Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
A reunião ministerial de 22 de abril de 2020, tornada pública por decisão do Supremo Tribunal Federal, talvez tenha sido o momento de maior transparência do governo Capachonaro. Não porque houvesse um compromisso com a verdade ou a racionalidade técnica, mas justamente porque nela se revelou, sem mediações, o Ethos (caráter, aos valores e aos costumes de um indivíduo, grupo social ou cultura) do poder instituído pela direita: autoritarismo, desinformação, ultraliberalismo, destruição institucional e moralismo vulgar.
Filmada no auge da pandemia de COVID-19, a reunião foi marcada por discursos inflamados, xingamentos, ameaças e delírios antidemocráticos. Mas a causa de maior comoção foi a declaração do então ministro do Meio Ambiente, “Boiadeiro Verde , ao propor, com candura estratégica, “passar a boiada”, isto é, aproveitar a distração da imprensa e da sociedade diante da pandemia – 720 mil mortos – para desmontar regulações ambientais e afrouxar o controle sobre a devastação.
O que se viu naquela mesa oval — onde sentaram o presidente da República, ministros de Estado, militares e civis — não foi uma reunião administrativa convencional. Foi uma cerimônia pública de consagração da nova gramática política da extrema-direita neofascista, baseada na destruição de consensos civilizatórios mínimos, no ataque à ciência e à administração pública, e na privatização discursiva da moral.
Relembro daquela reunião como síntese grotesca do projeto político bolsonarista, analisando-a em três dimensões: (1) o desmonte institucional como método; (2) a financeirização da política pública como dogma; e (3) a estetização do ressentimento como linguagem de massas. A reunião de 22 de abril deve ser revista não como um acidente de percurso, mas como um documento pedagógico da tragédia institucional brasileira contemporânea: a perda de vergonha dos adeptos da ditadura (1964-1984) “ao saírem do armário”.
Sátira da Reunião Ministerial “Passando a Boiada” – Versão Teatral Grotesca em Ato Único
Personagens:
- Presidente Capachonaro: Fanfarrão Aqui, Capacho Lá.
- Ministro do Meio Ambiente: Boiadeiro Verde.
- Ministra da Mulher e Família sem Direitos Humanos: Dosmales Opior.
- Ministro da Manipulação da Justiça: Abusado do Poder.
- Ministro General da Saúde: Subserviência Cloroquina.
- Ministro das Relações Exteriores pró neofascistas: Desonesto Praga.
- Ministro da Deseconomia: Paul Degues.
- Narrador Sarcástico: Voz onisciente e debochada.
Cenário: mesa oval, porém sem arestas cognitivas. Bandeira do Brasil entre as dos Estados Unidos e de Israel, escondendo-se de vergonha. Uma mesa repleta de planos de manutenção em lugar de alternância do poder e diagramas do caos para provocação de GLO – Garantia da Lei e da Ordem.
Durante uma GLO, as Forças Armadas recebem temporariamente poder de polícia para atuar em áreas específicas, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade das pessoas e o patrimônio, e garantir o funcionamento regular das instituições. O quebra-quebra na Praça dos Três Poderes a visava.
ATO ÚNICO – “O Dia no qual a Boiada passeou de jet ski”
Narrador Sarcástico: — Era uma manhã tão clara como a transparência do Orçamento Secreto. Os ministros se reuniam para arquitetar o conhecido como o “Concílio da Contrarreforma da Realidade”.
Presidente Capachonaro (gesticulando com a cloroquina na mão e a Constituição na outra): — O povo tá com medo de vírus? MEDO?! Quem tem de ter medo é funcionário público encostado! Eu quero ver é ARMA, PORRA! Se armamento fosse livre, a pandemia já tava resolvida! ‘Bora armar o povo! E quem reclamar, eu sigo meu Capachonarinho! Ele disse certo: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo”…
Ministro do Meio Ambiente (“boiadeiro verde”, em tom bucólico, com olhar de quem vê desmatamento como oportunidade, pede a palavra): — Presidente, enquanto a mídia tá contando mortos por COVID, vamos aproveitar e passar a boiada! Já derrubei três reservas indígenas só hoje. Mandei imprimir um decreto capaz de transformar queimada em “manejo criativo de carbono”. Se os verdes reclamarem, acuso-os de serem favoráveis ao eco-comunismo!
