Por LUIZ CÉSAR SILVA*
Com as crises económico-sociais, principalmente no contexto das últimas décadas e, em particular, a atual da Argentina, um unânime que se observa, em específico, desde a crise de 29, é que a intervenção do governo para salvar a economia é essencial e, após esta ter se recuperado. No entanto, após a recuperação econômica, surgem, para alguns, argumentos de que este já seria o momento de o governo deixar de interferir no mercado e dar espaço para que a “mão invisível” Smithiana atue. Esta, por si só, sustentaria a competitividade ao alocar os recursos produtivos de forma mais eficiente e eficaz e, consequentemente, o desemprego diminuiria, os salários se ajustariam, o PIB cresceria e o país se desenvolveria. Por conseguinte, quando o bolo cresce, ele seria repartido para todos.
Há vários questionamentos a essa ideia. Não vou entrar na questão de quem aloca melhor os recursos produtivos, se realmente o desemprego diminui e o mercado de trabalho chega ao equilíbrio sem intervenção do governo, se os salários se reajustam no nível de não gerar mais-valia marxista, se o mercado se tornará mais competitivo com menos desregulamentações, etc…A questão central a que me proponho é que o raciocínio anteriormente exposto propagado não é coerente! Explico de forma resumida.
O fundamento teórico do liberalismo econômico tem seu alicerce no pensamento dos economistas ortodoxos, sendo posteriormente ampliado pelos economistas neoclássicos. O pressuposto é que, assegurada a liberdade “natural” do comércio, a concorrência, o próprio mercado se estabiliza por meio da concorrência, corrige seus desequilíbrios e garante eficiência produtiva, caso não sofra interferências externas (o Estado). Ao produzir produtos, automaticamente as empresas já criam seus clientes (oferta gera sua própria demanda – Lei de Say) onde tudo o que é produzido automaticamente será vendido. Tendo em vista que a produção necessita de trabalhadores, estes recebem seus salários e acabam por consumir os bens que foram produzidos por eles. Na ideia de que tudo que se produz é vendido, caso haja desemprego (excesso de oferta de trabalhadores), o preço dos produtos cairia (excesso de oferta de produtos) e, por assim, o mercado retornaria ao equilíbrio entre oferta e demanda. Entretanto, ao reduzir o preço dos produtos, o lucro do empresário reduz e, automaticamente, os salários são reduzidos também. Ou seja, acaba por ter um novo equilíbrio abaixo do equilíbrio potencial produtivo (ociosidade produtiva – o que Marx vai chamar de crise de superprodução).
Esse cenário possibilita que, ao reduzir os salários, os empresários aumentem a demanda por trabalhadores (oferta de vagas) e, consequentemente, a produção volte ao equilíbrio na plena capacidade. Em síntese, o desemprego seria solucionado de forma simples por meio da redução dos salários, que deveriam ser flexíveis, com a flexibilização da legislação trabalhista e a ampliação das terceirizações. Nessa perspectiva, quanto menos sindicatos e garantias ao trabalhador existirem, melhor, pois estes seriam vistos como obstáculos ao equilíbrio promovido pela “mão invisível” do mercado produtivo. Nota-se que o desemprego é sempre de carácter transitório, explicável pelas flutuações naturais do ciclo de negócios da economia capitalista. A ideia de Marx de um desemprego de caráter permanente (o capitalismo necessita do desemprego para se reproduzir), ou uma crise de superprodução – paradoxo central do capitalismo –, como demonstrado por Marx, em relação à crise de 1929 não tem lugar no pensamento liberal.
Em Keynes, há uma mudança considerável no foco da análise econômica. A demanda efetiva passa a determinar a oferta. O empresário decide quanto produzir e quantos trabalhadores contratar com base nas expectativas de vendas futuras. Essa decisão resulta da comparação entre o custo de produção e a taxa de juros vigente no mercado, que representa o retorno alternativo do capital. Caso o lucro esperado seja suficiente para compensar esses dois fatores, o empresário realizará o investimento (Teoria da eficiência marginal do capital keynesiano).
Dessa forma, o nível de emprego não é determinado pelo livre funcionamento do mercado de trabalho, como supõe o modelo ortodoxo, mas pelas decisões dos empresários no mercado de bens e serviços, fundamentadas em suas expectativas de demanda. Em contextos de desemprego, a simples redução dos salários não é suficiente para estimular novas contratações, pois, se os empresários não vislumbrarem possibilidades de venda, não haverá incentivo ao aumento da produção. Ademais, cortes salariais podem afetar negativamente as expectativas, aprofundando a retração do emprego.
Em Keynes, o consumo cresce à medida que a renda aumenta, porém em proporção menor, em função da propensão marginal a consumir. Essa propensão é influenciada por diversos fatores, como a distribuição da renda, necessidades básicas, taxa de juros, incerteza quanto ao futuro e motivos de precaução. A principal fonte de instabilidade da economia, contudo, reside no investimento, que depende fortemente das expectativas dos empresários em um ambiente marcado pela incerteza fundamental.
