Passamos um dia junto com a fiscalização do Ibama; Marina Silva diz que “processo de desmilitarização está consolidado”
TERRA INDÍGENA YANOMAMI – Quatro fiscais do Ibama se lançam de um helicóptero nas águas turvas do Uraricoera e nadam até uma balsa de garimpo ancorada na margem esquerda do rio. Esse pequeno porém eficiente monstro da destruição movimentado por até oito pessoas rouba, com uma mangueira de sucção, os sedimentos no leito do rio e joga-os numa esteira com água corrente dentro da balsa. O ouro, mais pesado, vai parar no fundo de uma esteira acarpetada. Depois passa por um processo de queima com uso de mercúrio que, evaporado, causará danos irreversíveis à fauna, à flora e, por fim, aos seres humanos. A Terra Indígena Yanomami não está sendo destruída apenas por dragas que abrem imensas crateras no solo. Há também dezenas dessas balsas, que custam de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões, operando ilegalmente nas calhas de rios como o Uraricoera e o Mucajaí.
De armas em punho, os fiscais do Ibama invadem a balsa à procura dos garimpeiros, mas ninguém é encontrado. Provavelmente fugiram ao ouvir o barulho dos helicópteros. No silêncio da mata, os aparelhos são ouvidos com muita antecedência. Por causa do som característico, os garimpeiros chamam os helicópteros de burús. Em poucos minutos – a ação precisa ser rápida para poupar o combustível dos helicópteros e evitar uma reação armada –, os fiscais do Ibama incendeiam a balsa com o óleo diesel dos próprios garimpeiros. É o fim da embarcação de um tipo conhecido como escariante, dos mais nocivos, por também conseguir quebrar rochas no leito do rio. Uma grossa coluna de fumaça preta sobe entre as árvores, assustando pássaros que partem em revoada. “Uma a menos”, comenta um fiscal no aparelho de rádio.
Durante seis horas do último sábado (11), a Agência Pública acompanhou um dia de atividades dos fiscais do Ibama que estão na linha de frente do combate ao garimpo na terra Yanomami. O órgão ambiental trabalha com seus próprios recursos nessas primeiras operações no território. Seus oito helicópteros, de modelos B4 e Esquilo, são essenciais na operação de desintrusão. Viagens de quatro ou cinco dias de barco são cumpridas em apenas 20 ou 30 minutos de voo. Os deslocamentos por barco são também perigosos porque abrem espaço para um encontro fortuito com garimpeiros armados. Caso as Forças Armadas, que têm muito mais dinheiro e pessoal, entrassem com seus helicópteros Black Hawks junto com o Ibama, o combate ao garimpo seria um pouco mais facilitado. Os militares agora afirmam estar focados em prestar assistência humanitária aos indígenas e apoiar, com seus helicópteros, as primeiras incursões da Polícia Federal.
Mas foi o Ibama que, na segunda-feira da semana passada (6), “puxou a fila” das ações de campo dos órgãos do governo que somam agora oito dias ininterruptos. Será um combate longo e desgastante, de muito meses. “Consideramos a terra Yanomami uma das mais difíceis para operarmos no país, talvez só comparada à terra indígena Vale do Javari [no Amazonas]. As distâncias são enormes, a logística complicada. Mas tem uma coisa, se é complicada para nós, também é para os garimpeiros”, disse um dos fiscais, que pediu para não ter o nome publicado.
O Ibama sabe que a operação de desintrusão precisa retomar, abrir e manter diversas bases de apoio dentro do território Yanomami. Nessas bases seria instalada uma estrutura mínima para o abastecimento dos helicópteros. “A partir do momento em que a gente conseguir estruturar essas bases, conseguiremos atingir as zonas mais profundas do território, que é onde estão concentrados a maior parte dos garimpos e as comunidades indígenas em isolamento voluntário, que são as mais atingidas pela fome e pelas doenças.”
Na terça-feira (7), o Ibama retomou a primeira base de fiscalização no rio Uraricoera, considerada estratégica no plano de bloquear o fluxo de combustíveis e alimentação adquiridos pelos garimpeiros em centros urbanos como Boa Vista e Alto Alegre. Os fiscais sabem que o estrangulamento dos produtos é essencial para extinguir os garimpos, aliado ao bloqueio do espaço aéreo pela FAB (Força Aérea Brasileira).
No sábado (11), o Ibama mobilizou dois de seus helicópteros e oito de seus mais experimentados fiscais de campo. Ao longo de anos, muitas vezes sob o guarda-chuva do GEF (Grupo Especial de Fiscalização), eles já viveram todo tipo de perigo em grandes operações de combate aos crimes ambientais em diversas partes do país. Como a que mirou, em 2015, os madeireiros clandestinos da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, na qual um dos fiscais, Roberto Cabral, foi atingido por um tiro de espingarda no braço. Colocado na “geladeira” durante o governo de Jair Bolsonaro, Cabral agora voltou à ativa na terra Yanomami. Assim como Hugo Netto Loss, outro fiscal que sofreu forte perseguição durante os anos de Bolsonaro e agora trabalha na coordenação da mesma operação, batizada de Xapiri, um espírito da floresta yanomami.
No início do segundo ano do governo Bolsonaro, Loss e seu chefe imediato na época, Renê Luiz de Oliveira, foram exonerados de cargos de direção da fiscalização do Ibama em Brasília pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim, logo após imagens de uma grande operação realizada em terras indígenas no Pará terem sido veiculadas com destaque pelo programa Fantástico, da TV Globo. A divulgação enfureceu Bolsonaro, que pediu providências contra os servidores do Ibama. Por engano, Bolsonaro enviou uma mensagem ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, que não tinha relação com o Ibama. A mensagem de Bolsonaro veio à tona quando Moro, na época supostamente brigado com Bolsonaro, mas que logo depois reatou todos os laços na campanha eleitoral de 2022, entregou seu celular para uma perícia da Polícia Federal.
Uma intricada logística
Ministra do Meio Ambiente diz que Ibama vai operar “com toda eficiência necessária”
Por Rubens Valente
