Lula, Neoliberalismo e APLs: Um Alinhamento Estratégico?

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Por J. CARLOS DE ASSIS* .

Então é isso: Lula deu conta de que a globalização e o livre comércio eram bons para o mundo já na década dos 1980. A extraordinária confissão ocorreu na semana passada durante a viagem do Presidente à Ásia. Segundo ele, citado pelo jornal The New Yorker, “sou de uma geração que aprendeu, na década de 1980, por meio de Reagan e Thatcher, que a melhor coisa para o mundo era a globalização e o livre comércio” – neste caso, por certo, reagindo às tarifas comerciais com que Donald Trump está castigando o planeta atualmente.

Entretanto nós, os idiotas, acreditávamos que o ingênuo metalúrgico do ABC paulista, herói das greves de 1988 que aceleraram o processo de liquidação da ditadura militar e posteriormente o levaram à Presidência da República, era sincero quando disse na ONU, em 2004: “Nas últimas décadas, a globalização assimétrica e excludente aprofundou o legado devastador de miséria e regressão social, que explode na agenda do século 21. Hoje, em 54 países a renda per capita está mais baixa do que há dez anos. Em 34 países, a expectativa de vida diminuiu. Em 14, mais crianças morrem de fome”.

A diferença entre o que disse de improviso, agora, e o que algum assessor colocou em sua boca na ONU, anos atrás, é a diferença entre a mentira e a verdade. Isso só se explica por sua ignorância do que é globalização e o livre comércio. Do contrário, teríamos de admitir que, conscientemente, ele assumiu, como Presidente, as políticas de traição ao nacionalismo desenvolvimentista implícitas no projeto de globalização. Não seria surpresa: Fernando Henrique Cardoso, que o antecedeu na Presidência, também atacou o desenvolvimentismo, ao anunciar que sua missão era destruir “o legado de Vargas”.

Não se pode acusar esses dois presidentes de incoerência. Fizeram a mesma política, enquanto nós, os idiotas, esperávamos que Lula revertesse o programa de privatização desenfreada e de desestatização absurda do antecessor, que o havia conquistado por sua mística de intelectual e scholar de reputação internacional. O País está pagando a conta. Praticamente nada restou dos espetaculares programas desenvolvimentistas de Getúlio Vargas e de Ernesto Geisel, fundamentais para a criação da infraestrutura econômica brasileira, depois da venda a preço vil da Vale do Rio Doce, da CSN e de várias outras estatais, assim como da desnacionalização virtual da Petrobrás com a venda de grande parte de suas ações na Bolsa de Nova Iorque.

É uma infâmia o que está acontecendo. E não se trata apenas de privatização de empresas estatais, mas também de monopólios e oligopólios. Numa aliança com Ratinho Jr, por exemplo, Lula acaba de vender para a Cargill, o maior comercializador mundial de grãos, o Porto de Paranaguá, no Paraná. Pequenos e médios produtores de grãos no Estado perderão o acesso ao mar para escoamento de seus produtos, já que a quase totalidade do porto será ocupada por serviços de interesse da multinacional norte-americana.

O que levou o ingênuo metalúrgico supostamente progressista do ABC a se tornar um entreguista do patrimônio nacional? Supunha que era influência do entorno neoliberal que o cerca, como o ministro da Fazenda Fernando Haddad, mas vejo agora que é uma opção pessoal consciente. E isso está na origem da autodestruição do PT e dos partidos nacionalistas: seria uma contradição continuar defendendo bandeiras do interesse nacional no plano ideológico enquanto, na prática, seu líder maior se entrega de braços abertos às aves de rapina externas e internas que sabotam os interesses brasileiros.

Tudo isso me leva a reforçar a ideia de que é fundamental buscarmos uma alternativa de desenvolvimento para o País “de baixo para cima”, na medida em que todo o andar de cima – falo do Executivo, do Legislativo e do Judiciário – está corrompido por ideias ou pela prática. Alguns, como o líder do Executivo, afetado por um desvio ideológico confessado que facilita a corrupção institucionalizada através da política monetária; outros, como o Congresso, dominado pelas forças regressivas do Centrão, que negociam participação no governo a fim de roubar o povo através de emendas parlamentares em troca de contribuição para formação de uma administração disfuncional; por fim, o Judiciário, onde, segundo a Folha de S. Paulo, há nada menos que 14 tribunais sendo investigados por venda de sentenças.

A maioria dessas personagens do “andar de cima”, quando não usa o poder público em seu próprio benefício material, se omite diante das necessidades reais da população. São estas as necessidades que podem ser atendidas por instituições da própria sociedade civil, como os APLs (Arranjos Produtivos Locais). APLs com alto potencial econômico e tecnológico organizados num ecossistema que possibilite atividades integradas de seus participantes, em rede, formando cadeias circulares, possibilitariam grande aumento de produtividade, reduzindo custos e favorecendo preços menores para o consumidor.

Entretanto, o maior benefício que pode vir desses Arranjos, que devem ser organizados em Sociedades Anônimas, são os resultados econômicos para os produtores, na medida em que eles são sócios do empreendimento, junto com eventuais investidores do entorno.

Segundo o empresário e jornalista Rodrigo Rocha, que organizou em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, um APL vocacionado para produção de carne de alta qualidade para o mercado interno e exportação, existem no Brasil cerca de 340 regiões (municípios e entornos) onde podem ser organizados Arranjos. Ele pretende replicar a experiência do Sul em Silva Jardim, no Estado do Rio, onde foram iniciadas conversações com líderes e empresários locais com esse objetivo. A meta agora é buscar a ampliação da rede de Arranjos Locais e Regionais, para o que, eventualmente, seria necessário a busca de investimento externo a juros baixos, porque nenhum empreendimento econômico sério suporta taxas de juros de agiotagem como as da Selic. 


Publicado originalmente na Tribuna da Imprensa.        

*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Lula discursa no encerramento do G20 social • Reprodução

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Uma resposta

  1. Muito boa a reportagem e os comentários. Só precisamos de um forte neste meio, para não deixar que ocorrra muitas e outras situações como está mencionada.

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