Mino Carta morre aos 91 anos: ícone do jornalismo independente no Brasil

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Mino Carta - Foto: Olga Vlahou /divulgação

Da REDAÇÃO

Morreu nesta terça-feira, 2 de setembro de 2025, aos 91 anos, o jornalista ítalo-brasileiro Demetrio “Mino” Carta, referência incontestável da imprensa nacional.

Internado em São Paulo

Mino Carta estava internado na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, havia duas semanas. Ele enfrentava problemas de saúde há mais de um ano. A causa exata da morte não foi divulgada.


Trajetória e legado

Origem e formação
Nascido em 6 de setembro de 1933, em Gênova, Itália, Mino chegou ao Brasil em 1946. Tentou cursar Direito na USP, mas abandonou o curso ainda no início.

Carreira marcante no jornalismo
Foi fundador ou cofundador de cinco dos mais influentes veículos da imprensa brasileira nas últimas seis décadas:

  • Quatro Rodas (1960)
  • Jornal da Tarde (1966)
  • Veja (1968)
  • IstoÉ (1976)
  • CartaCapital (1994)

Foi também colunista e editor de revistas e jornais, sempre com olhar crítico e independente.

Família e vida pessoal
Viúvo de Maria Angélica Pressoto, falecida em 1996, teve dois filhos: Gianni Carta, jornalista falecido em 2019, e Manuela Carta, que vive na Itália.

Produção literária
Publicou romances e ensaios, entre eles O Castelo de Âmbar (2000), A Sombra do Silêncio (2003) entre outros, nos quais combinava narrativa pessoal com crítica à mídia e à política.


Impacto e legado editorial

Mino Carta foi protagonista de uma transformação profunda no jornalismo brasileiro. Atuou na profissionalização da imprensa nacional ao implementar modelos editoriais baseados em redações especializadas, pautas estruturadas e abordagem investigativa — métodos inspirados na tradição norte-americana e adaptados à realidade brasileira.

Na Veja, adotou uma linha editorial moderna e visual arrojado, influenciada pelas revistas Time e Der Spiegel. Mesmo tendo rompido com a Editora Abril pouco depois, sua contribuição deixou marcas duradouras no semanário.

Com a fundação da CartaCapital, em 1994, Mino consolidou sua visão de um jornalismo crítico, de centro-esquerda e com forte posicionamento político. A revista tornou-se um espaço de resistência à homogeneização editorial, sendo uma das poucas publicações impressas a manter linha progressista em meio ao avanço de posturas neoliberais e conservadoras na mídia brasileira.

Ao longo de sua carreira, Mino não hesitou em denunciar abusos de poder, defender a democracia e questionar os limites entre imprensa e interesses econômicos. Sua defesa de um jornalismo ético, engajado e plural segue como referência para profissionais e estudantes da área.


Atuação nas Diretas Já

Durante os anos 1980, Mino Carta teve papel ativo na cobertura e mobilização pela redemocratização do país. À frente da IstoÉ, seu trabalho editorial abraçou abertamente a campanha das Diretas Já, em favor da volta das eleições diretas para presidente.

Mino utilizava os editoriais das revistas como espaço para criticar o regime militar e cobrar a reabertura política. Ele via o jornalismo como agente de transformação, e sua militância pelas Diretas representava essa convicção. Foi um dos poucos editores de grandes veículos a permitir que sua publicação assumisse uma posição explícita a favor da campanha, quando muitos ainda evitavam o confronto com o regime.


A eleição de 1989

Na histórica eleição presidencial de 1989 — a primeira após a ditadura militar — Mino Carta esteve novamente no centro do debate político. Como diretor da revista IstoÉ, ele foi um dos poucos nomes do grande jornalismo a se opor abertamente à candidatura de Fernando Collor de Mello, que contou com forte apoio da mídia comercial, especialmente da Rede Globo.

A revista deu espaço às denúncias contra Collor ainda no primeiro turno e manteve linha crítica ao longo da campanha. A cobertura de IstoÉ incluía reportagens sobre o autoritarismo do ex-governador de Alagoas, seus vínculos empresariais e incoerências no discurso de “caçador de marajás”.

Essa postura editorial contrariava o alinhamento predominante na imprensa da época e ajudou a criar espaço para o contraditório no debate público. Ainda que Lula tenha sido derrotado no segundo turno, a posição de IstoÉ sob o comando de Mino Carta ficou marcada como uma das poucas vozes dissonantes do coro pró-Collor, reforçando a imagem do jornalista como defensor de uma mídia crítica e independente.


Defesa de Lula durante a Lava Jato

Durante os anos da Operação Lava Jato, Mino Carta foi uma das vozes mais firmes na denúncia do que considerava ser uma perseguição judicial e midiática ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A CartaCapital adotou uma cobertura abertamente crítica ao juiz Sergio Moro, ao Ministério Público Federal e à cobertura da grande imprensa, especialmente da TV Globo.

Mino via o processo que levou à prisão de Lula, em abril de 2018, como parte de um projeto de desestabilização da democracia e criminalização da esquerda. Em editoriais contundentes, ele acusava setores do Judiciário e da mídia de agirem em conluio para impedir o retorno de Lula à Presidência.

Mesmo sob críticas e perda de anunciantes, a CartaCapital manteve essa linha editorial, sendo um dos poucos veículos a oferecer espaço contínuo para o contraditório em meio ao ambiente de polarização política. A postura de Mino durante esse período consolidou ainda mais sua reputação como defensor do jornalismo independente, engajado e comprometido com os valores democráticos.


Lula lamenta a morte de Mino

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lamentou a morte do jornalista Mino Carta e declarou luto oficial de três dias.

Em sua rede social, Lula comentou que conheceu Mino há quase 50 anos, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e que foi ele quem publicou sua primeira entrevista na grande imprensa, em 1978.

“Desde então, nossas trajetórias seguiram se cruzando. Eu, como liderança política, ele, como um jornalista que, sem abdicar de sua independência, soube registrar as mudanças do Brasil. Vivemos juntos a redemocratização, as Diretas Já, as eleições presidenciais e as grandes transformações sociais das últimas décadas”, disse Lula.

“Se hoje vivemos em uma democracia sólida, se hoje nossas instituições conseguem vencer as ameaças autoritárias, muito disso se deve ao trabalho deste verdadeiro humanista, das publicações que dirigiu e dos profissionais que ele formou”. “Em meio ao autoritarismo do regime militar, as publicações que dirigia denunciavam o abuso dos poderosos e traziam a voz daqueles que clamavam pela liberdade“, afirmou Lula.

Estas décadas de convivência me dão a certeza de que Mino foi – e sempre será – uma referência para o jornalismo brasileiro por sua coragem, espírito crítico e compromisso com um país justo e igualitário para todos os brasileiros e brasileiras“, acrescentou.


ASSISTA AQUI O JULGAMENTO DE BOLSONARO.

ASSISTA AQUI À SEGUNDA PARTE DO PRIMEIRO DIA DO JULGAMENTO DE BOLSONARO

Foto da capa: Mino Carta – Foto: Olga Vlahou /divulgação


Tags

Mino Carta, obituário, jornalismo brasileiro, Veja, IstoÉ, CartaCapital, Diretas Já, eleição 1989, Collor, Lula, legado editorial, imprensa progressista, jornalismo independente

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