S. Paulo – O jurista e ex-Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Hédio Silva Júnior, coordenará a apelação que será protocolada junto ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, visando a revisão da sentença da 2ª Vara Trabalhista de Bento Gonçalves que decidiu extinguir a ação movida por entidades paulistas, gaúchas e do Tocantins, para responsabilizar as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, pela prática de trabalho análogo à escravidão.
A sentença de 07 de janeiro deste ano, em pleno recesso do Judiciário, é assinada pelo juiz substituto André Sessim Parisenti. Segundo o juiz, mesmo tendo nos seus estatutos o compromisso com o combate à discriminação e a defesa dos direitos humanos, as entidades não possuem “pertinência temática em relação aos objetos da demanda”.
O ex-secretário de Justiça de S. Paulo, que é uma das principais lideranças negras do país (foto ao lado) disse que as entidades estão esperançosas em que o Tribunal reforme essa sentença “e aplique uma sanção cabível, adequada, condizente coma prática da discriminação racial a essas vinícolas”.
“Seria cabível falar em pertinência temática se o Estatuto dessas instituições não tivesse vinculação com a demanda, mas, sim, tem vinculação direta com a demanda. É admissível que uma parte não tivesse, mas a maioria tem pertinencia temática. Dois: dizer que a inicial é inepta quando a inicial está baseada, inclusive, no TAC em que as vinícolas admitem o trabalho escravo? Não é possível dizer que essa petição é inepta, ou seja, inválida; e três: dizer que não há interesse processual, quando na verdade o que se busca aqui é expandir o controle judicial sobre a atuação dessas empresas considerando também a temática da motivação racial”, afirma Silva Jr.
TRABALHO ESCRAVO
Os advogados do Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos, em nome das entidades promotoras da Ação pedem a condenação das vinícolas a uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 207 milhões – R$ 1 milhão para cada trabalhador encontrado em trabalho análogo à escravidão pela Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público Federal do Trabalho – já anunciaram que vão recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho e convidaram Hédio para coordenar a defesa.
O caso aconteceu há quase dois anos, em 22 de fevereiro de 2023, quando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) resgatou 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão, em Bento Gonçalves, num alojamento no Bairro Borgo, a cerca de 15 km dos vinhedos, na Serra gaúcha. A operação realizada pela PRF, pelo MTE e pela Polícia Federal (PF), ocorreu após três trabalhadores procurarem a PRF em Caxias do Sul dizendo que tinham fugido de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. No local, os trabalhadores foram encontrados “em situação degradante”.
Em março do mesmo ano, o Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos formado por advogados de S. Paulo, Rio Grande do Sul, Tocantins e Espírito Santo e constituído pelas entidades Soeuafrobrasileira e Coletivo de Advogados pela Democracia (COADE), de São Paulo, Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, do Rio Grande do Sul, e Movimento dos Direitos Humanos do Tocantins, protocolou Ação Civil Pública pedindo a condenação das vinícolas ao pagamento de uma indenização de R$ 207 milhões – R$ 1 milhão para cada trabalhador encontrado realizando trabalho análogo à escravidão. Na foto acima, o presidente da Soeuafrobrasileira, Rubens Fernandes de Souza, hoje com mais de 80 anos, que teve avós e bisavós escravizados.
TAC COM VALORES IRRISÓRIOS
Anteriormente, o Ministério Público Federal do Trabalho, havia assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que as vinícolas se comprometiam a pagar R$ 7 milhões aos 207 trabalhadores, quantia considerada irrisória, uma vez que, no entendimento das entidades, não repara nem os danos individuais dos atingidos, muito menos os danos morais.
O caso teve ampla repercussão no país. Além da condenação, as entidades pedem a realização de campanha nacional de combate a discriminação e ao preconceito contra nordestinos a ser patrocinada pelas vinícolas.
A ação inicialmente tramitou na Justiça Estadual, que se considerou incompetente e transferiu para a Justiça do Trabalho. O MP do Trabalho, inicialmente, manifestou-se pela extinção do processo em relação a Associação Estadual de Direitos Humanos do Estado do Tocantins e Coletivo de Advogados para a Democracia, de S. Paulo por ilegitimidade ativa e, em relação as demais entidades pela extinção do processo por falta de interesse processual, bem como pela isenção das custas e demais despesas.
Veja a matéria veiculada pela TVT, em que foram ouvidos, além de Hédio, a professora Sandra Helena Maciel, coordenadora da Maria Mulher, Organização de Mulheres Negras, do Rio Grande do Sul, e Rubens Fernandes de Souza, presidente da Soeuafrobrasileira.
Publicado originalmente em AfroPress.
Foto de capa: Reprodução
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