Por WAGNER SOUSA*
A herança do período chamado “neocolonial” das potências europeias na África, “A Era dos Impérios”, entre 1875 a 1914, da qual tratou, em livro homônimo, o historiador britânico Eric Hobsbawn permanece na vida africana até os dias atuais. A descolonização do pós-guerra, embora tenha dado autonomia política formal, não propiciou aos países que surgiram alcançar o desenvolvimento capitalista de zonas mais “avançadas”. Não significou, portanto, independência econômica, soberania. Permaneceram as “zonas de influência” de antigas potências colonizadoras. a que nos últimos anos se somaram novas potências. Nestas “zonas de influência”, em regra, há acordos comerciais desfavoráveis, dependência por dívidas, exploração de recursos naturais em termos muito vantajosos ao investidor estrangeiro, intervenções políticas e acordos militares.
A África é o continente mais abalado por grave instabilidade política, conflitos armados internos e golpes de Estado. Nos últimos anos viu-se golpes de Estado em países especialmente da África Ocidental como Gabão, Mali, Burkina Faso e Níger. São todos países que sempre tiveram forte influência da França. Até mesmo duas “zonas monetárias” envolvendo suas então colônias foram estabelecidas com a criação, em 1945, do Franco CFA, o que envolveu manter a França na gestão monetária e fazer com que parte das reservas desses países ficassem em Paris. O site Jacobin Brasil, a respeito da chamada “Françafrique” (nome dado à rede de proteção e promoção dos interesses neocoloniais franceses na África, numa tentativa de jogar luz sobre o sentimento de aversão à França que se espalhou no continente nos últimos anos) traz uma descrição sobre a relação entre a França e suas ex-colônias: “(…)Multinacionais francesas assumiram minas de urânio no Níger, plantações em Camarões e refinarias de petróleo no Gabão. Enquanto isso, o exército francês interveio em pelo menos dezesseis países africanos diferentes entre 1960 e 1991 para defender aliados e proteger interesses estratégicos. Nos últimos anos, tornou-se um rito de passagem para novos presidentes franceses declarar o fim da Françafrique.”
Esta relação bastante desigual não contribuiu para combater a pobreza endêmica nesses países, o que se tornou combustível para a insatisfação popular e revolta contra os governos e suas alianças com os franceses. Entre 2022 e 2024 as tropas francesas foram expulsas do Mali, Burkina Faso, Níger e Chade. Em 2025, Costa do Marfim e Senegal fizeram o mesmo e acentuaram o enfraquecimento da presença francesa no continente. O intervencionismo militar tem papel importante no desgaste da imagem francesa entre os africanos.
O cenário pós-Guerra Fria, a partir dos anos 1990, mudou a política dos EUA na região que, sem a necessidade de conter a URSS, não precisava tanto do apoio francês com seus vínculos regionais. A potência hegemônica vencedora da Guerra Fria sentiu-se autorizada então a um forte movimento intervencionista militar e a África foi um dos principais “tabuleiros” onde isso ocorreu.
Por fim, há um inevitável declínio relativo da França (e dos europeus em geral) no mundo, com a ascensão de novos atores (principalmente China e Índia), reafirmação de velha potência (a Rússia, que se beneficia da memória da política externa soviética para o continente) e outros, como a Alemanha, que vem buscando aumentar a sua presença. É possível que a União Europeia, se conseguir unificar a sua política externa no futuro, possa representar uma presença europeia renovada no continente. Contudo, essa unificação, há muito discutida, está longe de ser algo trivial de se conseguir. No que diz respeito à França, tudo indica que seu papel na África deverá ter cada vez menos importância.
Publicado originalmente em Observatório Internacional do Século XXI.
*Wagner Souza é Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. Idealizador e Editor do site América Latina www.americalatina.net.br. Colaborador do boletim Observatório do Século XXI.
Foto da capa: Arte contemporânea africana | Aboudia Abdoulaye Diarrassouba





Uma resposta
já era evidente o descontentamento do povo senegalês com a gestão do então presidente Macky Sall. A crítica central era sua postura subserviente à França — herança persistente de um neocolonialismo que ainda molda estruturas políticas e econômicas em muitos países africanos. Essa insatisfação cresceu ao longo dos anos e encontrou expressão contundente na eleição de 2022, quando surgiu com força o movimento liderado pelo jovem Bassirou Diomaye Faye — que, apesar de perseguido e preso, tornou-se símbolo da resistência e do desejo de soberania popular.
A repressão violenta aos protestos, orquestrada pelo governo de Sall, não foi suficiente para conter a vontade do povo senegalês, que voltou às ruas exigindo liberdade, justiça e autodeterminação. A eleição de Diomaye Faye em 2024, junto ao carisma e à liderança de Ousmane Sonko, representa mais do que uma vitória eleitoral: é parte de um levante maior no continente africano contra as amarras do colonialismo francês e pela construção de um futuro autônomo e digno para os povos africanos.
O Senegal, assim como outros países africanos que hoje se insurgem contra a dominação francesa, mostra que não há futuro possível sem ruptura com a dependência e sem afirmação da soberania popular. Trata-se de uma nova geração que recusa o silêncio, enfrenta a violência e aponta caminhos de emancipação real.