Por NUBIA SILVEIRA*
Eleitores (ou não) de extrema direita e bolsonaristas, liderados pelo pastor Silas Malafaia e o governador Tarcísio de Freitas, quando gritam por anistia e afirmam que não houve tentativa de golpe, apostam na memória fraca de muitos de nós. O ataque à democracia, cujo ponto alto foi o 8 de janeiro de 2023, começou a ser preparado – como alguns de nós lembramos – antes mesmo das eleições de 2018 e não apenas em 2021, como afirmou o ministro Alexandre de Moraes. Lembro, por exemplo, de uma entrevista dada pelo general Heleno a vários jornalistas do grupo Globo, durante a campanha de 2018. Um dos entrevistadores (sinto muito, não lembro qual deles) perguntou ao general se num governo Bolsonaro poderia ocorrer um golpe. O general tergiversou. O jornalista repetiu a pergunta e ele afirmou que, se fosse necessário, sim. Não disse, nem lhe foi perguntado, em que circunstâncias haveria tal necessidade.
Bolsonaro foi escolhido a dedo pelos militares que ainda sonham com a volta à ditadura. O ex-capitão sempre defendeu o golpe de 1964 e os torturadores. Recém-empossado, ele agradeceu ao general Villas Bôas com uma frase nada enigmática: “General Villas Bôas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. O conteúdo da conversa permanece em segredo. Não é difícil, no entanto, presumir o que foi dito ou acertado.
O general Villas é aquele que escreveu em seu Twitter, atual X, no dia 3 de abril de 2018, às vésperas de o STF julgar o pedido de habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. A mensagem pressionava o Supremo a não conceder o habeas solicitado por Lula, conforme reconheceu o próprio general no livro General Villas Bôas: Conversa com o Comandante.
O ex-comandante do Exército no governo de Dilma Roussef contou, na longa entrevista concedida a Celso Castro, diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV: “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei para o CComSEx (Setor de comunicação do Exército) para expedição”. Uma das razões para a publicação do tuite teria sido o aumento (hipotético?) dos pedidos de intervenção militar. A esta altura, me perguntou: onde estão estes militares defensores da Constituição?
De 2019 a 2023, o gaúcho de Cruz Alta exerceu o cargo de assessor especial do GSI – Gabinete de Segurança Institucional. No primeiro ano do governo Bolsonaro, ele inaugurou o Instituto General Villas Bôas que deveria se dedicar ao estudo de doenças raras, como a ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, com a qual o general foi diagnosticado em 2016. Mas em 19 maio de 2022, ano da última eleição presidencial, o Instituto lançou o Projeto de Nação: o Brasil em 2035, em parceria com os institutos Sagres e Federalista. Oito dias depois o Le Monde Diplomatique Brasil afirmou que o projeto “representa a continuidade de uma ideologia de segurança nacional”. E alertou: “Além disso, vem embutido de uma visão autoritária”.
Ainda segundo o Le Monde Diplomatique: o projeto “descreve um Brasil majoritariamente conservador e liberal, socialmente coeso em seus valores morais, éticos e cívicos, resistente ao movimento globalista, movido pelo agronegócio e mineração, esvaziado de legislações de demarcações de terras indígenas e assertivo no combate ao crime organizado e à corrupção”. O texto ainda afirma que “para alcançar este Brasil, seria necessário superar interesses político-partidários, identitários e radicais, incapazes de compreender os verdadeiros interesses nacionais, que somente o conservadorismo evolucionista poderia interpretar”. E, para que não se diga que estou delirando, não custa lembrar que, em 1964, os militares adeptos ao golpe, reunidos na Escola Superior de Guerra, planejaram e produziram manuais sobre uma Política Nacional e uma Grande Estratégia para o futuro do Brasil. Manuais e Planejamento Estratégicos, elaborados pelo general Golbery do Couto e Silva, ideólogo da ditadura militar.
Mas não vamos tão longe para afirmar que a tentativa de golpe existiu. Não foi uma miragem. As concentrações em frente aos quartéis nunca foram desmobilizadas. Mas incentivadas por insinuações de que o resultado da eleição presidencial poderia ser modificado. Tenho bem viva na lembrança a resposta do vice-presidente de Bolsonaro, o hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos/RS), para o grupo que o interpelou à frente do Planalto. Disse que esperassem porque novidades estavam por vir. O ex-presidente, já em Miami, consolou seus apoiadores no estilo Mourão.
Em seu voto, nesta quarta-feira, 10, o ministro Luiz Fux negou a existência de provas de que os acusados tenham agido de forma organizada ou emitido ordens para as invasões. Qualquer um que tenha acompanhado o noticiário do período compreendido entre a eleição de 2022 e o ataque à democracia de 8 de janeiro de 2023 não tem como negar que o golpe foi planejado pelo ex-presidente e o pessoal de sua confiança. Só Fux não viu e não ouviu. Apesar da cegueira e da surdez, ele falou, tentando livrar os golpistas da cadeia. Livrar de um golpe que segue sendo gestado, a partir dos Estados Unidos, pelo filho Zero Três de Bolsonaro.
Só a condenação dos golpistas de 2023 evitará um novo 1964.
*Nubia Silveira é jornalista
Foto de capa: Cristiano Mariz





Respostas de 2
Bem lembrando, penso que o golpes sempre teve em pautas por estes motivos inúteis. O esboço começou em agosto de 2013.
(Quem disse “ESPEREM POR NOVIDADES” foi o general e vice do Bolsonaro Braga Neto.
Não é difícil deduzir porque o golpe não deu certo…
Coragem e talento não basta colar num determinado lugar …
Precisa de uma alma…
O ovo não foi ganalizado…