Morre Jimmy Cliff, pioneiro do reggae e voz histórica da Jamaica, aos 81 anos

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O mundo perdeu nesta segunda-feira, 24, um dos pilares do reggae mundial. Jimmy Cliff, cantor, compositor e ator jamaicano que ajudou a levar a música e a cultura de seu país ao cenário internacional, morreu aos 81 anos. A notícia foi confirmada por sua esposa, Latifa, em um comunicado divulgado na conta oficial do artista nas redes sociais. Segundo a nota, Cliff sofreu uma convulsão decorrente de complicações de uma pneumonia.

Latifa agradeceu aos profissionais de saúde que acompanharam o músico, além de fãs e colegas de carreira, ressaltando que o carinho do público foi sempre uma fonte de força para o artista. A família pediu respeito à privacidade neste momento, e informou que novos detalhes serão divulgados posteriormente.

Uma vida dedicada à música e à afirmação cultural jamaicana

James Chambers, seu nome de batismo, nasceu em 1944 na região de Saint James, na Jamaica. Ainda adolescente, mudou-se para Kingston, onde acompanhou de perto as transformações que fariam o ska, o rocksteady e, posteriormente, o reggae se tornarem expressões musicais globais.

Em entrevistas à Folha, Cliff afirmou que a evolução musical jamaicana refletia mudanças políticas profundas, especialmente o processo de independência do país. Sobre o ska, ele afirmou que era a música da euforia da emancipação, enquanto o rocksteady teria surgido como um retrato de frustração: “Não somos independentes. Nada mudou”, diria ele anos depois.

Jimmy Cliff também foi responsável por apresentar Bob Marley à Island Records, mostrando a importância que teve na formação da geração que explodiria o reggae para o mundo. Seu primeiro álbum lançado internacionalmente, Hard Road to Travel (1967), abriu caminho para uma trajetória pioneira na indústria fonográfica e no cinema.

O salto cinematográfico e a consolidação da lenda

Em 1972, estrelou o filme jamaicano The Harder They Come (“Balada Sangrenta”), no qual interpretava um jovem marginal influenciado pelo ambiente tenso de Kingston dos anos 1970, marcado por disputas de gangues, pobreza e resistência. A trilha sonora do longa, protagonizada por Clifford, tornou-se uma das obras mais importantes para a disseminação global do reggae, com clássicos como You Can Get It If You Really Want e a faixa-título.

A partir daí, sua obra passou a dialogar com plateias em diferentes continentes. Cliff se tornaria não apenas uma estrela, mas também um embaixador cultural da Jamaica, influenciando artistas da música negra, do pop e do rock, além de receber duas vezes o Grammy de Melhor Álbum de Reggae — por Cliff Hanger (1985) e Rebirth (2012).

Em 2010, foi incluído no Hall da Fama do Rock and Roll, uma distinção alcançada por pouquíssimos jamaicanos, ao lado de Bob Marley.

Um caso de amor com o Brasil

O vínculo de Jimmy Cliff com o Brasil extrapola o gosto do público. Ele esteve no país pela primeira vez em 1968, ao se apresentar no Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. O que seria uma passagem curta se transformou em quatro meses de estadia, com shows, imersão cultural e até a gravação do álbum Jimmy Cliff in Brazil, que incluiu versões em inglês de canções brasileiras — como Andança, de Beth Carvalho, rebatizada como The Lonely Walker.

Em entrevistas ao jornal Folha de S.Paulo, Cliff relatou que sua visão sobre o Brasil foi marcada pela contradição entre a alegria visível e o racismo estrutural pouco assumido:

“É um país lindo, tudo parece maravilhoso, mas existe algo escondido. Eu entrava num banco e não via uma pessoa negra ali. Não conseguia entender como não havia revolta”, disse ao jornal.

A passagem brasileira inspirou duas de suas músicas mais conhecidas mundialmente: Wonderful World, Beautiful People e Many Rivers to Cross.

Nos anos 1980, Cliff consolidou sua relação com artistas brasileiros, especialmente com Gilberto Gil. Uma turnê realizada em 1980 arrastou multidões em capitais como Rio, Salvador, São Paulo, Recife e Belo Horizonte. Em 1986, participou de especiais musicais da TV brasileira e tornou-se figura presente em programas de televisão, trilhas sonoras de novelas e na memória afetiva nacional.

Parcerias e influências que atravessaram gerações

Ao longo das décadas, Jimmy Cliff trabalhou com gigantes da música como os Rolling Stones, Sting, Wyclef Jean, Bruce Springsteen e muitos outros. Seu talento também dialogou com artistas brasileiros, entre eles Cidade Negra, Margareth Menezes, Titãs e Gilberto Gil.

Sua obra foi revisitada constantemente. Em 1993, sua interpretação de I Can See Clearly Now voltou às paradas como tema do filme Jamaica Abaixo de Zero. Seu último álbum, Refugees (2022), contou com produção de Wyclef Jean.

Uma voz que ultrapassou fronteiras

Jimmy Cliff foi agraciado com a Ordem de Mérito da Jamaica em 2003, uma das mais altas honrarias do país. Na ocasião, o primeiro-ministro Andrew Holness afirmou que o cantor “carregou o coração da Jamaica para o mundo e ajudou a definir a forma como nossa cultura é respeitada globalmente”.

O artista deixa a esposa, Latifa Chambers, e os filhos Aken, Lilty e Nabiyah Be — esta última nascida no Brasil, fruto da relação de Cliff com a psicóloga baiana Sônia Gomes.

Mais que músico, ator ou estrela — representante de uma luta

A morte de Jimmy Cliff encerra uma trajetória que ultrapassou a música. Sua obra retratou uma Jamaica que se reerguia e se afirmava, mas também falava sobre injustiça, identidade e resistência — temas que, ao ecoarem no Brasil, encontraram terreno fértil em um país que compartilhava contradições parecidas.

Como costuma dizer a crítica cultural, o reggae nunca se limitou ao compasso marcante do contratempo. Era ferramenta política, poesia social, espiritualidade e crônica da desigualdade. Jimmy Cliff personificou todas essas camadas — com sensibilidade, criatividade e coragem.


Imagem destacada: Redes Sociais/Divulgação

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