Ministra Dosmales Opior (nascida em 11 de março de 1964, filha de pastor da Igreja Quadrangular, advogada, pastora evangélica fundamentalista religiosa e política oportunista, depois de ser nomeada Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) grita em tom insano: — O problema do Brasil é ter pobre querendo auxílio! Isso cria uma “pressão moral” sobre o rentismo. Eu propus um voucher de mérito: quem trabalhar durante todo o dia ganhará meio pão. E ainda terá o direito de investir a sobra em pagamentos de dízimos!
Ministro da Manipulação da Justiça (depois acusado de abuso de poder econômico em sua eleição para obter a imunidade de senador, colocando em tela-cheia um velho Powerpoint da falsa acusação a Lula de chefiar organização criminosa e comprar um triplex em Guarujá): — Precisamos regulamentar a liberdade de expressão. Liberdade boa é só para quem concorda com a gente. Fake news? Só se for contra o adversário. A Constituição? Tenho uma nova versão pronta, mais objetiva para nossos objetivos. Já mandei prender dois “comunistas digitais” por falarem mal do agro!
Ministro General da Saúde (criticado por sua subserviência ao ex-capitão Capachonaro e sua condução da política sanitária contra a covid-19, em especial, quanto ao negacionismo militar da vacinas científicas): — Comandante, a solução pro SUS é hierarquia militar! Dor de cabeça? Espera! Câncer? Aguarde até fazer Prova de Vida. Afinal, necessita da comprovação de ainda estar vivo quando for atendido… Vacina? Só depois do juramento à bandeira. E lançamos o aplicativo “Saúde de Verdade” com receita de jejum intermitente e oração para uma cura milagreira.
Ministro das Relações Exteriores pró neofascistas (Desonesto Praga trabalha atualmente como assessor internacional de uma fundação ligada ao Vox, partido de extrema direita da Espanha): — Presidente, já rompemos com a França, a ONU, o Papa e o clima. Agora proponho sair da Terra. Vamos fundar um novo planeta, livre de ambientalismo, vacina e regulação! Já tenho um acordo com Elon Musk: o Brasil vai ser a Estação Agrogaláctica.
Ministro da Deseconomia (Paul Degues feliz como pinto no lixo): — Suspender por dois anos os reajustes salariais de servidores públicos é uma “granada” colocada pelo governo “no bolso do inimigo”! Sugiro, Presidente Capachonaro, pedir o apoio dos governadores para a suspensão dos reajuste de servidores até o fim de 2021. Vetarei esse reajuste no projeto para sancionar o socorro financeiro a estados e municípios. Para os nossos governadores, a suspensão dos reajustes representará um fôlego para as finanças estaduais neste e no próximo ano. Ajuste fiscal acima de tudo, O Mercado acima de todos!
Presidente Capachonaro (levantando-se como um Moisés do Cerrado): — Eu só atuo “dentro das quatro linhas” da Constituição (inchada com esteroides)! Esse governo não vai parar até privatizar o oxigênio! Quero colégios militares ensinando Bíblia e empreendedorismo para todos. E se vier CPI, eu mostro o vídeo desta notável reunião! Vai ser o maior sucesso de audiência!
Narrador Sarcástico (com voz solene): — E assim termina a ata não-oficial da reunião ministerial exemplar, onde a realidade pediu demissão, a decência pulou fora, e o Brasil entrou em um buraco onde sequer o agroexportador conseguiu tampar. A boiada passou… com holofotes, cobertura ao vivo e tweet motivacional.
Desejo boa leitura com meu livro! Divirta-se com as sátiras!
Download gratuito do Livro (clique em): Sistema Comparados de Desigualdade e Sátiras. cc
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Foto de capa: Reprodução





Uma resposta
Muito bom!