Por J. CARLOS DE ASSIS*
Temos apresentado nos últimos dias sugestões para que o Brasil supere os efeitos do tarifaço imposto às nossas exportações para os Estados Unidos, sendo as principais delas as relacionadas com produtos vinculados a investimentos de infraestrutura. A essência de nossas sugestões é que devemos subsidiar, sim, a produção desses bens, com a condição de que sejam deslocados para o consumo interno a fim de funcionarem como uma âncora para a construção de nossa infraestrutura em setores vitais.
Contudo, o apoio que algumas áreas do Governo está prometendo para que alguns setores da economia suportem os efeitos do tarifaço de Trump interessa às oligarquias industriais e financeiras do País, mas não à Nação como um todo. A verdadeira ajuda para o País a atravessar essa quadra de crise imposta pelo Governo americano implicaria aproveitar o momento para deslanchar um programa de modernização da infraestrutura econômica através de um rápido programa emergencial.
Veja o que está sendo prometido às indústrias do aço e do alumínio, segundo fontes. São grandes fornecedores para a construção de ferrovias, das quais representam o principal insumo produtivo. E ferrovias são fundamentais para a modernização da logística brasileira, que é uma das mais atrasadas do mundo. Certamente que as indústrias de aço e alumínio merecem ser apoiadas contra a absurda tarifa de 50% que lhes está sendo imposta. Contudo, a contrapartida dos subsídios deveria ser a volta de de seus produtos no mercado brasileiro. Mas ninguém fala nisso.
O que o Governo está prometendo é um crédito de R$ 10 bilhões, parte dos R$ 30 bilhões reservados para todos os setores atingidos pela maior taxa aplicada aos produtos brasileiros, com juros subsidiados de 3% a 5% ao ano, porém mantendo as exportações para os EUA. Como não há compromisso de internalização no mercado interno desses produtos, estaremos, na realidade, subsidiando os consumidores americanos com nossos impostos, o que seria um escândalo de grandes proporções se vier a acontecer.
Internamente, os empréstimos subsidiados aos industriais poderão se converter em pura especulação financeira na medida em que custarão 3% a 5% aos beneficiários, segundo algumas fontes, podendo ser aplicados no mercado no mínimo à taxa Selic, de 15%. Isso consagraria um verdadeiro conluio para ganhos extraordinários das oligarquias bancária e industrial em detrimento do povo brasileiro, que ao final teria de pagar a conta.
É fato que, a curtíssimo prazo, a economia interna não tem como absorver o aço e o alumínio que teriam de ser deslocados do mercado americano. Contudo, isso é possível a médio prazo, se tivermos planejamento. Já existe um acordo com a China para construirmos a ferrovia bi oceânica. Que nossos burocratas e tecnocratas saiam de suas salas refrigeradas e tratem de realizar imediatamente, com nossos parceiros chineses, os projetos necessários para a implementação dessa ferrovia.
Os chineses são especializados em grandes construções em tempo recorde, inclusive ferrovias, rodovias, hidrelétricas etc. Estão empenhados em oferecer ao Brasil sua cooperação técnica, o que deve se materializar desde o projeto básico até a operação das locomotivas. O projeto poderia ser aplicado de forma simultânea, articulado com a produção do aço e do alumínio, como se sugere adiante.
Seria indispensável, antes de mais nada, a concessão de férias coletivas remuneradas aos trabalhadores das duas indústrias a fim de suspender a produção pelo tempo que for necessário para a realização dos projetos e a efetivação dos primeiros resultados da construção civil. Nas usinas de aço, ficariam em serviço apenas equipes encarregadas de manter os altos fornos em funcionamento, evitando seu resfriamento, até a retomada da produção plena.
A construção civil da ferrovia, para preparar a colocação dos trilhos, poderia ser iniciada logo que as etapas iniciais do projeto básico ficassem prontas. A partir daí, o aço que tivesse de ter sido armazenado antes em espaços especiais poderia ser absorvido aqui mesmo no Brasil. E mais aço poderia ser produzido com a retomada total do processo industrial, regularizando-se o funcionamento das siderúrgicas.
É claro que estou simplificando. Isso, contudo, é apenas para reforçar o argumento de que, havendo planejamento adequado, poderemos usar a siderurgia nacional para superar o tarifaço e estabelecer as bases de uma nova logística no País, baseada no transporte ferroviário. Isso mais do que compensaria os subsídios que serão pagos pelo Governo aos exportadores expulsos do mercado americano pelas tarifas.
O fundamental, em qualquer caso, é que, para qualquer produto tarifado no nível de 50%, deve haver subsídios e incentivos governamentais para que ele fique no Brasil, dando suporte a nossa infraestrutura, em lugar de subsidiar a economia americana. Mas nossos empresários têm que trabalhar duro para receber os benefícios, e não ficar sentados em suas salas refrigeradas para receberem os bônus de aplicações financeiras improdutivas e especulativas.
O planejamento governamental não é um imperativo apenas para contornar o tarifaço. É uma necessidade fundamental para o País. Abandonamos o planejamento desde o Governo Geisel (II Plano Nacional de Desenvolvimento, PND), na medida em que, com a democratização, os ideólogos neoliberais que tomaram conta do Estado lhe impuseram os princípios do chamado “livre mercado”, que deixa a economia solta sem objetivo definido.
Entendo que, recorrendo a uma estratégia que colocaria o País de novo na trilha do crescimento a altas taxas, como no I e II PND, deveríamos articular, num mesmo movimento, a construção civil pesada para construir ferrovias (estima-se que precisamos de um total de 20 mil km), a construção civil leve para construir moradias (um milhão por ano), a construção de hidrelétricas médias e a construção de usinas solares e eólicas para consolidar a transição para energia limpa.
Ao lado disso, considerando o tarifaço que foi imposto também à carne brasileira exportada para os EUA, inviabilizando esse mercado, temos de integrar o agronegócio nas contramedidas necessárias para neutralizá-lo. Nesse caso, seria importante uma combinação de esforços do Governo com o setor privado, recorrendo a subsídios e incentivos, para encontrar mercados alternativos para a carne brasileira no exterior, complemento-os com a expansão do mercado interno, que poderia beneficiar-se do aumento da renda média que resultaria do crescimento econômico.
Contudo, sempre haverá um neoliberal ignorante que, usando a tela da Globo e as páginas do Estadão e da Folha, fará “graves” advertências de que um programa de crescimento acelerado financiado inicialmente por déficit levará ao desequilíbrio fiscal e à inflação. Temos ouvido isso há 40 anos. Contudo, esquecem-se de que, no segundo Governo Lula, o forte investimento público inicialmente deficitário cresceu significativamente, puxando a demanda global, e o aumento da demanda induziu o crescimento da produção e da oferta. Isso estabilizou a inflação, garantiu a alta do PIB e esta incrementou a receita tributária, do que resultou até mesmo um superávit primário.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto de capa: IA





Uma resposta
Muito bom. JCA é um economista que desafia o mainstream com suas ideias ousadas e justas.