Hemingway e o velho lobo do mar

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Por LÉA MARIA AARÃO REIS*

Há semanas, em várias cidades do país, o relançamento de certo livro de aventuras e memória concentra a atenção e instiga a curiosidade de leitores, aqueles que não perderam o hábito da leitura e seguem interessados em literatura, ficção e realidade. O velho lobo do mar, do jornalista capixaba Maciel de Aguiar, nessa sua segunda edição, relata a incrível história de seu pai, Walter de Aguiar, um velho aventureiro marinheiro e mergulhador brasileiro, que em 1936, em noite de conversas sem hora para terminar, em uma mesa de cabaré de Cuba, no bairro da Habana Vieja, conheceu o escritor Ernest Hemingway de quem se tornou amigo.

‘’Um dia, os dois ouviram um velho pescador, em uma praia cubana, contar como havia pescado um monumental peixe e como o matara, após dois dias de luta tenaz, amarrando-o ao barco. Mas famintos tubarões comeram mais da metade de suas carnes, e acabaram por ajudá-lo a trazer o enorme esqueleto ao lado da canoa para a terra firme’’, relata Maciel.

Tempos depois, aquela história contada pelo velho pescador a Hemingway e a Walter de Aguiar naquela praia cubana, originou o célebre livro O velho e o mar. Hemingway publicou a história e com ela foi premiado com o Nobel de Literatura de 1954.

Se o leitor (a) se emociona com a leitura de O velho e o mar, do consagrado escritor norteamericano, Nobel de Literatura, ficará impressionado ao ler O velho lobo do mar, deMaciel de Aguiar. O autor relata no seu livro que seu pai, um aventureiro, marinheiro e mergulhador, nas décadas de 1930/40 trabalhava com a marinha estadunidense, durante a Segunda Guerra Mundial. Walter de Aguiar armava e desarmava minas submarinas, consertava hélices de embarcações e soldava cascos de navios avariados.

Quando Walter voltou ao Brasil no pós-guerra, mudou de vida. Dedicou-se a fabricar sapatos no Rio de Janeiro, e em seguida  retorno ao Espírito Santo e montou o Bar Tupy, na cidadezinha de Conceição da Barra, norte do estado. Lá ficou conhecido pela sua produção de picolés, refrescos e sorvetes produzidos com frutas da estação. O pai de Maciel também mantinha um pequeno palco nos fundos do seu negócio, onde contava as aventuras que vivera no passado para os fregueses notívagos, poetas, seresteiros, boêmios, e frequentadores do Tupy.

O marinheiro navegou por todos os oceanos, enfrentou as mais violentas tempestades, viveu muitas noitadas em cabarés,  participou de competições de mergulho livre, em apneia, além de luta de boxe e competição de queda de braço. Mais tarde, foi comandante de grandes embarcações.

Maciel de Aguiar diz: “Demorou 50 anos para que eu escrevesse sobre ele porque não sentia capacidade literária para escrever sobre Ernest Hemingway nem condições psicológicas para contar as aventuras de meu pai. Sobretudo, o seu suicídio que sangrou a minha alma”. 

O mais surpreendente narrado em O velho lobo do mar ocorreu após Hemingway e Walter de Aguiar terem sido atingidos pelas mesmas doenças – hipertensão, depressão e diabetes -, vivendo a milhares de quilômetros de distância um do outro. Passaram-se décadas sem se encontrarem ou conversarem. Mas em um dia 02 de julho os dois precipitaram o fim de suas vidas.  Hemingway se matou em  1961, e Walter tentou se suicidar em um outro 02 de julho, em 1973. Um filho tomou a sua arma, mas ele descobriu onde ela havia sido guardada e se matou dois dias depois, quando a encontrou. Como Ernest, também Walter foi vítima da depressão, hipertensão e diabetes.

Maciel diz que não acredita em coincidências. E comenta: “Possivelmente, o destino determinou que ambos fossem acometidos pelas mesmas doenças graves e terminais para serem vitimados por profundas tristezas”.   

Hoje, o escritor dessa história, jornalista aposentado, poeta, militante nos movimentos de resistência à ditadura de 1964, vive “quase  recluso’’ na Ilha de Guriri, em São Mateus, no norte do Espírito Santo. Maciel é autor de 143 livros, quarenta deles trabalhos sobre a história dos quilombolas, de 1965 a 1995. É autor de quatro volumes da coleção Os Anos de Chumbo – memórias sobre a ditadura civil – militar de 64 -, e de outros trabalhos biográficos. Entre eles Pelé, Oscar Niemeyer, Ayrton Senna, Rubem Braga, Roberto Carlos. 

Em 1971, Maciel viveu na semiclandestinidade, em pensões do bairro do Catete, na Lapa e na Gamboa, no Rio. Era lá que escrevia versos panfletários contra a ditadura e militava no PCBR, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.  Com a morte dos companheiros, Aguiar deixou a semiclandestinidade e começou a trabalhar como jornalista.

No Pasquim, Ziraldo foi um dos mestres do capixaba e entre os dois se criou uma relação de aprendizado e de inspiração mútua, com Ziraldo reconhecendo o talento de Maciel e acompanhando o seu amadurecimento profissional.

Se a trajetória de vida do autor de O velho Lobo do Mar não foi  aquela de marinheiro que cultivou aventuras fascinantes, em terra firme ele tomou o rumo de corajoso aventureiro assim como a dos dois protagonistas do seu livro.

Na política e na literatura Maciel de Aguiar encontrou o seu destino e a sua liberdade. E em 2023 foi agraciado com uma indicação ao Nobel de Literatura, passando a fazer companhia a Jorge Amado, Érico Veríssimo e Lygia Fagundes Telles, escritores brasileiros também indicados para a ilustre premiação.

Em tempo, para a informação do leitor: os livros de Maciel de Aguiar não estão disponíveis nas livrarias. São vendidos pela internet, através do e-mail da sua editora,  memorialeditora@yahoo.com.br, ou pelo whatsapp 27-999 88 12 57. Vale a pena conhecê-lo.


*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.

Foto de capa: 

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