segunda-feira, 15 dezembro, 2025

Muito Além dos Incentivos: O Poder das Instituições na Formação do Desenvolvimento Económico e Social

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Por LUIZ CÉSAR SILVA*

O neoliberalismo construiu, ao longo das últimas décadas, uma narrativa que busca separar economia e política, inspirada no fato de que o mercado seria uma instituição natural, autônoma, autorregulada e eficiente para solucionar os problemas económicos sociais. Essa visão não apenas empobrece a compreensão das dinâmicas econômicas, como ainda oculta as escolhas políticas embutidas nos arranjos institucionais que organizam a vida econômica dos países que seguiram esse preceito.  

Os mercados não são entidades naturais, mas sim construções políticas. O mercado não existe num ambiente livre de instituições. Na verdade, o próprio mercado é uma instituição. O mercado e o Estado estão ligados por relações políticas e o Estado é um ator estratégico, um planejador e um coordenador do desenvolvimento através da construção de relações políticas com o mercado. Toda configuração de mercado depende de regras, normas, valores e instituições que definem o que pode ou não ser negociado, quem tem o direito de fazê-lo e quais comportamentos são considerados legítimos. Por óbvio, não existe mercado “livre”; o que existe é um arranjo institucional específico, moldado por decisões políticas e disputas sociais. Portanto, a suposta neutralidade do mercado neoliberal aparece como uma construção simplista ideológica: aquilo que é apresentado como natural é, na realidade, resultado de escolhas históricas que poderiam ter sido feitas de outra maneira.

O neoliberalismo despolitiza o mercado para naturalizar interesses específicos, principalmente a determinadas classes, às elites. Esse processo obscurece as disputas legítimas sobre valores, direitos e deveres de toda a sociedade que deveriam estar no centro da vida pública. A naturalização neoliberal serve para proteger arranjos institucionais favoráveis a determinados grupos (lobbies elitizados privilegiados) e para deslegitimar intervenções políticas que possam transformar as estruturas dos mais necessitados em interesses próprios.

A teoria económica neoclássica, pilar intelectual do neoliberalismo, assume que os indivíduos agem sempre motivados pelo interesse próprio racional. Essa ideia mostra que motivações humanas são complexas e moldadas por instituições sociais. Não se trata de indivíduos isolados que tomam decisões a partir de preferências fixas, mas de sujeitos cujas escolhas refletem normas, identidades, expectativas e visões de mundo diferentes. As instituições não apenas obrigam a seguir determinados comportamentos e regras, mas formam as próprias preferências, referências, tornando inadequada a visão ingénua de quem tenta explicar a economia apenas por simples incentivos individuais.

Esse ponto tem consequências diretas para o debate sobre políticas públicas. Se as preferências são moldadas socialmente e se os mercados dependem de regras institucionais, então qualquer mudança econômica significativa envolve necessariamente disputa política. Uma visão positiva da política, entendida como arena legítima de deliberação coletiva, não atrapalha o mercado; ela constitui o mercado. Retirar os temas econômicos da política é, antes de tudo, uma forma débil de limitar a democracia.

Para qualquer um que tenha um breve conhecimento básico da análise económica histórica, percebe que nenhum país se desenvolveu seguindo as recomendações neoliberais que pregam abertura comercial irrestrita, ausência de política industrial e retração do Estado. Ao contrário, os países que hoje são ricos utilizaram amplamente instrumentos como protecionismo, subsídios, coordenação estatal e políticas industriais estratégicas.

A ideia tão apregoada pelos liberais da crítica do conceito de falha de mercado é tão insuficiente, porque tem como referência um modelo abstrato e irreal. O próprio conceito de falha é político, pois diferentes grupos sociais e diferentes teorias econômicas possuem concepções distintas sobre o que constitui um problema econômico. Para alguns, a desigualdade é uma falha; para a teoria neoclássica, não. Portanto, a definição do que precisa ser corrigido não decorre de modelos técnicos, mas de julgamentos normativos.

As instituições moldam não apenas os incentivos individuais e coletivos, mas também identidades, visões de mundo e noções de legitimidade. Assim, compreender o funcionamento da economia exige ir muito além de modelos que tratam instituições como elementos externos ou adjacentes. Elas são, na verdade, o núcleo da vida econômica. Essa concepção amplia a análise tradicional e se aproxima de perspectivas sociopolíticas que entendem o Estado e o mercado como esferas mutuamente constitutivas.

O neoliberalismo, ao tentar separar política e economia, enfraquece a literatura econômica-democrática de definir coletivamente os rumos da sociedade. A política é extremamente intrínseca ao sistema económico e deve ser encarregada como espaço de deliberação e construção de projetos de desenvolvimento económico e social. A intervenção estatal na economia não é exceção, é preceito. Não é apenas regra empírica, mas normativa: Estados devem agir para agilizar os mercados, promover setores estratégicos, regular comportamentos e orientar o desenvolvimento económico-social. A simples compreensão do desenvolvimento econômico requer uma base mínima de compreensão histórica que possa identificar que as condições específicas de cada país e as decisões políticas que moldaram seu processo de desenvolvimento industrial fizeram de forma individualizada. Em vez de aplicar modelos adaptados e abstratos dos países desenvolvidos aos países periféricos, o processo que leva ao desenvolvimento é, antes de tudo, uma trajetória institucional e política específica condicionada às especificidades institucionais, culturais e sociais de cada país. Essa perspectiva recoloca o papel do Estado como protagonista e sugere que diferentes países podem e devem construir estratégias de desenvolvimento baseadas em seus contextos específicos.

As instituições não apenas estruturam incentivos económicos e sociais; elas formam e definem as identidades sociais e culturais, moldam visões de mundo e explicam o que as sociedades consideram legítimo. Por isso, seu papel é essencial, tendo em vista que elas criam os quadros normativos, culturais e políticos que orientam ações, expectativas e possibilidades de mudança. Mais do que regras simples formais, as instituições são estruturas profundas que organizam o contexto social e condicionam tanto comportamentos quanto interpretações sobre o que é desejável, permitido ou justo no país.


*luiz césar silva é pós-doutorando em Economia pela Universidade do Porto; Doutor em Administração Pública pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo – FJP, Especialista em Controladoria e Finanças pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Economista pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP. É Professor de Administração e Gestão Pública no Instituto Politécnico de Bragança, Escola de Administração Pública, Comunicação e Turismo de Mirandela (EsACT-IPB). Lecionou no Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública da Universidade do Minho. Atualmente, é membro do Comitê Científico da revista “Public Administration Research: Canadian Centre for Science and Education”.

Foto de capa: IA

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