Diante dessa instabilidade, o investimento tende a oscilar, afetando diretamente o nível de demanda agregada e, consequentemente, a atividade econômica e o emprego. Para mitigar essas flutuações, Keynes atribui ao Estado um papel ativo, por meio de políticas fiscais anticíclicas. O governo deve compensar a insuficiência da demanda privada por meio do aumento dos gastos públicos, do investimento direto e, em determinadas circunstâncias, de incentivos ao investimento privado.
A proposta central de Keynes consiste na criação de mecanismos fiscais compensatórios capazes de contrabalançar as oscilações dos gastos privados em uma economia inerentemente cíclica. Nesse sentido, diferentemente do pensamento ortodoxo, Keynes reconhece a importância dos sindicatos e dos mecanismos de proteção social, como o seguro-desemprego e a assistência social. Essas transferências atuam como estabilizadoras automáticas, expandindo-se nos períodos de crise e retraindo-se com a retomada do emprego, contribuindo para a sustentação do consumo e da demanda agregada.
O sistema tributário deveria ter uma tributação progressiva que pode colaborar para, em momentos de retração econômica, diminuir a carga tributária do setor privado liberando maior quantidade de recursos para investimentos e, na expansão econômica, conteria os investimentos via subtração de renda do setor privado. Ou seja, um sistema de imposto que funciona como estabilizador automático das flutuações cíclicas econômicas. Para Keynes, o uso de políticas fiscais compensatórias é mais eficiente do que instrumentos monetários, pois alterar a taxa de juros afetaria a decisão de investir na produção ou não do empresário.
Em síntese, ver a economia pelo lado da oferta (liberais) é diferente de vê-la pelo lado da demanda (não liberais). Oferta e demanda devem e podem caminhar juntas. Nenhuma nação desenvolveu-se sem a força propulsora de um governo participativo e eficiente, o mesmo para o mercado. O pensamento dos novos-keynesianos destaca mais indução do mercado por meio do Estado eficiente. A literatura é vasta em indicar os casos dos países de sucesso (desenvolvidos) em que a oferta (produção) se direcionou a bens que possibilitam elevação do PIB (basta ver a China, Japão etc.). Nesses casos, o upgrade do mercado (oferta) que levou a essas nações a se desenvolverem decorreu da ação do Estado por meio de política fiscal, subsídios, regulações, dentre outras diversas políticas, que interferiu no direcionamento e deslocamento da demanda (salário e renda) que proporcionou a indução da oferta. Ou seja, a demanda criou a oferta. A questão aqui passa a outro nível. Quais mecanismos o Estado pode adotar para aumentar sua eficiência e eficácia e, consequentemente, melhorar e ampliar a competitividade do setor privado?
Há inúmeros questionamentos e debates possíveis a esse raciocínio. Não entrarei aqui nesse ponto, por causa do espaço físico, sobre quem aloca melhor os recursos produtivos, se o desemprego de fato diminui sem intervenção estatal, se o mercado de trabalho alcança equilíbrio espontaneamente, se os salários se ajustam sem gerar mais-valia marxista ou se a redução de regulações torna o mercado mais competitivo. A questão central que levanto é outra: o raciocínio amplamente difundido é internamente incoerente. Explico, de forma sintética.
O fundamento teórico do liberalismo econômico está ancorado no pensamento dos economistas clássicos, posteriormente, dos neoclássicos. Seu pressuposto básico é que, assegurada a liberdade “natural” do comércio — isto é, a concorrência —, o próprio mercado se autorregula, corrige seus desequilíbrios e garante eficiência produtiva, desde que não sofra interferências externas, especialmente do Estado. Quanto menos Estado, melhor.
Nesse modelo, ao produzir bens, as empresas criam automaticamente sua própria demanda, pois a produção exige mão de obra. Os trabalhadores recebem salários e, por meio do consumo, absorvem os bens que produziram. Assim, tudo o que é produzido tenderia a ser consumido. Caso surja desemprego, entendido como excesso de oferta de trabalhadores, haveria também excesso de oferta de produtos, levando à queda de preços. O mercado, então, retornaria ao equilíbrio entre oferta e demanda.
Entretanto, a redução dos preços implica queda nos lucros empresariais e, consequentemente, pressão para redução dos salários. O novo equilíbrio que se estabelece ocorre abaixo do potencial produtivo da economia, com ociosidade de capacidade nas empresas. Nesse contexto, a diminuição dos salários permitiria aos empresários aumentar a demanda por trabalhadores, elevando a produção até que se restabeleça o equilíbrio em plena capacidade. Em síntese, o desemprego seria resolvido por meio da redução salarial.
