália e na Espanha há negociações entre sindicatos, empresas e
governos para mudar os horários de trabalho. Na Itália já há empresas da construção civil que adotam o horário
das seis da manhã às duas da tarde.
Na Espanha e na Grécia a sesta é definida oficialmente, com os estabelecimentos comerciais e até escritórios
fechando duas ou três horas durante a tarde. O hábito de estende a Portugal, ao sul da França, à Itália e até à
Rússia, durante os meses de verão.
Origem da palavra sesta
A palavra “siesta”, sesta em português, “sieste” em francês e também “siesta” em italiano e em romeno, tem
origem na expressão latina hora sexta, que designação o meio-dia no horário canônico romano, durante a Idade
Média. A hora prima correspondia às seis horas da manhã, depois das matinas, antes do amanhecer e da
laudes, no amanhecer, quando determinadas orações deveriam ser feitas, como nas vísperas depois do pôr do
sol e nas completas, ou nove da noite.
Os benefícios da sesta para a saúde são muitos: ajuda a estabilizar a pressão, diminui o estresse e a propensão
a doenças cardio-vasculares, além de proteger quem a pratique da exposição ao sol e ao calor nas horas mais
quentes do dia.
Assim, não se surpreenda se em breve, ao chegar à Alemanha, você receba um convite para seguir o horário da
“Mittagsschlaf”, sesta, em alemão.
* Jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).
Imagem em Pixabay.
Artigo publicado originalmente em rfi.
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