Genocídio, a Brutalidade do Maior dos Crimes

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Por CELSO JAPIASSU*

Um crime que não tinha nome até o ano de 1944, mas que tem sido cometido desde tempos antigos. A destruição de Cartago pelos romanos, em 146 a.C., marcou um dos primeiros genocídios registrados na História. Praticamente toda a população de Cartago, uma das mais importantes cidades do mundo antigo e que tinha 700 mil habitantes, foi dizimada depois da derrota militar, inaugurando as políticas de exterminação motivadas por conflitos territoriais, étnicos ou coloniais que até hoje são praticadas, como atestam os acontecimentos que estamos atualmente a assistir em Gaza.

É a mais legítima representação da crueldade humana aplicada de forma intencional e previamente planejada pelos poderosos.

A palavra “genocídio” foi criada em 1944 pelo jurista judeu-polonês Raphael Lemkin, durante a Segunda Guerra Mundial, para descrever os crimes cometidos pelos nazistas contra os judeus e outras minorias perseguidas pelo regime de Hitler. O termo resulta da combinação dos radicais grego “geno-” (raça, tribo) e latino “-cídio” (matar), sendo posteriormente adotado no direito internacional para designar a eliminação deliberada de grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos.

Em plena modernidade, nos dois últimos séculos, genocídios representaram algumas das maiores tragédias da história humana, com extermínios sistemáticos de povos inteiros. São episódios que marcaram tragicamente a nossa época, mostrando o poder destrutivo de ideologias extremas e da intolerância institucionalizada.

Sob o domínio do rei Leopoldo II da Bélgica, calcula-se que entre 1 e 15 milhões de africanos foram mortos ou mutilados no fim do Século 19, no Congo Belga, devido à exploração brutal, trabalho forçado e violência sistemática.

Em 1864 o Império Russo exterminou entre 1 a 1,5 milhão de circassianos no fim da guerra do Cáucaso; em 1893-1894 o governo turco massacrou mais de 1,5 milhão de armênios e voltou a massacrar mais de 1 milhão de 1915 a 1923. De 1939 a 1945 houve o Holocausto, quando, sob o regime nazista, foram assassinados de forma planejada e industrial cerca de 6 milhões de judeus além de milhões de ciganos, eslavos, homossexuais, deficientes e opositores políticos. É uma sucessão de crimes genocidas: na Ucrania, Camboja, Ruanda, Bósnia. Milhões de mortos em ataques orquestrados de limpeza étnica e violência sistemática.

Diversidade e tolerância

A gravidade desses crimes levou à criação da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adotada pela ONU em 1948, tornando o genocídio um crime internacional.  A ONU considerou que os genocídios dos séculos 19 e 20 mostraram a necessidade de vigilância e resposta internacional para impedir novas tragédias, reforçando a importância da educação para a tolerância e o respeito à diversidade. O impacto das atrocidades marca a memória coletiva, os direitos humanos e as políticas de justiça internacional.

As causas dos genocídios referem-se a fatores políticos, étnicos, econômicos, ideológicos e sociais, frequentemente exacerbados por contextos de guerra, crise institucional e construção de identidades nacionais exclusivistas. A afirmação de identidades nacionais exclusivas e a busca pela homogeneização étnica, como se viu em vários genocídios (armênio, holocausto, Bósnia), tornaram certos grupos vistos como “inimigos internos” que precisariam ser eliminados para a segurança do Estado ou unidade nacional.

Desumanização e Propaganda

Os grupos que estão no poder costumam classificar os que são alvo da sua intolerância e preconceito como sub-humanos, perigosos ou traidores, facilitando psicologicamente sua eliminação. O uso sistemático de propaganda para difundir ódio e preconceito permitiu que grandes segmentos da sociedade aceitassem ou participassem dos crimes.

Muitos genocídios ocorreram durante guerras ou períodos de intenso conflito, quando o colapso de sistemas de governo, mudanças abruptas de poder e crises econômicas criaram oportunidades para extremistas, comumente da direita política, tomarem o controle e implementarem políticas radicais de exclusão e extermínio.

A ideia de que determinado grupo representa perigo à segurança nacional, social ou cultural foi frequentemente usada como justificativa para genocídios. Isso era exacerbado em momentos de crises, guerras ou rumores sobre potenciais alianças entre o grupo perseguido e inimigos externos. Uma liderança carismática ou autoritária torna as sociedades mais propensas a seguir ideais genocidas.

A forma mais direta de genocídio foi a execução sistemática de grandes grupos por fuzilamento, enforcamento, esfaqueamento (como o uso de facões em Ruanda) ou através de milícias e forças armadas organizadas. Foi o caso das operações de fuzilamento em massa realizadas pelos Einsatzgruppen nazistas, massacres por tropas turcas contra armênios, matanças promovidas pelo Khmer Vermelho e execuções em massa na Bósnia e Ruanda.

Diversos genocídios utilizaram a deportação e o deslocamento forçado de populações para áreas inóspitas, muitas vezes sem alimento, água ou abrigo adequado. Famílias inteiras morriam por exaustão, fome, frio ou doença durante “marchas da morte”, como ocorreu com armênios, gregos pônticos, tártaros da Crimeia e outros.

Os perpetradores subjugaram suas vítimas a condições insalubres, em campos de concentração e trabalhos forçados, com privação deliberada de alimentos, assistência médica e higiene, como acontece em Gaza, resultando em alta mortalidade por fome, doenças e violência cotidiana.

O estupro sistemático foi utilizado como método de destruição psicológica e biológica dos grupos vítimas, especialmente nos genocídios na Bósnia e em Ruanda, onde milhares de mulheres foram violentadas em campanhas organizadas.

O ataque a elementos de identidade cultural, como templos, livros, monumentos e práticas religiosas, visou apagar a memória coletiva dos povos vítimas, representando um ataque à continuidade do grupo.

Propaganda

A propaganda desempenha papel central na polarização de grupos e na preparação psicológica da sociedade para o genocídio, promovendo discursos de ódio, desumanizando as vítimas e construindo uma narrativa de ameaça existencial por parte do grupo alvo. A utilização das chamadas “fake news” é a forma mais atual e tecnológica de propaganda orientada para a disseminação de ódio.

A propaganda nazista, por exemplo, utilizava filmes, jornais, rádio e panfletos para retratar judeus como inimigos sub-humanos e conspiradores, fortalecendo o sentimento de medo e hostilidade entre a população alemã. Na Alemanha nazista, o Ministério da Propaganda de Goebbels controlou toda a mídia para garantir que as ideias racistas e antissemíticas fossem repetidas, naturalizando a perseguição como medida necessária.


*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: A propaganda desempenha papel central na polarização de grupos e na preparação psicológica da sociedade para o genocídio. A utilização das chamadas “fake news” é a forma mais atual e tecnológica na disseminação de ódio. | Agência Wafa

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Uma resposta

  1. Excelente texto. Didático, inclusive, se eu fizesse a lei, incluía esse e alguns outros nos programação de 1° e 2° graus. E matéria de vestibular!!

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