Por CÁTIA CASTILHO SIMON*
Buenas, chegou ao fim a 71ª Feira do Livro de Porto Alegre e, para além da emoção das sessões de autógrafos individual ou coletiva, o ponto alto para mim nessa edição foi o encontro do dia cinco de novembro com as escritoras Cecília Manguerra Brainard, das Filipinas, e Mai Khaled do Egito, que trouxeram seus livros para a nossa conversa. Ao final da tarde, ambas autografaram suas obras traduzidas para o português por Isabela Figueira, através da editora paulista, Rua do Sabão.
Cecília trouxe Contos Selecionados, organizados em três partes; a primeira tem como referência a fictícia Ubec (Cebu ao contrário, cidade onde a escritora nasceu). A segunda parte traz outras referências das Filipinas, e vale ressaltar que o país compreende mais de sete mil ilhas. A terceira transita por outras partes do mundo, uma vez que a escritora nasceu e cresceu nas Filipinas e foi viver nos EUA, na vida adulta. Seus contos expressam com delicadeza a pulsante cultura do país que nasceu e sua diversidade. Houve por lá ocupações espanhola, americana e japonesa, a conhecida ditadura de Marcos, e outras circunstâncias históricas compõem as tramas. Personagens revelam-se em camadas ao longo de vários contos. É preciso atenção à leitura, as personagens reaparecem e trazem outros fios de complexidade. Há notas de rodapé que nos introduzem aos elementos fundamentais da cultura das Filipinas, demonstrando o cuidado e delicadeza da autora com o leitor brasileiro que pouco sabe sobre seu povo. O olhar demorado para a vida das mulheres revela o compromisso de quem sabe de onde veio, desvelando as tramas que nos unem independentemente das bandeiras, fronteiras e hemisférios.
Mai Khaled trouxe A magia da Turquesa, um romance que alterna duas vozes, Nirvana ou Nunu, que está em coma após ser ferida no mar por um jet ski, e sua sobrinha Leila. A jovem tem uma forte relação com a tia e sente-se atormentada pelo acidente que vitimou a pessoa mais importante de sua vida desde o momento que sua mãe decidiu abrir a porta e ir embora. Assim como Nunu, também ela, Leila, não tivera coragem de seguir em frente para concretizar seu sonho. O ideal de Nunu eram as artes plásticas, o da sobrinha era o de atuar. A moça pensa que a tia, frustrada por sua desistência, poderia ter tentado o suicídio. Há uma profunda ligação entre as duas mulheres que revelam as estruturas rígidas familiares também no Cairo, em especial, nas expectativas e no destino das mulheres.
A riqueza, nas obras das escritoras aqui referidas, diz muito dos desafios vividos por essas mulheres. Cecília Brainard é autora e editora de 22 livros. Ela foi cofundadora da PAWWA (Escritoras e Artistas Filipino-Americanas), fundou a PALH (Casa Literária Filipina Americana) e trabalhou com jovens asiático-americanos, pelo qual recebeu um Prêmio de Reconhecimento Especial do Conselho de Educação de Los Angeles, entre outras tantas relevâncias de sua biografia. Prêmios que recebeu por seus livros: o Philippine National Book Award, o Gintong Aklat Award e o International Gourmand Award, entre outros. Seu trabalho foi traduzido para o finlandês e o turco. Há traduções realizadas a partir de 2024 de romances e contos selecionados para o grego, português e japonês. Mai Khaled é uma romancista, formada em Comunicação pela Universidade Americana do Cairo. Além de se dedicar à literatura, a autora trabalha com locução de rádio e tradução de programas para a televisão. Com o livro Academia, também publicado pela editora Rua do Sabão, recebeu o prêmio de melhor romance da Feira Internacional do Livro do Cairo, em 2016.
Esse encontro proporcionou mais do que beber na fonte – slogan da 71ª Feira; mergulhar na fonte, emergir em rios e mares não navegados e ser surpreendida com a escrita singular e potente dessas escritoras de terras longínquas. Concluam comigo, leitores e leitoras, Cecília e Mai agora já são também nossas íntimas conhecidas, assim como Sandra, Sônia, Lilian, Marta e Nóia, e queremos mais delas.
*Cátia Castilho Simon é professora aposentada RME/Porto Alegre, escritora e poeta.
Foto de capa: Eduardo Fernandes




