Fica tranquilo, Carlos!

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Por ANGELO CAVALCANTE*

Caro Carlos, não chore…

Não fique triste, não se amorfine porque em breve, tudo isso irá terminar.

Eu, repara bem, estou detidamente acompanhando o julgamento do vosso pai e reconheço, as coisas não estão nada boas para ele.

A defesa até tenta, esboça, ensaia discursos, estratégias, caminhos, rumos mas, em seguida, o senhor Gonet, o PGR do Brasil, desmonta argumento por argumento, termo por termo, quadro por quadro, cenário por cenário e palavra por palavra dos vossos advogados.

É mesmo um massacre verbal, oratório e discursivo e olha que a banca de advogados do seu progenitor é, por sinal, muito boa. É que – reconheça! – seu pai errou tanto, infringiu, cometeu tantos e tantos crimes que, em definitivo, não há defensor que, de fato, defenda.

Mas em breve, tudo isso irá terminar!

Veja só…

É muito justa a luta por liberdade e que vocês empreendem em favor do pai, aliás, aprenda que só os seres humanos podem ser, de fato, livres; é que há intento, motivo e intenção na liberdade… O esforço que você e seus irmãos fazem, faz sentido, mas, repara bem, vocês não podem mentir.

É que, em definitivo, não é correto dizer aos quatro cantos do mundo de que nós, os brasileiros, estamos numa ditadura… Carlos, não estamos!

Caso estivéssemos mesmo numa ditadura, nenhum de vocês – NENHUM DE VOCÊS! – estaria vivo! Ninguém da sua família estaria vivo porque regimes totalitários possuem o hábito corrente, banal e usual de matar, torturar, despedaçar e homiziar, ocultar corpos.

Em ditaduras, veja bem, não há debate, o contraditório; há e somente há, obediência pura e simples ou… Morte! Essa equação é clara e cristalina.

Seu pai responde a processos e que seguem ritos; o “papai”, você sabe, constituiu defesa, fez apelações, refutou provas, elencou testemunhas, negou outras; fez adendos, acréscimos e ajustes nos processos; todos os documentos inscritos e constituintes dos autos foram plena e completamente disponibilizados aos vossos advogados e, creia… Isso não faz o menor sentido em despotismos e tiranias.

Numa tirania seu pai, na alta madrugada, teria sua casa, sua prisão domiciliar, invadida e um agente do Estado sacaria de uma pistola e daria um tiro em sua fronte. Apenas UM!

O corpo do seu progenitor seria em seguida, socado, enterrado em lugar não conhecido, registrado ou anunciado.

Isso é uma ditadura!

Mas fique tranquilo… Isso não vai acontecer! Seu pai estará sob julgamento formal, justo, íntegro e absolutamente público; se condenado (e eu acho que ele será condenado!), será respeitosamente conduzido para uma prisão cuja cela estará limpa, asseada, higienizada e esteja certo, ele não será sovado, não será arranjado e dependurado em um pau-de-arara, não terá seu corpo violentado, não terá suas unhas arrancadas ou sofrerá descargas elétricas pelo corpo.

Os mamilos do seu velho não serão decepados, ninguém fará introdução de ratos ou objetos no ânus do senhor seu pai; ele não será afogado em poças de água imunda.

Seu pai não será jogado numa solitária, não irá passar fome e, ao contrário, terá acesso a livros, revistas e assistência médica.

Caro Carlos, deixa eu cometer uma inconfidência…

Quando nasci, meu pai foi preso! Meu pai, nordestino, homem simples, sempre trabalhou muito; sempre foi madrugador, nunca pertenceu a organizações ou partidos de esquerda e ainda assim, sob a ditadura brasileira, foi acusado de atos e ações subversivas e que jamais cometeu.

Meu pai foi sequestrado, foi despido, algemado e jogado em uma solitária imunda; foi torturado, levou rajadas elétricas pelo corpo; teve as mãos e os dedos quebrados, o rosto ficou tomado de hematomas e meu pai… Nunca, nunca pôde se defender!

Nunca foi a um tribunal, não teve um advogado para lhe fazer defesa; nunca a voz de um advogado se ergueu contra seus algozes e bradou firme: ” Vocês não podem fazer isto! “.

Meu pai… Meu pai nunca foi ouvido, suas posições jamais foram consideradas e meu pai, uma das melhores pessoas que conheci na vida, desceu aos portões do inferno na dor, na solidão e sob a violência mais brutal e carnal e que você possa imaginar.

Em 2020 meu pai morreu… Morreu sem ver o alento revigorante da justiça acontecer em sua vida!

Mas fique tranquilo… Nada disso irá acontecer com seu pai!

Ele será respeitado, sua integridade física seguirá inviolável e imaculada e irá, entre leituras, banhos-de-sol e muito descanso, cumprir sua pena.

Caro Carlos, faça saudação amorosa à democracia, respeite-a! Creia, sem ela, seu pai não estaria vivo!

Fique tranquilo!


*Angelo Cavalcante é economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.

E-mail : angelo.cavalcante@ueg.br

Foto de capa: Agência Brasil

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Respostas de 3

  1. nossa!!! qu texto lindo, chocante, triste e ao mesmo tempo revoltante, poois esse PAI morreu sem ter tido a oportunidade de ver seus algozes pagarem tim por timtim oq ue fizeram. é uma ferida que nunca cicatriza no coração de quem fica.

  2. Testo verdadeiro. Esclarecedor, assim fica bem claro,para quem não tem noção,de que a democracia,é ter liberdade de se expressar ,e ter direito de ir e vir,de trabalhar, com dignidade.

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