Para que isso ocorra, os salários devem ser flexíveis, o que implica flexibilização da legislação trabalhista, terceirizações e enfraquecimento de sindicatos. Quanto menores forem as garantias trabalhistas e a organização sindical, melhor funcionaria o ajuste do mercado. O desemprego, nessa perspectiva, é sempre transitório, resultado das flutuações naturais do ciclo econômico capitalista. Não há espaço teórico para a noção de desemprego estrutural ou de crise de superprodução.
Keynes, por sua vez, altera radicalmente o foco da análise. Para ele, é a demanda que determina a oferta. O empresário decide quanto produzir e quantos trabalhadores contratar com base na expectativa de vendas. Sua decisão de investir depende da relação entre o custo de produção e a taxa de juros vigente. Se o retorno esperado da produção superar esses custos, incluindo o rendimento alternativo que obteria ao aplicar seus recursos no mercado financeiro, o investimento ocorrerá. Em Keynes, o consumo cresce com a renda, mas não na mesma proporção. A propensão a consumir é influenciada por diversos fatores, como distribuição de renda, necessidades básicas, taxa de juros, incerteza, medo e precaução em relação ao futuro que levam as famílias a pouparem, entre outros pontos. A instabilidade econômica decorre, sobretudo, da volatilidade do investimento privado, que depende de expectativas frequentemente imprecisas sobre o futuro. Variações no investimento afetam a demanda agregada e, consequentemente, o nível de atividade econômica.
Assim, o nível de emprego não é determinado no mercado de trabalho, como no modelo ortodoxo, mas no mercado de bens e serviços, a partir das expectativas dos empresários. Diante do desemprego, a simples redução dos salários não estimula novas contratações se os empresários não acreditarem que haverá demanda suficiente para seus produtos. Pelo contrário, cortes salariais podem deteriorar ainda mais as expectativas, agravando o desemprego. Para mitigar essa instabilidade, o Estado deve desempenhar um papel ativo, tanto por meio de gastos públicos que compensem a insuficiência de demanda privada quanto pelo estímulo ao investimento privado, via incentivos fiscais, redução de tributos e aumento do investimento público direto. A principal contribuição de Keynes consiste na defesa de mecanismos fiscais compensatórios capazes de suavizar as flutuações dos gastos privados em uma economia intrinsecamente cíclica.
Diferentemente do pensamento ortodoxo, Keynes atribui importância fundamental aos sindicatos e aos mecanismos de proteção social, como seguro-desemprego e assistência social, cujas transferências devem aumentar em períodos de desemprego, sustentando o consumo, e diminuir automaticamente com a retomada do emprego. Além disso, um sistema tributário progressivo atua como estabilizador automático do ciclo econômico: em períodos de retração, reduz a carga tributária do setor privado, liberando recursos para investimento; em períodos de expansão, modera o crescimento ao subtrair renda do setor privado. Para Keynes, políticas fiscais compensatórias são mais eficazes do que instrumentos monetários, uma vez que a simples alteração da taxa de juros pode não ser suficiente para estimular o investimento produtivo.
Em síntese, analisar a economia pelo lado da oferta é distinto de analisá-la pelo lado da demanda, embora ambas devam caminhar conjuntamente. Nenhuma nação se desenvolveu sem a atuação de um Estado participativo e eficiente, assim como nenhuma prosperou sem um mercado dinâmico. O pensamento novo-keynesiano enfatiza a indução do mercado por meio de um Estado eficiente.
A literatura econômica é ampla ao demonstrar que países desenvolvidos alcançaram sucesso ao direcionar a oferta para setores capazes de elevar o PIB. Em todos esses casos, o aprimoramento da estrutura produtiva resultou de forte ação estatal por meio de políticas fiscais, subsídios, regulações e outras intervenções que influenciaram a demanda, via salários e renda, induzindo a oferta. Em outras palavras, a demanda criou a oferta. A questão central, portanto, desloca-se para outro patamar: quais são os instrumentos e mecanismos pelos quais o Estado pode se tornar mais eficiente e eficaz, ampliando a competitividade da oferta privada e, ao mesmo tempo, induzindo esse setor a também se tornar mais eficiente e produtivo?
*luiz césar silva é pós-doutorando em Economia pela Universidade do Porto; Doutor em Administração Pública pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo – FJP, Especialista em Controladoria e Finanças pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Economista pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP. É Professor de Administração e Gestão Pública no Instituto Politécnico de Bragança, Escola de Administração Pública, Comunicação e Turismo de Mirandela (EsACT-IPB). Lecionou no Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública da Universidade do Minho. Atualmente, é membro do Comitê Científico da revista “Public Administration Research: Canadian Centre for Science and Education”.
Foto de capa: Reprodução





Uma resposta
Fazia tempo que meu cérebro não se exercitava tanto!! Eu gostaria de ter visto outros países no texto, mas talvez eles não se encaixem no modelo keynesiano. Países nórdicos, a Alemanha, que tem um modelo forte de programas sociais, carga horária reduzida entre outras coisas…